O MELHOR DE ... Pe. Henri Ramière
do Reino Social do Cristo
Pe. Henri Ramière
O jesuíta francês Henri Ramière (1821-1884) foi um renomado teólogo, filósofo, historiador, escritor e grande apóstolo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus; ele fundou uma revista mensal Mensageiro do Coração de Jesus e editou-a até o final de sua vida.
No Concílio Vaticano I, ele era um forte opositor do Liberalismo que ele presenciou entrando na Igreja e na sociedade temporal. O Papa Pio IX elogiou-o por seu trabalho intitulado Doutrinas Romanas sobre o Liberalismo (Doctrines Romaines sur le Libéralisme). Em 1871, o mesmo Papa pediu-lhe que escrevesse a todos os Bispos Católicos, ordenando-lhes promoverem a consagração do mundo cristão ao Sagrado Coração de Jesus.
Para demonstrar como os princípios do Liberalismo contra os quais o Pe. Ramière alertou os católicos, continuam vivos hoje sob o título de Progressismo, TIA do Brasil transcreve aqui um capítulo muito oportuno de seu notável trabalho, O Reinado Social do Coração de Jesus (Le Régie Social du Coeur de Jesus), publicado em Toulouse, França.
Este capítulo também foi publicado duas vezes como artigo em seu mensário Mensageiro em setembro de 1868 e em 1871, sob o título "Perigos do Liberalismo Católico."
No mundo havia um exército cuja história, ao longo de 18 séculos, foi uma série ininterrupta de aparentes reveses e triunfos reais. Sempre lutando contra inimigos cem vezes mais numerosos, este exército venceu a todos eles, e seus aduladores o asseguraram que ele os havia aniquilado. Ele era o guarda de uma cidadela da qual Deus era o protetor, ele riu-se dos assaltos dos poderosos da terra; e a inutilidade dos esforços dos maiores conquistadores para o enfraquecer deu-lhe o direito de desprezar os futuros ataques que enfrentaria.
Mas eis que o inimigo, incapaz de vencer esse exército pela força, recorreu a um estratagema infernal: dirigiu-se aos defensores da cidadela e confiou-lhes a tarefa de demolir as fortificações e abrir os portões. No entanto, a fim de obter seu consentimento, o inimigo não lhes propôs tolamente tal traição, que os espíritos leais dos guerreiros desse exército teriam rejeitado.
O talento do inimigo tinha mais recursos: ele apelou para a generosidade dos guerreiros; ele os persuadiu de que, se tinham o direito de defender a cidadela, seus adversários tinham um direito igual de a de atacar. Portanto, a justiça pedia que, em vez de gastar todas as suas forças para rebelir esses ataques, eles deveriam defender os direitos dos assaltantes.
A manobra, infelizmente, surtiu efeito: dentro daquele poderoso exército, cuja união tornara invencível, formou-se um numeroso partido que tomou como grito de guerra "liberdade para atacar!" Aqueles que não queriam se alistar nesse grupo viram-se, por parte de seus irmãos de armas, alvo de uma hostilidade mais acirrada do que a dos inimigos. Essa hostilidade se estendeu até o Chefe escolhido por Deus para comandar esse exército. Seus próprios soldados – independentemente da firmeza que mantivera uma rígida disciplina no exército, que até então fora sua força – não temiam contestar a prerrogativa de sua autoridade suprema.
Não há um de nossos leitores que não tenha visto através do véu transparente desta alegoria e aplicado aos perigos aos quais o Liberalismo expõe o exército de Jesus Cristo. Isto é, na verdade, o joio semeado pelo inimigo no campo do pai de família. É a armadilha pela qual tantos corações nobres foram enganados. É a estratégia que deu ao imortal Adversário da Verdade vantagens que a estratégia da violência não deu.
