Sociedade Orgânica
Paz, Estados iguais e escravidão
Existe uma maneira correta de entender a paz e a união das nações. Em teoria a Igreja gostaria que houvesse uma paz universal. Ela também gostaria que houvesse um mundo sem dor, sem doença e sem sofrimento. Mas a Igreja sabe que, por causa do pecado original, na prática é impossível alcançar uma paz universal na terra.
Não importa quão fortemente ela pregue que cada um deve ter virtude pessoal, a prática das virtudes atinge pontos altos e baixos nos homens e nos povos. Quando a prática da virtude é baixa, os homens se desviam e a paz se desvanece.
É mais ou menos como o que acontece com as doenças. A Igreja gostaria de abolir todas as doenças, e ninguém fez mais do que ela para melhorar a saúde e combater a doença. Mas ela sabe que a doença sempre estará presente entre os homens. Por essa razão, no nível prático, ela não almeja abolir todas as doenças.
Assim também, ela não almeja, na prática, em estabelecer uma paz universal. Ela encoraja a paz tanto quanto possível, mas ela não pretende ter um plano concreto para estabelecer uma paz universal.
Ademais, do ponto de vista espiritual, seria realmente prejudicial eliminar todas as doenças, porque o mundo cairia num abismo de imoralidade. A doença desempenha um papel enorme na manutenção da moralidade na sociedade e na ordem do mundo.
Um mundo no qual ninguém ficasse doente seria terrível; com o pecado original, um mundo no qual ninguém morresse acabaria se tornando uma selva. Seria o mesmo que expulsar Deus do mundo.
Assim, a Igreja sempre se empenhou em estabelecer a paz e eliminar a doença tanto quanto podia, mas sempre soube que a paz e a saúde são estados precários.
Mesmo quando um homem se importa com sua saúde, ele não proclama que nunca morrerá – isso seria tolice, pois todos sabem que vão morrer. Mesmo sabendo que vai morrer o homem quer prolongar sua vida o mais possível. Isso é normal e bom; ele tem o direito de fazê-lo e recebe as bênçãos da Igreja para isso.
O mito igualitário e o Estado
Os EUA e o Brasil são federações. Nos dois países, cada Estado possui laços iguais e padronizados com a União. Isto é, no entanto, um erro.
Cada um desses Estados integrantes da Federação tem uma história diferente, capacidades diferentes para se desenvolver, um conjunto de problemas diferentes e, portanto, tem maior ou menor necessidade de assistência do poder central.
A relação de cada Estado com a União deve ser regulada por preceitos e acordos especiais. É errado padronizar todos os Estados implementando os mesmos regulamentos. As diferenças em cada Estado devem ser refletidas em suas relações com a União.
Por exemplo, o poder central visa estabelecer a igualdade entre os Estados. Então, no Brasil, cada Estado tem o direito de ter três senadores. O mesmo sistema é utilizado nos EUA, onde cada Estado tem dois senadores.
Na prática, o que acontece é que um Estado com grande importância e dinamismo como São Paulo tem o mesmo número de senadores de Roraima, que é um Estado muito novo.
Assim, São Paulo, com seus 44 milhões de habitantes e seus quase 500 anos de história, tem três senadores e Roraima, com seus 500.000 habitantes, e seus 30 anos de existência têm o mesmo número.
O resultado é que, com base no ideal de combater a aristocracia e a desigualdade, o Poder central está, na verdade, promovendo uma desigualdade equivocada, porque está dando maior importância àqueles Estados que não estão no mesmo nível dos que são decisivos.
O resultado é que essa igualdade penaliza os Estados mais dinâmicos e competentes e privilegia os menos importantes. É uma aristocracia daqueles que são menos significativos.
Seria melhor que o poder central fizesse acordos individuais diferentes com cada Estado. Se, por exemplo, o Estado de Illinois nos EUA viesse a oferecer um serviço maior ao país durante o período de guerra, deveria receber o privilégio de ter mais senadores.
Se outro Estado, digamos, Massachusetts, se tornasse famoso por suas grandes universidades, o poder central deveria acrescentar mais senadores para o representar. Seria muito justo reconhecer valores morais que pudessem justificar uma representação maior no Senado.
