Recentemente, um amigo meu morreu repentinamente. Ele era um bom Católico Tradicional, um comungante diário, um homem honesto. No entanto, depois de seu funeral no brunch (refeição que engloba café da manhã e almoço) da Igreja, eu estava conversando com um conhecido, que em um momento levantou a sobrancelha, inclinou-se e disse em voz baixa: “Mas certamente você sabe que uma morte repentina é um mau sinal.”
Sim, de fato, eu sei disso e, por esse motivo, diariamente digo a oração para que Deus me preserve de uma morte repentina e despreparada. Mas eu também sei que, assim como é próprio dos condenados morrer em pecado, também é próprio dos eleitos morrer no amor e na graça de Deus, e no entanto sucede às vezes diferentemente. É o que São Francisco de Sales nos diz em seu Tratado do Amor de Deus:
"O homem justo nunca morre desprevenido porque bem se previne para a morte aquele que perseverou na justiça Cristã, até ao fim, mas pode perecer de morte súbita ou repentina. Por isso a Igreja, sempre tão sábia, nos ensina a suplicar nas Ladainhas que sejamos livres da morte súbita; mais, da ‘morte súbita e imprevista.’
O fogo desceu do céu para completar
o holocausto de São Simeão Estilita |
"Pois por ser súbita não seria ela pior, se não fosse imprevista. Se alguns espíritos fracos e vulgares vissem o fogo do céu cair sobre o grande Santo Simeão Estilita e matá-lo, que pensariam senão pensamentos de escândalo? E, todavia, devemos pensar doutro modo. Tendo-se esse grande Santo imolado inteiramente a Deus no seu coração, e sentindo-se devorado de amor, o fogo não fez mais do que completar o holocausto e acabar de o consumir. E, de fato, O Abade Juliano, que estava em lugar distante, viu a alma do Santo subir ao Céu, e por isso incensou ao Senhor, dando-lhe infinitas graças.
"Um dia, enquanto o Bem-aventurado Homobono de Cremona, ouvia certo dia a santa Missa, ajoelhado e com extrema devoção, como não se levantasse ao Evangelho, segundo o costume, os que estavam perto dele atentaram no grande Santo e verificaram que a sua alma já voara para Deus. E já do nosso tempo conta-se de pessoas, grandes em virtude e doutrina, que foram encontradas mortas, uns no confessionário, outros, quando dispostos a escutar a palavra do Senhor. Alguns falecerem ao abandonar a cadeira da verdade, donde tinham pregado com grande fervor: todas mortes súbitas, mas não imprevistas.
"De quantas pessoas sabemos nós que morreram apopléticas, letárgicas e de outras variadas maneiras igualmente súbitas, enquanto outras perecem imersas nas trevas e nos delírios da loucura? Pois todos estes, como as crianças batizadas, morrem em graça e, portanto, no amor de Deus.
"Mas, como conseguem morrer no amor de Deus essas almas que, na hora do passamento, não pensavam em Deus? Os grandes sábios, Teotimo, não perdem a ciência enquanto dormem, aliás, acordariam ignorantes, e seria necessário tornar a aprender o que sabiam. Ora é o que acontece com os bons hábitos de prudência, temperança, fé, esperança e caridade, que permanecem sempre no espírito dos justos, ainda que esse espírito esteja em repouso. Num homem que dorme, parece que todos os hábitos dormem e acordam com ele. Assim, pois, o justo que morre de repente, esmagado por uma casa que lhe cai em cima, fulminado por uma bala, sufocado por um catarro ou alucinado por uma violenta febre.
"É verdade que lhe tira a noção e o conhecimento das coisas, não morre evidentemente no exercício do amor divino, mas no entanto morre no hábito dele. Por esse motivo, disse o Sábio: ‘Mas o justo, ainda que morra prematuramente, estará em descanso’ (Sab 4: 7); pois lhe basta o estado e o hábito do amor e da caridade."
Retirado de São Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus,
trad. pelo Pe. John K. Ryan, Rockford: TAN, 1975, Vol. II, pp. 38-39.
Postado em 13 de março de 2020
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