*
O que, então, é o Liberalismo Católico? É uma forma mitigada do Liberalismo absoluto ou, em outras palavras, do livre-pensamento. Sempre foi a tática do Pai das Mentiras mesclar erros mais moderados com erros extremos, para assim seduzir mais prontamente aqueles que seriam repelidos pelas negações absolutas da Fé.
Isto foi como nos séculos 17 e 18 o Jansenismo, um Luteranismo mitigado, arrastou com ele muitas almas que teriam repelido blasfêmia de Lutero. Os livres-pensadores são os protestantes do século 19 e os descendentes diretos de Lutero.
Lutero protestou contra a supremacia do papa e contra a autoridade da Igreja; os livres-pensadores protestam contra a autoridade de Jesus Cristo e a supremacia da verdade. Lutero reivindicou para todo "cristão" o direito de acreditar e ensinar o que ele imaginava ter encontrado na Bíblia; os livre-pensadores reivindicam para todo homem o direito de pensar e manter tudo o que sua razão inventa.
Os protestantes não queriam nenhum dogma fixo na ordem sobrenatural; os livre-pensadores não querem nenhum princípio fixo na ordem racional. Na opinião destes últimos, existem apenas opiniões e o poder público não deve ter voz sobre essas opiniões; em vez disso, as pessoas devem ter liberdade cada vez maior para apresentar e divulgar suas opiniões pessoais.
Se alguém quiser atacar a existência de Deus, a alma, a vida futura e as leis mais essenciais da moral, o direito civil não deve ter voz no assunto. Não há crime para qualquer opinião e, como o pensamento é livre, a palavra falada e escrita devem ser igualmente assim. Tal é o absoluto Liberalismo, que também é chamado Racionalismo, a grande heresia dogmática do século 19.
O Liberalismo Católico está muito longe de chegar a esse ponto. Não faz as concessões monstruosas ao erro que destruiriam a integridade da fé. Não nega que existe uma verdade absoluta à qual o homem deve dar o assentimento de sua razão. Não disputa a divindade de Jesus Cristo e a autoridade da Igreja. Entretanto, ele concorda com o livre-pensamento ao incluir a fé nas verdades que se encontram na esfera da consciência individual.
De acordo com o Liberalismo Católico em relação à sociedade e ao poder que a governa, a verdade tem os mesmos direitos que o êrro. O poder público deve considerar aqueles que defendem ambos os lados como tendo apenas opiniões cuja liberdade ele é obrigado a proteger – desde que não recorram à violência para obstruir a liberdade das opiniões opostas.
Assim, aos olhos dos liberais, sejam eles católicos ou anticatólicos, a lei deve ser ateísta, isto é, não deve se preocupar com Deus, como se Ele não existisse. Para eles, Seus preceitos são inexistentes, Sua autoridade é nula e vazia, Sua revelação sem valor. Em seus círculos íntimos, seja como católico, seja como homem, o magistrado pode acreditar em tudo isso, mas como magistrado, no exercício de sua autoridade, deve comportar-se como se não acreditasse em nada.
A teoria liberal requer, portanto, que todos os católicos engajados em cargos públicos tenham duas consciências: uma consciência pessoal, segundo a qual todas as suas ações pessoais conformam-se à lei de Deus e uma consciência pública que lhe permite ignorar qualquer dessas leis. no desempenho de suas funções. Como católico, ele assiste a missa e, como magistrado, ajuda na colocação da pedra fundamental de uma mesquita. Se ainda estivéssemos vivendo no tempo do Paganismo, ele acompanharia César ao templo dos ídolos.
Não afirmamos que todos os liberais católicos admitam essa teoria em toda sua extensão. Pelo contrário, sabemos que muitos se recusam a tirar as últimas conseqüências de tais princípios; no entanto, a consequência decorre logicamente dos princípios.
De fato, não há meio termo: ou a sociedade está sujeita a Deus e então é obrigada a defender Seus direitos e a se conformar com Seus preceitos, como prescreve a doutrina católica; ou a sociedade é independente de Deus e então tem o direito absoluto de não se preocupar com Ele, o que é o Ateísmo legal.
