Parte I - O Julgamento Final e da Teofania de Cristo Rei
O Juízo Final, que terá lugar no encerramento da História, é normalmente considerado como um julgamento moral. Ou seja, como uma versão mais ampliada do julgamento específico que cada indivíduo tem depois que morre. Certamente esta é uma concepção válida. Aqui, no entanto, eu gostaria de considerar outro aspecto do julgamento final na visão de conjunto do que ele representa.
O fim da História será uma teofania de Cristo como Rei do Universo |
Porque em um único ato será possível saber tudo o que aconteceu na História e entender que o vitorioso - o vencedor da História - será Nosso Senhor Jesus Cristo. O julgamento final será, portanto, um ato de glorificação de Cristo Nosso Senhor. Uma teofania d’Ele. Como é possível que apenas um ato e apenas uma cerimônia contenham a visão de conjunto da História?
Tudo o que existe no universo criado, feito à imagem de Deus, pode ser reduzido a uma única síntese capaz de ser entendida e amada. Assim como isto se dá com o universo criado, o mesmo acontece com a História. Existe um certo plano arquitetônico em todo o universo criado e na História que pode ser expresso por leis e princípios. Deixe-me dar um exemplo.
A arquitetura é considerada a rainha de todas as artes, porque todas as artes estão nela contidas. Se imaginarmos uma catedral gótica, primeiro temos a arquitetura da catedral com suas próprias regras que explicam o edifício.
A arquitetura é considerada a rainha de todas as artes, porque todas elas estão contidas nela Igreja de Santa Maria da Vitória, Mosteiro da Batalha, Portugal |
Depois, encontramos nas paredes os vitrais, uma arte em si mesmos. Temos esculturas de mármore e pedras raras que ornamentam os altares e as pedras menos nobres com as quais foram construídas as colunas, tetos e portais. Há também as estátuas de Nosso Senhor, Nossa Senhora, dos Anjos e Santos que enriquecem altares e capitéis na catedral.
Temos as elaboradas pinturas nas colunas, paredes e tetos, porque as catedrais eram originalmente pintadas. Há também quadros que foram colocados acima das portas ou nos altares. Há a arte dos mosaicos que eram colocados no chão da igreja. Há a madeira magistralmente esculpida dos altares, cadeiras, púlpitos, confessionários, portas e escadas. Há as obras de prata e ouro de cálices, cibórios, patenas, turíbulos, galheteiros e candelabros. Temos o ferro trabalhado das portas e belas grades. Temos os materiais preciosos das vestes solenes do culto divino, as fazenda preciosas que pendem dos balcões intenos nos dias de festa, as cortinas, os finos linhos do altar. Temos os sinos, o órgão e o coro que nos transmitiam os solenes avisos, a bela música e os cânticos.
Além de todos esses objetos materiais na catedral, havia principalmente o bispo e os sacerdotes oferecendo a Deus o sacrifício da Missa, realizando as várias cerimônias de adoração divina e administrando os Sacramentos. Havia também pregadores exercitando sua oratória e magistério, e os fiéis levantando suas orações ao Céu. Vê-se, portanto, que a arquitetura da catedral abrange todas as artes e, em certo sentido, até a Missa, o culto divino, os Sacramentos, o magistério e a piedade dos fiéis. Por esse motivo, a arquitetura é chamada de rainha das artes. É a arte que melhor simboliza o todo.
De maneira semelhante, existe uma certa estrutura arquitetônica em toda a criação material e na História que contém tudo o que existe e tudo o que passou. Assim como dei o exemplo da catedral que abrange todas as artes, seria possível mostrar como toda a Criação material contém a síntese mais completa da verdade, a mais alta expressão de bondade e a forma mais refinada de beleza, características que refletem Deus e O glorificam. No entanto, ainda mais nobre que a consideração do universo material é o universo dos homens e dos anjos, que refletem Deus mais perfeitamente, porque homens e anjos são criaturas dotadas de livre arbítrio e capazes de amar a Deus. O amor voluntário que a criatura dá a Deus é um reflexo da sua similaridade divina e glorifica a Deus mais do que uma simples imagem de Deus refletida na criação material.
Portanto, a coisa mais importante no universo é a história do amor de Deus pelos homens – e a história das respostas que os homens deram a esse amor. O aspecto mais importante na contemplação de Deus é avaliar toda a história de Seu amor e a resposta a Ele. Na minha opinião, a atividade espiritual mais nobre que um homem pode realizar é contemplar toda a ação divina ao longo da História e tentar discernir os elementos de unidade que existem lá.
