Nossa Senhora correspondeu a todas as graças extraordinárias que recebeu, o que a torna uma criatura única no universo e na economia da salvação. O ponto de partida de todas essas graças, porém, reside no fato de ela ser a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que significa, segundo a doutrina católica, que ela é a Mãe de Deus.
Nossa Senhora e o Menino Jesus, Catedral de Milão |
Na obra de Deus, tudo é matizado e hierárquico. O espírito revolucionário gosta de simplificar tudo. O espírito contrarrevolucionário, ao contrário, ama os matizes da criação e da Igreja Católica. Quando um contra-revolucionário vê algo difícil de entender, algo que aparentemente contradiz a regra que conhece, ele adora esse ponto, porque sabe que na obra de Deus e na Igreja Católica nada é contraditório. Quando algo parece contradizer a ordem que conhecemos, é porque muitas vezes esconde algo mais belo que a regra, que Deus permite para nos revelar outra ordem de realidade.
As ondas que batem nas areias de uma praia deixam um espelho liso e brilhante de areia molhada entre uma onda e outra. Uma criança que admira a beleza e uniformidade daquele espelho pode se surpreender ao encontrar uma bolha de ar aqui e ali que aparece em sua superfície vítrea. Ele pode achar estranho e certamente não sabe por que está ali. Mas quando a onda recua, se ele vai até o local e rapidamente cava um pouco, ele percebe que a bolha marca o local onde vive um marisco. Algo estranho na aparência é explicado após uma investigação adequada e abre a mente para outra ordem de realidade que não é visível à primeira vista.
Que afirmação pode parecer mais absurda a um espírito cartesiano e revolucionário do que a da Mãe de Deus? Para uma pessoa não familiarizada com a doutrina católica, pareceria absurdo que Deus, um espírito puro e eterno, tenha uma Mãe. A complicação se intensifica quando ele percebe que esta Mãe é um ser humano. Como uma criatura finita pode gerar o infinito? Como pode alguém situado em um tempo mutável engendrar o eterno? Na afirmação de que Nossa Senhora é Mãe de Deus, existem muitas contradições aparentes. Existe, no entanto, uma harmonia profunda e superior sob a superfície para quem busca compreender.
Por que Deus fez a união hipostática com a natureza humana em vez da natureza angelical? Não teria sido mais perfeito fazer o último? Não, ao estabelecer sua união hipostática com um grau menos elevado na hierarquia da criação, Deus fez algo mais maravilhoso do que se Ele a tivesse estabelecido com os anjos.
Na verdade, se Ele tivesse escolhido se unir aos anjos, Ele teria dignificado apenas a natureza angelical. Em vez disso, ao se unir à natureza humana, Ele dignificou toda a criação. Pois como o homem tem alma, ele participa da dignidade espiritual dos anjos e, como tem corpo, também participa dos reinos materiais - animal, vegetal e mineral. Assim, ao fazer a união hipostática com a natureza humana em vez da angelical, Deus dignificou todo o universo criado. A aparente incongruência revela uma decisão mais bela e sábia de Deus.
A Segunda Pessoa da Divina Trindade decidiu se encarnar assumindo a natureza humana. Mas Ele desejava depender do consentimento daquele que Lhe daria essa natureza. Fazendo isso, Ele colocou Nossa Senhora no lugar mais privilegiado da hierarquia criada, porque com sua aceitação, todo o universo seria glorificado. Ela aceitou e, por isso, tornou-se a mediadora universal entre Deus e o resto da Criação. Ela se tornou o elo necessário de aliança entre criaturas racionais - anjos e homens - e Deus. É por esta razão que ela é apropriadamente chamada de Rainha dos Anjos, Rainha de todos os Homens, Rainha do Universo e Rainha do Céu e da Terra.
Madonna della Stella, de Fra Angelico |
Certa vez, um católico com tendências progressistas me disse que a única coisa que importava para ele sobre Nossa Senhora era que ela é Mãe de Deus, nada mais. Eu pensei: “Algo está errado aqui.”
