“O que há de errado em pedir desculpas pela Inquisição?", perguntou minha amiga Janete, quando viu minha consternação com o pedido de desculpas mais recente de João Paulo II pelas supostas irregularidades da Santa Inquisição. “Não é correto a Igreja pedir desculpas por algo tão injusto e extremo?”
Refiro-me à carta de João Paulo II de 15 de junho de 2004, dirigida ao Cardeal Roger Etchegaray por ocasião da publicação do “Relatório do Simpósio Internacional sobre a Inquisição.” Nele, ele reiterou as desculpas que fez em sua Carta Apostólica Tertio millennio adveniente. Ele também repetiu o pedido de perdão que fez no Dia do Perdão de 2000 (12 de março). Esse pedido de desculpas, afirmou, seria "válido" para os "dramas ligados à Inquisição, bem como para as memoráveis feridas.”
O simpósio divulgou descobertas que desmentem a legenda negra sobre a Inquisição, como a de que os Católicos queimavam os hereges às centenas indiscriminadamente. |
Permita-me observar que esse pedido de desculpas específico de João Paulo II coincidiu com o lançamento do Relatório do Simpósio, um grande volume de 783 páginas que avaliou a Inquisição com base em documentos até agora inacessíveis dos arquivos do Vaticano. As descobertas da equipe de pesquisadores estão longe de justificar um pedido de desculpas papal. O oposto é verdadeiro. Eles afirmam as conclusões de recentes estudos acadêmicos mostram que as câmaras de tortura, queimas de bruxas e vingativos clérigos loucos por poder não existiram, mas fazem parte da “legenda negra” inventada pelos protestantes, enfatizada pelos partidários da Revolução Francesa, e amplamente difundida por toda a Europa e Estados Unidos até os nossos dias [veja minha fita
O Mito da Santa Inquisição].
Não é realmente possível falar ou pedir perdão em geral pela Inquisição, apontou o Cardeal George Cottier, membro do Simpósio. A Inquisição tomada como uma entidade geral não existia, observou ele, então como se pode pedir perdão por uma imagem difundida pela opinião pública, que faz parte de um mito e não corresponde à realidade? (Zenit, 15 de junho de 2004)
São Domingos, acima, mais tarde referido por seus seguidores como o persecutor haereticorum [perseguidor dos hereges] |
O que existiam eram várias Inquisições particulares lançadas pelos Papas para tratar com calma e de maneira justa de problemas específicos em tempos e lugares diferentes. O Papa Gregório IX (1227-1241) estabeleceu a instituição da Inquisição e a ordem de São Domingos, fundada para defender e manter a ortodoxia da Fé, foi solicitada a administrar os tribunais da Inquisição. Os inquisidores, delegados da Sé Apostólica, foram encarregados da tarefa de combater a heresia albigense no sul da França no século XIII.
A muito famosa e difamada Inquisição Espanhola foi estabelecida em 1478 pelo Papa Sisto IV em resposta a inúmeras queixas que Roma recebia do sul da Espanha sobre as muitas heresias e imoralidades introduzidas na doutrina católica por falsos crentes e convertidos. Eu lhe recomendo um livreto escrito por três padres de Miles Iesu [Sociedade Soldado de Cristo], intitulado Por que se desculpar pela Inquisição Espanhola? Os padres apresentam as conclusões de estudiosos modernos sobre o assunto e concluem corretamente que o mundo é devedor à Igreja Católica por estabelecer o tribunal da Inquisição Espanhola, porque “sua legalidade, justiça e clemência devidas ao pensamento Católico baseado no ensinamento moral coerente da Igreja Católica salvaram milhões de almas da confusão, contradição, ódio, pobreza e morte” (Chicago: Miles Iesu, 2000, p. 27).
Na conferência de imprensa de 15 de junho em Roma, Agostino Borromeo, porta-voz do simpósio, salientou como a Inquisição Espanhola realizava muito menos julgamentos do que se supunha e empregava uma política direta e aberta durante todo os processos de julgamento. Os acusados condenados à morte representavam apenas 1,8%, e isto inclui os 1,7% condenados por “contumácia,” isto é, tendo um boneco queimado ou enforcado simbolizando a eles, já que o paradeiro deles era desconhecido. O que significa que apenas 0,1% daqueles que foram julgados pela Inquisição Espanhola foram realmente queimados ou enforcados (Zenit, 5 de junho de 2004).