Por que não dar mais direitos aos Estados do Sul que sofreram perseguição devido a um princípio revolucionário? Eles mereceriam ter um registro especial na história do País. Tenho a impressão de que hoje nem os Estados do Sul concordariam com isso, porque suas mentalidades foram completamente transformadas.
Processo gradual de abolir a escravidão
Ao fazer essa proposta, não estou assumindo uma posição favorável à escravidão, como alguém poderia objetar. Ficou provado que a causa real da Guerra de Secessão não foi a libertação dos escravos. Mas, a guerra foi iniciada para decidir qual sistema deveria ter supremacia: a sociedade patriarcal do Sul ou a sociedade industrial do Norte.
Os historiadores de hoje demonstram que o problema da escravidão já estava em processo de ser resolvido antes da Guerra Civil. Assim, a agressão do Norte contra o Sul poderia realmente ser caracterizada como uma “cruzada” contra aquela sociedade orgânica e aquele aspecto da civilização cristã representado pelo Sul.
Também no Brasil havia medidas em curso para libertar os escravos antes da escravidão ser abolida. Por exemplo, a “lei do ventre livre” foi aprovada, a qual legislava que uma criança nascida de uma mãe escrava seria automaticamente livre.
Era uma disposição legal que de fato aboliria a escravidão na próxima geração. Essa era a maneira correta de eliminar gradualmente a escravidão. Com este processo, estavam sendo feitas as adaptações necessárias quer para os escravos quer para os proprietários.
No entanto, esse processo foi interrompido pela libertação repentina de todos os escravos com a lei decretada pela Princesa Isabel. Hoje sabemos que ela estava sendo fortemente pressionada a assinar aquela lei pelo Papa Leão XIII, que preparara uma encíclica contra a escravidão (In Plurimis, 1888) e enviou uma mensagem forte ao governo dela, que era essencialmente isto: “Ou a Senhora abole a escravidão agora, ou eu vou citar o Brasil como um exemplo de propagar a escravidão que eu condeno.”
O resultado foi que a escravidão foi abolida prematuramente, interrompendo o processo orgânico que já estava ocorrendo. Essa ruptura repentina causou traumas sociais e econômicos:
Postado em 22 de julho de 2019
Não importa quão fortemente ela pregue que cada um deve ter virtude pessoal, a prática das virtudes atinge pontos altos e baixos nos homens e nos povos. Quando a prática da virtude é baixa, os homens se desviam e a paz se desvanece.
A Igreja sempre lutou contra as doenças; acima, franciscanos ajudando os doentes
Assim também, ela não almeja, na prática, em estabelecer uma paz universal. Ela encoraja a paz tanto quanto possível, mas ela não pretende ter um plano concreto para estabelecer uma paz universal.
Ademais, do ponto de vista espiritual, seria realmente prejudicial eliminar todas as doenças, porque o mundo cairia num abismo de imoralidade. A doença desempenha um papel enorme na manutenção da moralidade na sociedade e na ordem do mundo.
Um mundo no qual ninguém ficasse doente seria terrível; com o pecado original, um mundo no qual ninguém morresse acabaria se tornando uma selva. Seria o mesmo que expulsar Deus do mundo.
Assim, a Igreja sempre se empenhou em estabelecer a paz e eliminar a doença tanto quanto podia, mas sempre soube que a paz e a saúde são estados precários.
Mesmo quando um homem se importa com sua saúde, ele não proclama que nunca morrerá – isso seria tolice, pois todos sabem que vão morrer. Mesmo sabendo que vai morrer o homem quer prolongar sua vida o mais possível. Isso é normal e bom; ele tem o direito de fazê-lo e recebe as bênçãos da Igreja para isso.
O mito igualitário e o Estado
Os EUA e o Brasil são federações. Nos dois países, cada Estado possui laços iguais e padronizados com a União. Isto é, no entanto, um erro.
Cada um desses Estados integrantes da Federação tem uma história diferente, capacidades diferentes para se desenvolver, um conjunto de problemas diferentes e, portanto, tem maior ou menor necessidade de assistência do poder central.