A aplicação das duas teorias pode sofrer várias modificações, mas uma teoria exclui absolutamente a outra, e nós temos de escolher entre elas. Se defendemos, pelo menos em teoria, a supremacia da verdade, somos católicos; se admitimos ao erro os mesmos direitos da verdade, somos liberais.
Para o Liberalismo anticatólico, essa igualdade entre verdade e erro é absoluta; para o Liberalismo Católico, está relacionado apenas com a sociedade e com o poder que a governa. São dois erros diferentes, mas concordam em negar os direitos da verdade. De fato, embora esta segunda forma de Liberalismo seja muito menos repugnante do que a primeira, ela não é menos oposta à doutrina católica e nós não exageramos em qualificá-la como heresia. Pois é evidente que nega ao mesmo tempo os direitos de Deus, de Jesus Cristo e da Igreja.
Ou Deus não é nada ou Ele é o Soberano Senhor de todas as sociedades, e dos indivíduos. Querer colocá-lo fora da lei, negar-Lhe a autoridade essencial, é negar-Lhe a existência. O Ateísmo legislativo leva necessariamente ao Ateísmo doutrinário.
Jesus Cristo, não menos que Deus, seu Pai, tem direito à homenagem e à obediência das sociedades. Quando Cristo veio à Terra, o Pai Eterno deu a Ele não apenas almas, mas também as nações. Ele O tornou soberano rei e o único Salvador de ambos os povos e indivíduos, aplicando a palavra do Apóstolo: "Não há salvação em nenhum outro, porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos". (Atos 4:12)
Ao autorizar os povos em sua existência coletiva a desconsiderar os ensinamentos e preceitos de Jesus Cristo, o Liberalismo viola os direitos do Pai Celestial, bem como os de Seu Filho Unigênito.
Da mesma forma, o Liberalismo ataca a autoridade da Igreja. De fato, ela foi feita a depositária soberano do Verbo Encarnado e a intérprete suprema de Sua Lei. Nosso Senhor disse aos Apóstolos: " Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo". (Mt 28: 19-20)
Aqui Ele não faz distinção entre deveres sociais e individuais. Ele não disse aos Apóstolos: "Vá e ensine a cada homem o que ele pessoalmente deve a Deus, mas não se preocupe com o que os homens reunidos em uma sociedade devem uns aos outros". Ele fala não apenas aos indivíduos, mas também às nações. Quando, portanto, o Liberalismo afasta as sociedades da autoridade da Igreja, deixando-as responder apenas às suas consciências individuais, com um só golpe reduz a nada a instituição de Nosso Senhor Jesus Cristo e a missão da Igreja.
Sim, reduz ambos a nada, porque a verdade é una e indivisível. Querer dividir a verdade em duas partes e depois sacrificar uma para as exigências do mundo, a fim de melhor manter a outra, é destruí-la completamente. Podemos ser inclinados a dar desculpas para as intenções dos católicos que fazem este cálculo, imaginando que estamos prestando um grande serviço à verdade, mas somos obrigados a dizer-lhes claramente, com o Papa, que tal serviço prestado à verdade por seus defensores é mais prejudicial do que os ataques violentos de seus inimigos.
É o reverso do julgamento de Salomão – que ordenou que a criança que duas mulheres reivindicaram, fosse cortado ao meio – não em uma criança mortal, mas na verdade imortal. A divisão, que para Salomão era apenas uma farsa, pediria aos católicos liberais que fizessem o que é manifestamente impossível. Um homem colocado entre sua consciência, que é católica, e a opinião pública, que não é mais, e tenta salvar ambos, não o pode fazer. Pegar a espada e cortar é tentar dividir a verdade em dois pedaços.
