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Sociedade Orgânica
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Lei Consuetudinária - V

A Rica Diversidade do Direito Medieval

Plinio Corrêa de Oliveira
Se permitíssemos que os homens modernos fizessem seus próprios costumes para governar a si mesmos, isso nos levaria a um caos? Suponhamos que disséssemos aos moradores de cada bairro de São Paulo que eles são livres para expressar os seus próprios costumes e se organizar da maneira que quiserem. Não é difícil imaginar o resultado, pois isso causaria um grande tumulto.

A primeira coisa a notar é que não podemos construir uma fortaleza com pedras em ruínas. Em uma época de grande decadência moral como a nossa, quando damos às pessoas esse tipo de liberdade, o resultado normal é a desordem. A resposta seria então aprisioná-los? Não, porque então teríamos tirania. Portanto, ou temos a pretensão de uma democracia, que na verdade é governada por demagogos e ladrões, ou temos a tirania de um ditador.

medieval trial

O Duque local ouve e julga um caso de seu território

A verdadeira solução é incutir moral na sociedade. A lei costumeira evidentemente supõe um nível mínimo de moralidade para funcionar; supõe uma ordem cristã. Eu não seria favorável a uma aplicação repentina pura e simples do sistema do direito consuetudinário no Brasil de hoje.

No entanto, acrescento que se as funções habituais fossem atribuídas às autoridades sociais autênticas de cada área, creio que este poderia ser um bom começo para o restabelecimento de uma ordem natural.

Pois, por meio de uma espécie de senso inato da realidade, as elites sociais autênticas são capazes de resolver adequadamente os problemas locais. Em vez disso, a autoridade política tal como concebida hoje, muito distante da vida social real de uma área, é artificial e não resolve nada.

Então, por que toda a sociedade na Idade Média não caiu em desordem? Parte da resposta está então no papel do juiz. O juiz não tinha o direito de fazer os costumes, mas sim a obrigação de julgar com base neles. Os costumes foram estabelecidos pela sociedade ao longo do tempo. O juiz, então, ordenou que esses costumes fossem codificados para que ele pudesse fazer julgamentos sólidos. Quando ele desconhecia algum costume local, ele fazia se informava para que seu julgamento fosse correto.

Ele fazia isso simplesmente conversando com as pessoas. Ele falava com as mulheres que enchiam seus recipientes com água no poço da aldeia; iria à pousada tomar uma taça de vinho e conversar com uma dezena de moradores que conheciam os costumes e, então, os julgaria de acordo com eles. Ele julgaria um caso apresentado a ele não em um foro, porque aquelas pequenas aldeias não tinham foros, mas em uma espécie de sessão pública que parecia uma reunião de família, apoiada em sua própria autoridade patriarcal.

Nesse sentido, os julgamentos de São Luís de França, sentado sob o carvalho de Vincennes, nos arredores de Paris, tornaram-se lendários. Ele se sentava lá e ouvia os casos apresentados pelo povo e lhes dava soluções justas. Inúmeros juízes em toda a Europa fizeram o mesmo.

O rei, o protetor dos costumes

Mesmo que um juiz não concordasse pessoalmente com um costume local, ele não tinha o direito de revogá-lo. Esse direito pertencia apenas ao rei, e o rei exercia esse privilégio apenas em três casos, isto é, quando um costume era contra a Lei Natural, a Moral Católica ou o bem comum da sociedade. Então, o rei poderia intervir e abolir o costume. Mas, o rei não poderia mudar outros costumes. Ele não poderia dizer aos tanoeiros que “eu sei melhor do que os senhores como lidar com seus negócios, então estou impondo esta lei sobre como fazer seus barris.”

King Louis IX at Vincennes oak

Os casos de audiências de São Luís em Vincennes, acima, repetiram-se em todo o mundo medieval

São Luís IX foi o grande protetor dos costumes. Ele não apenas os protegeu, mas lutou fortemente contra os maus costumes em Paris. À medida que o papel do rei se desenvolvia no século XIII, ele passou a delegar a função ao Parlamento de Paris a fim de manter os bons costumes e extirpar os maus.

A lei consuetudinária rege uma ampla variedade de situações intimamente ligadas à vida cotidiana. Na Inglaterra, alguns desses costumes ainda são usados hoje. Na França, o processo foi diferente. Acontece que muitos dos grandes feudos tinham costumes comuns, que constituíam a lei consuetudinária de regiões inteiras como a Normandia, Champagne, Auvergne, etc.

Assim, o rei formou um sistema de leis para essas grandes regiões sem violar as leis consuetudinárias e os costumes locais de regiões menores. Entre os costumes locais ainda existiam costumes diferentes para as várias classes sociais ou para aqueles em situações diferentes, como as pessoas que viviam na floresta local ou no entorno de um lago particular ou ao longo das margens daquele rio. Assim, o leitor pode ver a imensa diversificação do direito medieval.

Em que assuntos esses costumes a que nos referimos aqui atingiram? Eles tocaram em mais ou menos tudo. Por exemplo, no topo da sociedade, a sucessão à coroa era regulada pelos costumes, assim como os casamentos entre nobres, a homenagem do vassalo ao seu suserano. Todos eram regulados por tradições e costumes particulares.

Descendo a escala social, os costumes tratavam de todos os aspectos da vida e do trabalho: diretrizes para os mercadores, regras para as associações, protocolos para o policiamento de florestas e rios, leis para o comércio marítimo, procedimentos para levar os casos aos tribunais, códigos para pesos e medidas, que a princípio eram determinados pelo rei, mas depois eram regulamentados pelos costumes locais de diferentes maneiras.

medieval codes of law

A codificação das leis consuetudinárias tornou-se comum no século 13

A lei consuetudinária foi estabelecida em todo o território europeu. Muitas vezes esses costumes deram origem a cartas, que eram concessões especiais feitas em relação à alfândega. Nos séculos 10 e 11, essas cartas já eram numerosas. O século 12 viu o surgimento de estatutos municipais para governar algumas cidades, todas com o consentimento do rei e dos senhores feudais. Esses estatutos eram simplesmente codificações dos costumes locais existentes.

Posteriormente, surgiram livros de costumes escritos por juristas que os utilizavam para discutir casos e julgá-los de acordo com os costumes locais. Quando esses livros eram bem escritos, seu uso se tornou tão generalizado que adquiriram, por assim dizer, força de lei.

O século 12 também viu compilações de decisões feitas por juízes com base nos costumes locais. Eles constituíram uma espécie de complemento à lei consuetudinária e se desenvolveram de forma marcante no século 13.

À medida que esta série chega ao fim, temos para nossa leitura uma visão geral sobre o que era a lei consuetudinária, como foi estabelecida e como manteve uma ordem forte.

Resta um problema a ser resolvido: neste grupo massivo de diferentes corpos sociais e leis, como, em princípio, a ordem foi estabelecida? Nesta orquestra de milhares de instrumentos, como foi tocada a grande sinfonia da Cristandade?

Deixamos a resposta para artigos posteriores.

Postado em 22 de novembro de 2021

Tradition in Action

 Dr. Plinio Correa de Oliveira
Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às ideias e palavras originais é mantida o máximo possível.


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