A relação de cada Estado com a União deve ser regulada por preceitos e acordos especiais. É errado padronizar todos os Estados implementando os mesmos regulamentos. As diferenças em cada Estado devem ser refletidas em suas relações com a União.
Por exemplo, o poder central visa estabelecer a igualdade entre os Estados. Então, no Brasil, cada Estado tem o direito de ter três senadores. O mesmo sistema é utilizado nos EUA, onde cada Estado tem dois senadores.
Na prática, o que acontece é que um Estado com grande importância e dinamismo como São Paulo tem o mesmo número de senadores de Roraima, que é um Estado muito novo.
Assim, São Paulo, com seus 44 milhões de habitantes e seus quase 500 anos de história, tem três senadores e Roraima, com seus 500.000 habitantes, e seus 30 anos de existência têm o mesmo número.
Os estados devem ter diferentes representações de acordo com sua história e importância
O resultado é que essa igualdade penaliza os Estados mais dinâmicos e competentes e privilegia os menos importantes. É uma aristocracia daqueles que são menos significativos.
Seria melhor que o poder central fizesse acordos individuais diferentes com cada Estado. Se, por exemplo, o Estado de Illinois nos EUA viesse a oferecer um serviço maior ao país durante o período de guerra, deveria receber o privilégio de ter mais senadores.
Se outro Estado, digamos, Massachusetts, se tornasse famoso por suas grandes universidades, o poder central deveria acrescentar mais senadores para o representar. Seria muito justo reconhecer valores morais que pudessem justificar uma representação maior no Senado.
Por que não dar mais direitos aos Estados do Sul que sofreram perseguição devido a um princípio revolucionário? Eles mereceriam ter um registro especial na história do País. Tenho a impressão de que hoje nem os Estados do Sul concordariam com isso, porque suas mentalidades foram completamente transformadas.
Processo gradual de abolir a escravidão
Ao fazer essa proposta, não estou assumindo uma posição favorável à escravidão, como alguém poderia objetar. Ficou provado que a causa real da Guerra de Secessão não foi a libertação dos escravos. Mas, a guerra foi iniciada para decidir qual sistema deveria ter supremacia: a sociedade patriarcal do Sul ou a sociedade industrial do Norte.
Os historiadores de hoje demonstram que o problema da escravidão já estava em processo de ser resolvido antes da Guerra Civil. Assim, a agressão do Norte contra o Sul poderia realmente ser caracterizada como uma “cruzada” contra aquela sociedade orgânica e aquele aspecto da civilização cristã representado pelo Sul.
Pressionado pelo Papa Leão XIII, a Princesa Isabel assinou a "lei áurea" libertando os escravos durante a noite
Era uma disposição legal que de fato aboliria a escravidão na próxima geração. Essa era a maneira correta de eliminar gradualmente a escravidão. Com este processo, estavam sendo feitas as adaptações necessárias quer para os escravos quer para os proprietários.
No entanto, esse processo foi interrompido pela libertação repentina de todos os escravos com a lei decretada pela Princesa Isabel. Hoje sabemos que ela estava sendo fortemente pressionada a assinar aquela lei pelo Papa Leão XIII, que preparara uma encíclica contra a escravidão (In Plurimis, 1888) e enviou uma mensagem forte ao governo dela, que era essencialmente isto: “Ou a Senhora abole a escravidão agora, ou eu vou citar o Brasil como um exemplo de propagar a escravidão que eu condeno.”
O resultado foi que a escravidão foi abolida prematuramente, interrompendo o processo orgânico que já estava ocorrendo. Essa ruptura repentina causou traumas sociais e econômicos:
- Um trauma social porque uma vez que os escravos se encontravam libertos, eles correram para as “grandes cidades” – especialmente o Rio – e se estabeleceram lá. Como não possuíam recursos culturais e econômicos para construir casas decentes, essa migração causou as favelas que até hoje ainda existem.
- Um trauma econômico, porque as terras dos fazendeiros e agricultores ficaram sem a mão-de-obra necessária, o que causou um grande declínio na produção agrícola e pecuária do país. Esta situação só foi resolvida quando o Império encorajou a imigração de colônias de alemães e italianos para substituir a mão-de-obra perdida.
Postado em 22 de julho de 2019
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Prof. Plinio
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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