Para a opinião pública, ele renuncia aos direitos sociais dessa verdade divina, mesmo que guarde valiosamente seus direitos individuais para si mesmo. Não pode ele ver que a verdade divina assim mutilada não é mais a verdade e não tem mais nada de divino? Se Deus não mais governa as relações sociais, então Ele obviamente não merece a homenagem dos indivíduos. Cedendo este ponto para o livre-pensamento, ele assim entrega tudo; Ele entrega a cidadela e sacrifica a coroa do Rei Divino, que ele se gaba de defender.
"Mas", como dizem os católicos liberais, "se recusarmos essa satisfação à opinião pública, ela ficará irritada conosco e não conseguiremos exercer nenhuma influência sobre ela."
Sim, isto é verdade. Assim como os cristãos dos primeiros séculos não podiam confessar a unidade de Deus e a divindade de Jesus Cristo sem levantar a opinião pública de seu tempo contra eles, também nós não podemos. É sempre a mesma luta, embora o terreno seja diferente. É a batalha secular contra Jesus Cristo.
Ao pretender facilitar a salvação do mundo sacrificando os direitos do Salvador estaríamos nos enganando com uma esperança tola. Fazendo isso, nós apenas tornaríamos a salvação impossível: primeiro, porque Jesus Cristo não seria mais o verdadeiro Salvador se Ele não fosse o Salvador necessário; segundo, porque em vez de conquistar o afeto do mundo, apenas obteríamos seu desprezo; terceiro, porque a verdade deixaria de ter o poder de salvar os homens se seus defensores deixassem de afirmá-la em toda a sua integridade.
De fato, não são os ataques dos inimigos que enfraquecem a verdade; esses ataques, pelo contrário, a fazem brilhar ainda mais. Sua própria natureza é de ser combatida pelo erro, assim como é a natureza da luz é de se opor à escuridão. Na medida em que a verdade é enfaticamente, corajosamente e totalmente afirmada por aqueles a quem ela escolheu para serem seus órgãos na terra, ela retém todo o seu poder para esclarecer as mentes da boa fé.
Mas, se os órgãos encarregados de manifestá-la ao mundo a afirmam apenas a meias, como a podem conhecer as mentes confusasr? Qual não será o lucro que o erro auferirá nessa luta, por causa das concessões imprudentes de seus defensores?
Sem dúvida, esses erros mitigados, que seduzem os católicos e mesmo os padres, são incomparavelmente mais desastrosos para a verdade do que os erros extremos professados só pelos que são abertamente ímpios. Se a lâmpada que ilumina a casa está escondida debaixo do alqueire, como podem os seus habitantes não tropeçar na escuridão? Se o sal ficar insípido, o que preservará o mundo da corrupção?
Portanto, Pio IX não exagerou quando denunciou o Liberalismo como um flagelo mais assustador para a França católica do que a violência dos tiranos da Comuna [o governo radicalmente comunista que governou Paris de 19 de março a 28 de maio de 1871). Ao fazê-lo, ele não estava comparando os católicos liberais aos líderes da Comuna. Antes, ele comparou os resultados da ilusão do primeiro às conseqüências da tirania do último.
Pe. Henri Ramière (1821-1884) |
Para demonstrar como os princípios do Liberalismo contra os quais o Pe. Ramière alertou os católicos, continuam vivos hoje sob o título de Progressismo, TIA do Brasil transcreve aqui um capítulo muito oportuno de seu notável trabalho, O Reinado Social do Coração de Jesus (Le Régie Social du Coeur de Jesus), publicado em Toulouse, França.
Este capítulo também foi publicado duas vezes como artigo em seu mensário Mensageiro em setembro de 1868 e em 1871, sob o título "Perigos do Liberalismo Católico."
No mundo havia um exército cuja história, ao longo de 18 séculos, foi uma série ininterrupta de aparentes reveses e triunfos reais. Sempre lutando contra inimigos cem vezes mais numerosos, este exército venceu a todos eles, e seus aduladores o asseguraram que ele os havia aniquilado. Ele era o guarda de uma cidadela da qual Deus era o protetor, ele riu-se dos assaltos dos poderosos da terra; e a inutilidade dos esforços dos maiores conquistadores para o enfraquecer deu-lhe o direito de desprezar os futuros ataques que enfrentaria.