Se isso é verdade, no Julgamento Final, em apenas uma cerimônia, veremos os planos que Deus estabeleceu para os homens, para os povos e para as eras históricas. Vamos entender como esses planos foram realizados total ou parcialmente devido às respostas dos homens. E veremos a glorificação do Verbo Encarnado, triunfante sobre o Demônio e os homens que se opuseram aos planos de Deus. Assim, o julgamento final terá o caráter de uma teofania universal de natureza militante. Talvez seja por essa razão que São João no Apocalipse retrata Nosso Senhor como Aquele que vem montado em um cavalo, armado com espada, pronto para a batalha final. Nessa batalha decisiva, Ele derrota o Anticristo, Satanás e o falso profeta. Após esta batalha, o Julgamento Final começará.
Apresento esta imagem do Julgamento Final com o objetivo de estimular os tradicionalistas brasileiros a estudar e amar as leis e os princípios que governam a História e explicam os planos de Deus.
Como é impossível apresentar aqui todos esses princípios e leis, eu me restringirei a apontar apenas uma das leis que explicam a ação divina na História. É a lei dos restos.
Parte II - Residuum Revertetur
Entre as famílias religiosas que enriquecem a Santa Igreja com diversas vocações, a Ordem Carmelita tem a missão especial de contemplar o conjunto da História. Certamente o início desta missão está no fato de que seu Fundador, o Profeta Elias, viveu em uma época particularmente difícil no Antigo Testamento. Depois que Elias cumpriu sua primeira missão na Terra, ele foi retirado do mundo para voltar no fim para enfrentar o Anticristo. Ele é, portanto, um homem especial que tinha uma vocação passada e que terá uma vocação futura. Atualmente, de acordo com revelações particulares, ele está no Paraíso, estudando o que está acontecendo na Terra, a fim de se preparar para sua segunda vinda. Por causa dessa missão extraordinária, ele é um homem que de alguma forma se identifica com toda a História. É compreensível, portanto, que os filhos de Elias, os Carmelitas, tenham uma vocação análoga para contemplar a História considerada como um conjunto.
Elias, o Profeta | Alguns comentaristas carmelitas enunciaram uma das leis básicas da ação divina, que chamam de: "O resto voltará,” Residuum revertetur. Eles explicam dizendo que os planos de Deus, aparentemente destruídos pela ação do Demônio e do mal dos homens, continuarão graças à fidelidade de alguns poucos que permanecerão fiéis. De fato, se paramos para considerar certas épocas que foram especialmente infiéis ao plano divino, veremos que a lei se aplica.
Após o Pecado Original e o estabelecimento de Adão fora do Paraíso, o número de homens na Terra cresceu rapidamente. Depois de algum tempo, houve uma época de prosperidade em que uma raça de gigantes, particularmente entregue a Satanás, conseguiu levar todos os povos a rejeitar o plano divino. A religiosa alemã do século XIX, Anna Catarina Emmerick, que teve muitas revelações sobre esses tempos, descreve a conspiração dessa raça de gigantes com detalhes interessantes. Ela diz que o Demônio revelou muitos segredos da natureza para esses gigantes. Então, por meio de instrumentos semelhantes à televisão, eles podiam observar os outros povos distantes, analisar seus costumes e planejar a perda de suas almas. Seja verdade ou não, o fato é que as Escrituras Sagradas nos dizem que Deus estava tão indignado com a situação anterior ao Dilúvio que Ele se arrependeu de ter criado a humanidade. A fidelidade de Noé apaziguou a ira divina e deu continuidade ao plano inicial que havia sido rejeitado.
Os filhos de Noé se espalharam pelo mundo. Os filhos de Sem, os filhos de Japhet e os filhos de Cam. Entre esses, os semitas, filhos de Sem, eram especialmente agradáveis a Deus. No entanto, depois de algum tempo, sob a liderança dos semitas, houve uma nova revolta contra os planos divinos, a construção da Torre de Babel. Como se sabe, esta torre pretendia ser um símbolo da independência do homem em relação a Deus. Era algo como as Nações Unidas atuais. Deus puniu o orgulho daqueles povos e confundiu as línguas, impedindo que o plano mau fosse realizado. Uma boa tradição nos diz que a fidelidade daquela época foi sustentada por Heber. Heber repetiu a fidelidade de Noé. Como recompensa, a promessa do plano divino foi transmitida ao futuro por meio dele. A língua falada antes do dilúvio, de acordo com a mesma tradição, foi mantido inteiramente por Heber, que não sofreu o castigo. Dele veio a língua hebraica.
A mesma lei continua sendo verificada. Os filhos de Heber se espalharam e se tornaram decadentes. Quando tudo parecia perdido, a fidelidade ao plano divino foi mantida por Abraão. Com Abraão, Deus não chamaria mais toda a humanidade, mas escolheria apenas um povo. Abraão deixou a Mesopotâmia e se estabeleceu em Canaã. Seus filhos se perderam, mas a fidelidade foi mantida por José, que foi rejeitado e vendido como escravo por seus irmãos. O castigo por essa rejeição foi o cativeiro do povo escolhido no Egito. Deus libertou o povo eleito por meio de Moisés, que os levou à Terra Prometida. O povo rejeitou a Deus, e somente Josué permaneceu fiel.