Sobre as infames "caçadas às bruxas," Borromeo confirmou novamente o que nas últimas duas décadas os estudiosos têm demonstrado. A maioria das queimas de bruxas da Europa moderna (elas quase não haviam no período medieval) ocorreu sob tribunais protestantes, não sob a Inquisição de países Católicos. Muito pelo contrário, era a Inquisição Católica na Espanha que frequentemente intervinha para defender as mulheres acusadas de bruxaria, assim como protegia os judeus do frenesi das multidões que os queria linchar. Aqui estão alguns números do simpósio: bruxas queimadas na Suíça sob tribunais protestantes: 4.000; na Espanha sob a Inquisição Católica durante o mesmo período: 39 (ibid.).
São Pio V, ainda Cardeal, foi nomeado Grande Inquisidor | |
A Inquisição Romana foi iniciada em 1542 com o mesmo objetivo nobre de preservar a Fé e erradicar a heresia. No início de sua nobre e gloriosa história, o futuro Papa Pio V, zeloso na luta contra a heresia, foi escolhido como Inquisidor Geral em Milão e Lombardia, e em 1557 Paulo II o tornou Inquisidor Geral de toda a Cristandade. Um estudioso moderno, John Tedeschi, concluiu que a Inquisição Romana, de fato, distribuia a justiça judicial, e foi até mesmo uma “pioneira na reforma judicial na Europa moderna,” (1) Essa mesma instituição se tornou o Santo Ofício do Vaticano e mais tarde, em 1965, Paulo VI mudou seu nome para A Congregação para a Doutrina da Fé.
Julgamentos imediatos, câmaras de tortura ou calabouços judiciais sem saída simplesmente nunca existiram; não existia uma tal “Inquisição.” Portanto, as condenações gerais e os consequentes pedidos de perdão por uma “Inquisição” abstrata estão errados em princípio, uma vez que não consideram a realidade particular dessas diferentes instituições. Condenar "A Inquisição" seria tão errado quanto condenar "A Universidade" em geral, sem identificar nenhuma delas. Tais condenações a esta esplêndida instituição parecem ser apenas mais gasolina derramada na fogueira revolucionária que está tentando extinguir a militância da Igreja.
Dados recentes mostram que a Inquisição Espanhola foi justa em seus métodos e em seus castigos |
Com a oportuna divulgação destas descobertas positivas sobre o assunto pela comissão de estudiosos do Vaticano, não podemos deixar de perguntar: Não seria esta uma excelente oportunidade para o Papa ajudar a desfazer a “legenda negra” da Santa Inquisição? Ele poderia ter afirmado a santidade e justiça dela na defesa da Fé Católica, em vez de censurar suas supostas irregularidades como uma instituição de "intolerância."
Por que fez ele esse novo pedido de desculpas? No exato momento em que dados significativos são apresentados ao mundo destruindo o mito negro da Inquisição, por que pediu ele perdão por “métodos de intolerância” que “desfiguraram o semblante da Igreja”? (“Carta de João Paulo II sobre Simpósio da Inquisição,” Zenit, 15 de junho de 2004). É para confundir ainda mais um assunto já nebuloso? Certamente sua atitude é altamente desconcertante... Seu pedido de desculpas significa uma divisão no Vaticano, com o Papa tomando o partido dos progressistas contra as descobertas acadêmicas?
De qualquer forma, sua condenação de uma instituição louvável que defendia a Fé posta em risco induz a Igreja a aceitar todas as heresias e erros de seus inimigos. O que, na minha opinião, é equivalente a atacar a militância Católica e promover a destruição da Igreja.
Em vez de pedir desculpas, imagine como seria bom ouvir uma afirmação clara do Sumo Pontífice de que a Inquisição estava correta em seus procedimentos e justa em seus castigos. Em vez de uma posição de auto-culpa por todos os males da História, a Igreja deveria orgulhosamente afirmar seu passado militante e as instituições sólidas que desenvolveu para se manter livre de heresia, erro e injustiça. Uma dessas instituições foi a Inquisição.
O relatório do simpósio ajudou a afirmar isso. Por que o Papa não fez o mesmo?
1. A acusação de heresia: estudos coletados sobre a Inquisição no início da Itália moderna (Binghampton, NY: 1991), 7-9.
“Dada a atualidade do tema deste artigo (23 de Junho de 2004), TIA do Brasil resolveu republicá-lo - mesmo se alguns dados são antigos - para benefício de nossos leitores.”
Postado em 22 de janeiro de 2020
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