Mas eis que o inimigo, incapaz de vencer esse exército pela força, recorreu a um estratagema infernal: dirigiu-se aos defensores da cidadela e confiou-lhes a tarefa de demolir as fortificações e abrir os portões. No entanto, a fim de obter seu consentimento, o inimigo não lhes propôs tolamente tal traição, que os espíritos leais dos guerreiros desse exército teriam rejeitado.
Uma cidadela que durante séculos triunfou sobre todos os assaltos do inimigo |
A manobra, infelizmente, surtiu efeito: dentro daquele poderoso exército, cuja união tornara invencível, formou-se um numeroso partido que tomou como grito de guerra "liberdade para atacar!" Aqueles que não queriam se alistar nesse grupo viram-se, por parte de seus irmãos de armas, alvo de uma hostilidade mais acirrada do que a dos inimigos. Essa hostilidade se estendeu até o Chefe escolhido por Deus para comandar esse exército. Seus próprios soldados – independentemente da firmeza que mantivera uma rígida disciplina no exército, que até então fora sua força – não temiam contestar a prerrogativa de sua autoridade suprema.
Não há um de nossos leitores que não tenha visto através do véu transparente desta alegoria e aplicado aos perigos aos quais o Liberalismo expõe o exército de Jesus Cristo. Isto é, na verdade, o joio semeado pelo inimigo no campo do pai de família. É a armadilha pela qual tantos corações nobres foram enganados. É a estratégia que deu ao imortal Adversário da Verdade vantagens que a estratégia da violência não deu.
O que, então, é o Liberalismo Católico? É uma forma mitigada do Liberalismo absoluto ou, em outras palavras, do livre-pensamento. Sempre foi a tática do Pai das Mentiras mesclar erros mais moderados com erros extremos, para assim seduzir mais prontamente aqueles que seriam repelidos pelas negações absolutas da Fé.
Isto foi como nos séculos 17 e 18 o Jansenismo, um Luteranismo mitigado, arrastou com ele muitas almas que teriam repelido blasfêmia de Lutero. Os livres-pensadores são os protestantes do século 19 e os descendentes diretos de Lutero.
O círculo dos chamados "reformadores" com Lutero no centro que desafiou a supremacia da verdade |
Os protestantes não queriam nenhum dogma fixo na ordem sobrenatural; os livre-pensadores não querem nenhum princípio fixo na ordem racional. Na opinião destes últimos, existem apenas opiniões e o poder público não deve ter voz sobre essas opiniões; em vez disso, as pessoas devem ter liberdade cada vez maior para apresentar e divulgar suas opiniões pessoais.
Se alguém quiser atacar a existência de Deus, a alma, a vida futura e as leis mais essenciais da moral, o direito civil não deve ter voz no assunto. Não há crime para qualquer opinião e, como o pensamento é livre, a palavra falada e escrita devem ser igualmente assim. Tal é o absoluto Liberalismo, que também é chamado Racionalismo, a grande heresia dogmática do século 19.
O Liberalismo Católico está muito longe de chegar a esse ponto. Não faz as concessões monstruosas ao erro que destruiriam a integridade da fé. Não nega que existe uma verdade absoluta à qual o homem deve dar o assentimento de sua razão. Não disputa a divindade de Jesus Cristo e a autoridade da Igreja. Entretanto, ele concorda com o livre-pensamento ao incluir a fé nas verdades que se encontram na esfera da consciência individual.
De acordo com o Liberalismo Católico em relação à sociedade e ao poder que a governa, a verdade tem os mesmos direitos que o êrro. O poder público deve considerar aqueles que defendem ambos os lados como tendo apenas opiniões cuja liberdade ele é obrigado a proteger – desde que não recorram à violência para obstruir a liberdade das opiniões opostas.