As doze tribos de Israel, estabelecidas na Terra Santa, alcançaram o ápice de sua glória com Davi e Salomão. No entanto, na próxima geração, a decadência começou. Essa decadência teve altos e baixos, e terminou na apostasia quase completa do povo e na fidelidade de Matatias e seus filhos – os Macabeus. Com eles era o resto que retornava ao plano divino. Os sucessores dos Macabeus, de certa forma, foram os Essênios. Os Essênios tornaram-se decadentes, e apenas um resto deles manteve a fidelidade ao plano divino: São Joaquim, Santa Ana, Simeão, Zacarias, Santa Isabel, São João Batista e, sobretudo, a Sagrada Família. A plenitude dos tempos chegou com o nascimento de Nosso Senhor. É muito interessante considerar que a plenitude dos tempos, diante de Deus, não ocorreu em uma época de fidelidade geral, mas em meio à fidelidade de apenas um resto. Com a Encarnação do Verbo, por meio da fidelidade de Nossa Senhora, a mesma lei foi escrita com letras de ouro.
O Novo Testamento começou com a infidelidade dos Judeus e com o novo chamado a todos os Gentios. Em resposta ao apelo dos Apóstolos e como fruto do sangue dos Mártires, uma Cristandade Grega nasceu em Bizâncio com Constantino e uma Cristandade Romana em algumas partes da Europa. Ambos foram mantidos pelos Padres da Igreja. Mas sua duração não foi longa. Inúmeros católicos que deixaram as catacumbas logo abraçaram heresias. Após grandes lutas e perseguições, a fugaz Cristandade Romana foi destruída pelos bárbaros no século V. A maior parte da Cristandade Grega foi destruída pelos Árabes Muçulmanos no século VI.
Detalhes da teofania final de Nosso Senhor |
Embora Roma tenha caído sob o castigo de Deus, pela violência das sucessivas invasões bárbaras, um resto permaneceu fiel. A figura relevante desse resto era São Remi. De sua fidelidade veio a conversão de Clovis, os Francos e o começo da Cristandade Medieval. Santo Atanásio, um século antes, fugindo da perseguição semi-ariana, traria a Roma a semente de um novo modelo de vida religiosa, o monasticismo. Aquela semente germinaria em São Bento de Nursia e daria origem à Ordem Beneditina, responsável em grande parte pelas duas reformas religiosas que formaram a Idade Média. Também Santo Agostinho deixou outra semente que germinaria: era sua grande obra A Cidade de Deus. Este livro foi tomado por Carlos Magno como o livro fundamental que o orientou na instituição do novo Império. Assim, temos em São Remi, Santo Atanásio e Santo Agostinho a mesma lei do resto que retorna para cumprir o plano de Deus.
Desde o auge da Idade Média até nossos dias, a Igreja Católica e a Civilização Cristã têm sofrido a ofensiva da conspiração revolucionária. Três grandes revoluções abalaram a estabilidade do Reino de Cristo: a Revolução Protestante, a Revolução Francesa e a Revolução Comunista. Os germes dessas três revoluções penetraram na Santa Igreja e, por um estranho paradoxo, hoje existem eclesiásticos que promovem as mais avançadas idéias da Revolução. A apostasia dos hierarcas, do clero e dos fiéis atingiu proporções inimagináveis. Aqueles que são fiéis são reduzidos a um pequeno resto.
Esse pequeno resto é formado em parte por aqueles que estão aqui presentes. Minha mensagem para os Srs. é esta: Não pensem que estamos isolados, esmagados, sem a possibilidade de fazer qualquer coisa. Temos atrás de nós milhares de anos de História do Antigo e Novo Testamento, na qual a mesma lei do resto se verifica. Nós somos o resto da Civilização Medieval. E nós somos a semente de uma nova era. Temos diante de nós um futuro glorioso que será o Reino de Maria.
Depois, haverá uma decadência e o fim do mundo chegará. Na Idade Média, quem se encontrava em uma posição semelhante à de nossos tempos era São Remi, que viu o fim do Império Romano e o início do Reino de Cristo instalado sobre a Terra. No fim do mundo, aqueles que estarão em uma situação análoga à nossa serão o Profeta Elias, o Profeta Enoque e os poucos que permanecerão fiéis. Eles verão o fim do Reino de Maria e o começo da Jerusalém Celestial.
Estamos em uma posição histórica épica. Se estendermos uma mão ao passado, encontraremos a mão de São Remi. Se estendermos a outra mão para o futuro, encontraremos a mão do Profeta Elias. Nós somos o resto presente que pode se sustentar no resto passado e no resto futuro.
Dentro desta perspectiva ampla da História e da glorificação de Nosso Senhor Jesus Cristo, tenho o prazer de transmitir aqui uma das leis importantes que regem os planos de Deus, a lei da fidelidade do
resto. Residuum revertetur! O resto voltará! O resto deverá mais uma vez conquistar!
Postado em 11 de março de 2020
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