Em 15 de junho de 1999, cerca de 500 "peregrinos" Católicos leigos fizeram um "cerco" a Jerusalém. Segundo a imprensa, essas pessoas vieram de 30 países diferentes. O dia escolhido para o novo "cerco" de Jerusalém foi a suposta data do cerco final e tomada da Cidade Santa pelos cruzados mais de 900 anos atrás. Agora, porém, em vez de entrarem em Jerusalém lutando e conquistando como os gloriosos cruzados católicos medievais, esses leigos entraram na cidade pedindo perdão aos muçulmanos que encontraram ao longo do caminho e distribuindo um documento para esse efeito em nome de sua “Caminhada da Reconciliação.”
As simetrias históricas são dignas de nota e revelam que os “peregrinos” pretendem anular de forma muito profunda o efeito das Cruzadas. Acredito que o Sr. Lynn Green, porta-voz da imprensa e diretor internacional da iniciativa, estava bem ciente dessas consequências.
Além dos aspectos simbólicos, sem dúvida muito importantes, há também um substrato doutrinário implícito. Os participantes da “Caminhada da Reconciliação” falaram em nome da Igreja e assumiram um tom dogmático em suas declarações. Chamo a atenção do leitor para duas citações às quais me refiro:
* “Os cruzados ergueram a bandeira da cruz acima do povo muçulmano. Por esse ato, eles corromperam o verdadeiro significado de reconciliação, perdão e amor abnegado.”
* “Lamentamos profundamente as atrocidades cometidas em nome de Cristo por nossos predecessores. Renunciamos à ganância, ao ódio e ao medo e condenamos toda a violência em nome de Jesus Cristo.” (1)
1. “Uma Apologia, 900 anos em construção,” Christianity Today, 6 de setembro de 1999.
Em vez de entrar em Jerusalém conquistando como cruzados, leigos entraram na cidade pedindo perdão aos muçulmanos |
No primeiro excerto, há uma afirmação categórica de que a tomada de Jerusalém teria sido “a corrupção do verdadeiro significado da cruz”. No entanto, todos sabem que esta expedição militar foi convocada pelo beato Papa Urbano II, que concedeu indulgências especiais aos cruzados, para os que morressem na luta para libertar o sepulcro de Cristo recebessem as graças necessárias para levá-los diretamente ao Céu.
A luta católica é um exemplo por excelência do verdadeiro sentido da mensagem de Nosso Senhor, que disse, “Eu não vim para trazer a paz, mas a espada” (Mateus 10:34). Portanto, o chamado para as Cruzadas não foi uma corrupção do verdadeiro significado da cruz; tampouco havia qualquer desgraça em participar delas ou ardentemente admirá-las como os católicos fizeram ao longo dos séculos. Se a Igreja tivesse errado ao ensinar e promover a combatividade católica, ela não seria infalível, uma vez que ela fez isso durante toda a sua existência. Assim, a adoção da militância como característica essencial da Igreja Católica implica infalibilidade. As noções da Igreja Militante, da Igreja Triunfante e da Igreja Padecente pressupõem que a vida nesta terra é uma batalha. Mudar estas noções seria mudar a própria natureza da Igreja.
No segundo excerto, uma análise da queixa pelas “atrocidades” da guerra mostra que isso é uma conseqüência do prévio pedido de desculpas. Uma pessoa pode admitir que pode haver guerra justa e guerra santa - ou não admitir. O derramamento de sangue é uma consequência natural da guerra, assim como a efusão do suor é uma consequência da participação em esportes. Lamentar as “atrocidades” em si mesmas sem considerar o princípio pode ser facilmente interpretado como sentimentalismo.
O que me chamou a atenção neste relatório foi que os leigos que “sitiaram” Jerusalém pretendiam “excomungar” o passado militante da Igreja. Este fato é surpreendente porque não me lembro de nenhum precedente para isso. Mas várias outras coisas agravam ainda mais o problema.
Primeiro, os leigos não podem fazer excomunhões sem basear-se no Magistério.
Segundo, mesmo se fossem apoiados por padres e bispos, não seria possível negar o passado militante católico sem negar a infalibilidade da Igreja.
Em terceiro lugar, não acredito que mesmo um Papa que pedisse perdão pelo passado da Igreja tivesse o poder de abolir a militância
Católica.
Outra curiosidade: as próprias pessoas que pediam perdão pelo passado da Igreja não pediam perdão pelos erros cometidos no presente. Ou seja, eles parecem ignorar distraidamente os inúmeros pontos do Vaticano II que estão causando a atual crise eclesiástica. Por exemplo, o Concílio – com seu ecumenismo e sua adaptação ao mundo moderno – não renunciou tacitamente ao caráter missionário e militante da Igreja Católica? Esses são positivamente erros. Então, por que aqueles progressistas pedem perdão pelos “erros” dos outros e não pedem perdão por seus próprios erros?
Pareceria mais humilde pedir perdão primeiro pelos próprios erros. O que estamos testemunhando em todas essas desculpas não demonstra uma atitude de orgulho? Ou será que aqueles que estão pedindo perdão estão convencidos de uma nova noção de infalibilidade que apoiaria essa atitude?
Nesse caso, teríamos duas infalibilidades: a concepção perene da infalibilidade da Igreja e a nova concepção progressivista da infalibilidade dos documentos e do pensamento que autorizariam seus simpatizantes a excomungar qualquer um que se oponha a eles.
Se essa hipótese é objetiva, então surge a questão: a qual destas duas infalibilidades devemos aderir?
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