Foi sua simplificação progressista e revolucionária. Sem dúvida, Mãe de Deus é o título mais importante de Nossa Senhora. Mas, uma vez que desde toda a eternidade Deus teve a intenção de fazer dela Mãe de Deus, Ela foi preparada como sua obra-prima da criação. Ela foi, portanto, a criatura mais perfeita que já existiu, nobre o suficiente para dar a Ele a natureza humana que Ele recebeu d’Ela. Desconsiderar todas as outras qualidades, virtudes e títulos de Nossa Senhora é simplificar as coisas de uma forma errada.
Uma árvore não é apenas seu tronco ou suas raízes. É um conjunto composto por raízes, tronco, ramos, folhas, flores e frutos. Em Nossa Senhora devemos considerar cada um dos diferentes aspectos que constituem a sua inestimável personalidade. O espírito católico venera Nossa Senhora principalmente sob o título de Mãe de Deus, mas também venera as raízes, ramos, folhas, flores e frutos que brotam deste tronco tão essencial. Ou seja, devemos venerá-la sob as inúmeras invocações diferentes que ela tem com razão, cada uma delas refletindo um aspecto diferente de sua missão, ainda que todas elas fluam de sua Maternidade Divina.
Um ponto importante que se aplica especialmente a nós é que, sendo ela a Mãe de Deus, também é a Mãe de todos os homens e, portanto, é nossa Mãe. Uma das graças mais preciosas que podemos receber em relação à devoção a Nossa Senhora é quando ela se condescende em estabelecer conosco uma relação verdadeiramente maternal. Isso pode acontecer de mil maneiras diferentes.
Às vezes ela se revela como Nossa Mãe quando nos salva de um perigo de uma forma que se torna inesquecível. Outras vezes, Ela perdoa alguma falta particularmente imperdoável, exercendo uma bondade que só uma mãe possui. Nada merecia o perdão, nada deveria ter atenuado seu castigo, merecíamos a ira de Deus. No entanto, por ser mãe, Ela entrou com seu poder soberano e nos deu indulgências como só uma mãe pode fazer. Com um sorriso terno, ela limpou o passado ruim e o fez esquecido.
Nossa Senhora concede tais graças de uma maneira que, muitas vezes, elas permanecem manifestas na alma como uma labareda, um fogo que vem do Céu e do Espírito Santo, não um fogo terrestre, e muito menos o fogo infernal. Nasce em nossas almas a convicção de que podemos recorrer a Ela em qualquer circunstância, mesmo nas mais indefensáveis, e que Ela nos perdoará novamente, porque nos abre uma porta de misericórdia que ninguém pode fechar.
Nós que lutamos pela defesa da Santa Igreja na crise dos dias atuais e pelo Reino de Maria como uma nova Cristandade por vir, recebemos um crédito ilimitado de misericórdia de Nossa Senhora. Parece que a passagem do Apocalipse poderia ser aplicada à misericórdia de Nossa Senhora por nós:
“Eis que pus diante de ti uma porta aberta, que ninguém pode fechar, porque, tendo pouca força, mesmo assim guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (Apoc 3,8).
Penso que é mais do que legítimo aplicar essas palavras à nossa relação com o Coração Imaculado de Maria.
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Prof. Plinio Corrêa de Oliveira | | A seção Santo do Dia apresenta trechos escolhidos das vidas dos santos baseada em comentários feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Seguindo o exemplo de São João Bosco que costumava fazer comentários semelhantes para os meninos de seu Oratório, cada noite Prof. Plinio costumava fazer um breve comentário sobre a vida dos santos em uma reunião para os jovens para encorajá-los na prática da virtude e amor à Igreja Católica. TIA do Brasil pensa que seus leitores poderiam se beneficiar desses valiosos comentários.
Os textos das fichas bibliográficas e dos comentários vêm de notas pessoais tomadas por Atila S. Guimarães de 1964 até 1995. Uma vez que a fonte é um caderno de notas, é possível que por vezes os dados bibliográficos transcritos aqui não sigam rigorosamente o texto original lido pelo Prof. Plinio. Os comentários foram também resumidos e adaptados aos leitores do website de TIA do Brasil.
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