Sobre a Igreja
O Papel dos Leigos na Igreja – III
Doutrina Teológica e Direito Canônico:
Leigos podem Questionar seus Superiores
Eu gostaria que aqueles padres que dizem que um leigo não deve defender a Santa Madre Igreja ou ousar se dirigir aos padres, olhem para um deles que estava lutando ferozmente contra o liberalismo tanto no clero quanto na sociedade na virada do século 20. Estou falando de Mons. Henri Delassus (1836-1921), autor da obra
L'Americanisme et la Conjuration Antichretienne (Americanismo e a Conjuração Anti-Cristã, 1899).
Nesse trabalho, este valente polemista convocou todos os Católicos - clérigos e leigos - a lutar pela Igreja e se empenhar pela "humilhação dos inimigos de Deus" - mesmo que estejam sentados dentro da Igreja - e "a vinda do Reino do Divino Salvador." Com a pena ardente, ele escreve: “Cabe a nós [leigos e sacerdotes] lutar por esta humilhação e este Reino. Para fazer isso, não basta rezar, devemos também lutar.”
E ele critica aqueles clérigos que "querem abafar a polêmica que até agora preservou a Fé de toda corrupção para substituí-la por um pacifismo que apenas manteria a paz - e que paz! Uma paz conquistada às custas do inalienável direito da verdade!" (Cap. 15, 'Que Faire?' - 'O que fazer?')
Este sólido conselho de Mons. Delassus, que foi altamente elogiado e honrado pelo Papa São Pio X, soa bem diferente do "dogma infalível" vindo de muitos dos padres tradicionalistas de hoje: que os leigos não podem levantar suas vozes publicamente contra Prelados e nunca podem criticar um padre. Nem devem ousar tentar defender a Igreja, tarefa que deve ser deixada para o Espírito Santo. E se o fazem, são arrogantes; eles são falsos profetas.
Já demonstrei que esse "dogma" não tem base na História nem no Direito Natural.
Agora, irei abordar a sólida Doutrina Teológica da Igreja Católica.
III - Doutrina Teológica
É revigorante ver como a Igreja sempre tem uma resposta para perguntas complicadas e uma solução para problemas desafiadores.
1. São Tomás de Aquino
Por boas razões, São Tomás recebeu o título de Doutor Universal da Igreja. Ele tem algo a dizer sobre se um inferior pode ou não admoestar um superior. Em seus Comentários sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, generalizando sobre o episódio de São Paulo admoestando São Pedro, ele ensina que corrigir um Prelado que peca é uma obra de misericórdia. Na verdade, quanto mais elevada for a posição do Prelado, maior será o mérito de quem corrige:
“Ecl. 17:12diz que Deus 'impôs deveres para com o próximo a cada um.' Agora, um Prelado é nosso proximo. Portanto, devemos corrigi-lo quando ele peca. ...
“Alguns dizem que a correção fraterna não se estende aos Prelados, seja porque o homem não deve erguer a voz contra o céu, seja porque os Prelados se escandalizam facilmente se corrigidos por seus súditos.
“Porém, isso não acontece, pois quando pecam os Prelados não representam o céu e, portanto, devem ser corrigidos. E os que os corrigem caridosamente não levantam a voz contra eles, mas a seu favor, visto que a advertência é por eles mesmos. ... Por isso ... o preceito da correção fraterna se estende também aos Prelados, para que sejam corrigidos por seus súditos.” (1)
Se um inferior - seja ele um sacerdote ou um leigo - pode corrigir um Prelado, um leigo pode igualmente corrigir um sacerdote.
Em outra passagem, São Tomás defende diretamente o princípio de que os fiéis podem questionar e admoestar os Prelados:
“Havendo um perigo iminente para a Fé, os Prelados devem ser questionados, mesmo publicamente, por seus súditos. Assim, São Paulo, que era um súdito de São Pedro, questionou-o publicamente por conta de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E, como afirma a Glosa de Santo Agostinho (Ad Galatas 2:14), ‘O próprio São Pedro deu o exemplo aos governantes para que, se se desviarem do caminho certo, não rejeitem uma correção como indigna, mesmo que venha de seus súditos.’” (2)
Referindo-se ao mesmo episódio, em que São Paulo repreendeu São Pedro, São Tomás ensina:
“A repreensão foi justa e útil, e a razão para isso não foi trivial: havia perigo para a preservação da verdade evangélica... A forma como aconteceu foi adequada, pois era pública e aberta. Por isso São Paulo escreve: 'Falei a Cefas,' isto é, Pedro, 'antes de todos,' visto que a simulação praticada por São Pedro era repleta de perigos para todos.” (3)
O Doutor Universal da Igreja também mostra como este caso contém ensinamentos não apenas para os Hierarcas, mas também para os fiéis:
“Aos Prelados foi dado um exemplo de humildade para que não se recusassem a aceitar correções de seus inferiores e súditos; e aos súditos um exemplo de zelo e liberdade para que não temam corrigir seus Prelados, sobretudo quando o crime é público e representa perigo para muitos.” (4)
Com esta doutrina de São Tomás, torna-se cristalino que um leigo pode e deve admoestar um padre, um bispo ou mesmo um papa caso ele corra o risco de se desviar do caminho certo.
