Se imaginássemos o que teria acontecido no mundo se não apenas os valores morais fossem diferentes, mas também o tipo de produção e consumo, veríamos que eles teriam gerado um tipo diferente de progresso.
Acredito que um mundo com muitos produtos locais e poucos produtos vindos de outros países seria um mundo muito mais rico do que o dominado pela produção global. Por exemplo, vamos olhar para as Filipinas. Esse país tem milhares de pequenas ilhas. O espaço real é proporcionalmente pequeno em relação às águas que circundam aquelas ilhas.
Agora, vamos imaginar se as Filipinas vivessem inteiramente de seus próprios recursos – sem nenhum contato externo. As pessoas aproveitariam muito mais seus recursos limitados e desfrutariam de um estilo de vida em consonância com eles. À medida que sua vida cultural se desenvolvesse e melhorasse, eles viriam a ter belíssimas obras de arte, sólidas tradições e costumes baseados em características locais.
A variedade de queijos na França só foi possível devido ao seu regionalismo saudável |
Se em todo o mundo as pessoas vivessem de seus próprios recursos locais e não confiassem mais no comércio internacional, a riqueza mundial seria muito maior do que a gerada pelo processo de produção em massa e pela circulação global de bens.
Os leitores podem considerar a Europa, onde as características locais ainda existem em maior medida. Os países europeus estão sendo destruídos pela União Europeia, mas mesmo assim eles ainda existem. As cozinhas locais, por exemplo, são extremamente ricas e distintas.
Em cada região da França, temos uma cozinha diferente, com características específicas. O mesmo se dá na Espanha, Portugal e em outros países. Os pratos locais se desenvolveram para se adequarem à alma de cada país, e depois a cada região do interior do país, para que cada povo se delicie com os pratos especiais de suas regiões.
Como alguém pode pretender que a comida em latas ou fast food, que foi imposta a todos em todo lugar pelo comércio global, seja mais saborosa do que as culinárias europeias regionais? É impossível. As cozinhas regionais são incomparavelmente mais ricas e melhores. O mesmo ocorre nas outras esferas culturais.
Temperança induz um regionalismo saudável
A excelente cerâmica de Barcelos é famosa em todo o país |
Quando a atmosfera de uma região é perfeitamente adequada à alma do povo, os habitantes dessa área estão contentes e não desejam comprar coisas de outro canto do mundo.
Por que um homem de Portugal que tem tudo o que precisa em sua própria terra há de querer produtos fabricados no Japão?
Eu acredito que seja uma falta de temperança que faz um povo se tornar descontente com o que é próprio à sua psicologia e mentalidade, e constantemente desejar coisas produzidas nos quatro cantos do mundo.
Assim, a falta de temperança é um fator importante que move o comércio internacional. Se houvesse mais temperança, cada um ficaria satisfeito com os produtos e estilos regionais que expressam sua alma, mentalidade e cultura.
Aqui, novamente, encontramos um problema moral na base de um problema econômico.
Um progresso baseado nos costumes locais
O ambiente cultural em que o homem vive deve se desenvolver com base em costumes que se prolongam por gerações e o que a terra ao seu redor lhe dá para expressar sua própria psicologia. Ele sempre encontrará maneiras de expressar sua psicologia em sua terra local.
O primeiro holandês ou inglês – não sei bem qual – que provou o junípero e percebeu que poderia fazer uma bebida requintada como o gim provavelmente nunca teria inventado essa bebida se importasse bebidas de todo o mundo.
Uísque tornou-se uma das marcas da Escócia |
O mesmo poderia ser dito dos escoceses e seu uísque, um espírito - bebida destilada pelo - que, se não me engano, remonta aos monges do início da Idade Média. Como teria sido possível para eles encontrarem a melhor maneira de produzir seus famosos espíritos se não estivessem procurando tirar vantagem dos grãos produzidos em suas próprias regiões?
Deixem-me salientar que houve também um grande esforço intelectual feito por aqueles homens que primeiro provaram tais ervas ou grãos locais e imaginaram os produtos finais – aqueles espíritos soberbos que destilaram.
De fato, o processo para atingir esse ideal às vezes é fruto de um esforço de várias gerações. E, ao final desse processo, vemos que alguns dos traços das psicologias escocesa e inglesa estão devidamente refletidos em seu uísque e gim. Eles nunca poderiam ter produzido essas obras de arte no reino da bebida se tivessem feito parte de uma economia global. Quem não pode ver que um escocês ou inglês não tem nada a ver com a vodca que ele importa e bebe hoje?
Que defeito faz um homem se afastar de seu próprio ambiente e bens regionais e mergulhar em um cosmopolitismo anônimo? É uma ganância pelos bens dos outros que ele não possui. Assim, a virtude da temperança leva o homem a se satisfazer com o que tem em sua própria terra e região.
Essa mesma virtude cria uma atmosfera cultural que o ajuda a desenvolver melhor sua inteligência e psicologia. Sem temperança, é quase impossível para ele evitar cair na mentalidade frenética de nossa economia moderna, que vive e exacerba os defeitos do capitalismo selvagem.
Eu acredito que a economia fechada não é uma fantasia ou devaneio. Com menos desejo de progredir horizontalmente e mais desejo de progredir verticalmente, não teríamos evitado toda essa agitação moderna e alcançado maior estabilidade?
Amor da perfeição: base do crescimento orgânico
Um ferreiro forjando uma armadura para seu nobre |
Outro fundamento do trabalho e da economia numa sociedade orgânica era um amor metafísico pela perfeição. Um trabalhador tinha uma preocupação razoável com o lucro de seu labor, a fim de ganhar a vida para si e para sua família, mas seu desejo preponderante era o de fazer um trabalho perfeito.
Cada homem em cada profissão visava alcançar sua obra-prima. O ideal de um ferreiro era forjar a espada perfeita, uma obra de arte requintada, que fosse também uma arma forte, capaz de resistir a qualquer golpe.
O sapateiro se esforçava por fazer o par perfeito de botas – bem trabalhado e bem projetado – para o seu cliente nobre. E até que o trabalhador atingisse aquele grau de perfeição que ele havia concebido, ele não descansaria. Em profundidade, a busca da perfeição era uma tradução metafísica do amor de Deus.
Sem essa nota tônica da busca pela perfeição, não podemos imaginar uma sociedade orgânica. Com isso, é fácil resistir à tentação do comércio internacional e construir algo muito diferente e muito melhor do que há em sua região. Sem isso, é quase impossível não cair na economia selvagem e frenética em que vivemos hoje.
Postado em 17 de junho de 2019
  | | Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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