Assim, aos olhos dos liberais, sejam eles católicos ou anticatólicos, a lei deve ser ateísta, isto é, não deve se preocupar com Deus, como se Ele não existisse. Para eles, Seus preceitos são inexistentes, Sua autoridade é nula e vazia, Sua revelação sem valor. Em seus círculos íntimos, seja como católico, seja como homem, o magistrado pode acreditar em tudo isso, mas como magistrado, no exercício de sua autoridade, deve comportar-se como se não acreditasse em nada.
John Kennedy ganhou somente depois que ele garantiu ao povo que ele apoiava a absoluta separação entre Igreja e Estado |
Não afirmamos que todos os liberais católicos admitam essa teoria em toda sua extensão. Pelo contrário, sabemos que muitos se recusam a tirar as últimas conseqüências de tais princípios; no entanto, a consequência decorre logicamente dos princípios.
De fato, não há meio termo: ou a sociedade está sujeita a Deus e então é obrigada a defender Seus direitos e a se conformar com Seus preceitos, como prescreve a doutrina católica; ou a sociedade é independente de Deus e então tem o direito absoluto de não se preocupar com Ele, o que é o Ateísmo legal.
A aplicação das duas teorias pode sofrer várias modificações, mas uma teoria exclui absolutamente a outra, e nós temos de escolher entre elas. Se defendemos, pelo menos em teoria, a supremacia da verdade, somos católicos; se admitimos ao erro os mesmos direitos da verdade, somos liberais.
Para o Liberalismo anticatólico, essa igualdade entre verdade e erro é absoluta; para o Liberalismo Católico, está relacionado apenas com a sociedade e com o poder que a governa. São dois erros diferentes, mas concordam em negar os direitos da verdade. De fato, embora esta segunda forma de Liberalismo seja muito menos repugnante do que a primeira, ela não é menos oposta à doutrina católica e nós não exageramos em qualificá-la como heresia. Pois é evidente que nega ao mesmo tempo os direitos de Deus, de Jesus Cristo e da Igreja.
Ou Deus não é nada ou Ele é o Soberano Senhor de todas as sociedades, e dos indivíduos. Querer colocá-lo fora da lei, negar-Lhe a autoridade essencial, é negar-Lhe a existência. O Ateísmo legislativo leva necessariamente ao Ateísmo doutrinário.
Jesus Cristo, não menos que Deus, seu Pai, tem direito à homenagem e à obediência das sociedades. Quando Cristo veio à Terra, o Pai Eterno deu a Ele não apenas almas, mas também as nações. Ele O tornou soberano rei e o único Salvador de ambos os povos e indivíduos, aplicando a palavra do Apóstolo: "Não há salvação em nenhum outro, porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos". (Atos 4:12)
A verdade de Cristo deve reinar tanto nas esferas temporais e religiosas |
Da mesma forma, o Liberalismo ataca a autoridade da Igreja. De fato, ela foi feita a depositária soberano do Verbo Encarnado e a intérprete suprema de Sua Lei. Nosso Senhor disse aos Apóstolos: " Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo". (Mt 28: 19-20)
Aqui Ele não faz distinção entre deveres sociais e individuais. Ele não disse aos Apóstolos: "Vá e ensine a cada homem o que ele pessoalmente deve a Deus, mas não se preocupe com o que os homens reunidos em uma sociedade devem uns aos outros". Ele fala não apenas aos indivíduos, mas também às nações. Quando, portanto, o Liberalismo afasta as sociedades da autoridade da Igreja, deixando-as responder apenas às suas consciências individuais, com um só golpe reduz a nada a instituição de Nosso Senhor Jesus Cristo e a missão da Igreja.
Sim, reduz ambos a nada, porque a verdade é una e indivisível. Querer dividir a verdade em duas partes e depois sacrificar uma para as exigências do mundo, a fim de melhor manter a outra, é destruí-la completamente. Podemos ser inclinados a dar desculpas para as intenções dos católicos que fazem este cálculo, imaginando que estamos prestando um grande serviço à verdade, mas somos obrigados a dizer-lhes claramente, com o Papa, que tal serviço prestado à verdade por seus defensores é mais prejudicial do que os ataques violentos de seus inimigos.
É o reverso do julgamento de Salomão – que ordenou que a criança que duas mulheres reivindicaram, fosse cortado ao meio – não em uma criança mortal, mas na verdade imortal. A divisão, que para Salomão era apenas uma farsa, pediria aos católicos liberais que fizessem o que é manifestamente impossível. Um homem colocado entre sua consciência, que é católica, e a opinião pública, que não é mais, e tenta salvar ambos, não o pode fazer. Pegar a espada e cortar é tentar dividir a verdade em dois pedaços.
Para a opinião pública, ele renuncia aos direitos sociais dessa verdade divina, mesmo que guarde valiosamente seus direitos individuais para si mesmo. Não pode ele ver que a verdade divina assim mutilada não é mais a verdade e não tem mais nada de divino? Se Deus não mais governa as relações sociais, então Ele obviamente não merece a homenagem dos indivíduos. Cedendo este ponto para o livre-pensamento, ele assim entrega tudo; Ele entrega a cidadela e sacrifica a coroa do Rei Divino, que ele se gaba de defender.
"Mas", como dizem os católicos liberais, "se recusarmos essa satisfação à opinião pública, ela ficará irritada conosco e não conseguiremos exercer nenhuma influência sobre ela."
Sim, isto é verdade. Assim como os cristãos dos primeiros séculos não podiam confessar a unidade de Deus e a divindade de Jesus Cristo sem levantar a opinião pública de seu tempo contra eles, também nós não podemos. É sempre a mesma luta, embora o terreno seja diferente. É a batalha secular contra Jesus Cristo.
A execução dos sacerdotes pelos liberais na Comuna de Paris foi menos eficaz do que a infiltração do Progressismo na Igreja, abaixo, Pe. Boff líder da Teologia da Libertação |
De fato, não são os ataques dos inimigos que enfraquecem a verdade; esses ataques, pelo contrário, a fazem brilhar ainda mais. Sua própria natureza é de ser combatida pelo erro, assim como é a natureza da luz é de se opor à escuridão. Na medida em que a verdade é enfaticamente, corajosamente e totalmente afirmada por aqueles a quem ela escolheu para serem seus órgãos na terra, ela retém todo o seu poder para esclarecer as mentes da boa fé.
Mas, se os órgãos encarregados de manifestá-la ao mundo a afirmam apenas a meias, como a podem conhecer as mentes confusasr? Qual não será o lucro que o erro auferirá nessa luta, por causa das concessões imprudentes de seus defensores?
Sem dúvida, esses erros mitigados, que seduzem os católicos e mesmo os padres, são incomparavelmente mais desastrosos para a verdade do que os erros extremos professados só pelos que são abertamente ímpios. Se a lâmpada que ilumina a casa está escondida debaixo do alqueire, como podem os seus habitantes não tropeçar na escuridão? Se o sal ficar insípido, o que preservará o mundo da corrupção?
Portanto, Pio IX não exagerou quando denunciou o Liberalismo como um flagelo mais assustador para a França católica do que a violência dos tiranos da Comuna [o governo radicalmente comunista que governou Paris de 19 de março a 28 de maio de 1871). Ao fazê-lo, ele não estava comparando os católicos liberais aos líderes da Comuna. Antes, ele comparou os resultados da ilusão do primeiro às conseqüências da tirania do último.
Pe. Henri Ramière, O Reinado Social do Coração de Jesus,
Toulouse, França, 1832, capítulo "Perigos do Liberalismo Católico"
Postado em 7 de junho de 2019
Toulouse, França, 1832, capítulo "Perigos do Liberalismo Católico"
Postado em 7 de junho de 2019
Piedade sentimental é auto-idolatria
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O "bom coração", uma deformação romântica da caridade
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