2. Outros grandes teólogos
Eu poderia citar textos de Santo Agostinho, São Roberto Belarmino, Pe. Francisco de Vitoria, OP, e o Pe. Francisco Suarez, SJ, ensinando a mesma doutrina. O leitor pode encontrar mais demonstrações neste artigo, 'O Dever de Resistir' de Atila S. Guimarães, de onde extraí os textos de S. Tomás.
IV - Direito Canônico
Mas tem mais.
Para aqueles que fingem que um leigo nunca deve falar contra um clérigo, eles devem saber que mesmo o Código de Direito Canônico de 1983 não concorda com eles. Aprova claramente tal ação como "uma obrigação e um direito de todos os fiéis cristãos," sempre feita, é claro, de forma respeitosa. Canon 212 § 3 afirma:
"Pelo conhecimento, competência e prestígio que possuam, eles (os leigos) têm o direito e mesmo às vezes o dever de manifestar aos sagrados pastores a sua opinião sobre assuntos que dizem respeito ao bem da Igreja e de fazer a sua opinião conhecido dos demais fiéis Cristãos, sem prejuízo da integridade da fé e da moral, com reverência para com seus pastores e atento ao bem comum e à dignidade das pessoas."
A Igreja não proíbe legalmente um jornalista Católico, ou qualquer leigo qualificado, de fazer críticas a uma autoridade eclesiástica.
Terceira conclusão
Concluo o estudo da Doutrina Católica e do Direito Canônico afirmando que, sem sombra de dúvida, os leigos podem criticar seus superiores quando estes abandonam ou parecem abandonar o caminho da ortodoxia.
Deveres como membro da Igreja Militante
A Igreja Militante - composta tanto pela Hierarquia quanto pelos fiéis - existe nesta terra para lutar. A Igreja está dividida em três partes, a Igreja Triunfante (os santos do Céu), a Igreja Padecente (as almas do Purgatório) e a Igreja Militante (os que ainda vivem na terra).
A Santa Madre Igreja poderia ter chamado este último grupo de a Igreja Orante, pois certamente devemos rezar para chegar ao Céu, mas ela não o fez. Ela nos chamou de a Igreja Militante, porque a postura normal de seus membros é sempre caracterizada pelo combate.
Fora de seus muros, a Santa Igreja tem seus inimigos - os hereges, cismáticos, pagãos e Judeus - que devem ser combatidos. Este combate não terminou com o Vaticano II. Isso continua e nunca vai acabar até o fim do mundo.
Dentro da Igreja, todo Católico tem o duplo dever de lutar. Primeiro, ele deve lutar contra seus próprios defeitos, o mundo e o Diabo. Segundo, ele também deve lutar contra os inimigos que se infiltraram em seus muros com erros, concessões e heresias.
Assumimos essas batalhas internas porque é nosso dever como membros da Igreja Militante.
Nossa vida como Católicos é uma luta, e não devemos permitir que esta importante verdade seja obliterada por ninguém - leigo ou eclesiástico - quando a integridade da Fé e de sua Tradição é ameaçada.
Mons. DeLassus: 'Não basta rezar, devemos lutar também'
E ele critica aqueles clérigos que "querem abafar a polêmica que até agora preservou a Fé de toda corrupção para substituí-la por um pacifismo que apenas manteria a paz - e que paz! Uma paz conquistada às custas do inalienável direito da verdade!" (Cap. 15, 'Que Faire?' - 'O que fazer?')
Este sólido conselho de Mons. Delassus, que foi altamente elogiado e honrado pelo Papa São Pio X, soa bem diferente do "dogma infalível" vindo de muitos dos padres tradicionalistas de hoje: que os leigos não podem levantar suas vozes publicamente contra Prelados e nunca podem criticar um padre. Nem devem ousar tentar defender a Igreja, tarefa que deve ser deixada para o Espírito Santo. E se o fazem, são arrogantes; eles são falsos profetas.
Já demonstrei que esse "dogma" não tem base na História nem no Direito Natural.
Agora, irei abordar a sólida Doutrina Teológica da Igreja Católica.
III - Doutrina Teológica
É revigorante ver como a Igreja sempre tem uma resposta para perguntas complicadas e uma solução para problemas desafiadores.
1. São Tomás de Aquino
Por boas razões, São Tomás recebeu o título de Doutor Universal da Igreja. Ele tem algo a dizer sobre se um inferior pode ou não admoestar um superior. Em seus Comentários sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, generalizando sobre o episódio de São Paulo admoestando São Pedro, ele ensina que corrigir um Prelado que peca é uma obra de misericórdia. Na verdade, quanto mais elevada for a posição do Prelado, maior será o mérito de quem corrige:
O Doutor Universal da Igreja ensina que um leigo pode corrigir um padre
“Alguns dizem que a correção fraterna não se estende aos Prelados, seja porque o homem não deve erguer a voz contra o céu, seja porque os Prelados se escandalizam facilmente se corrigidos por seus súditos.
“Porém, isso não acontece, pois quando pecam os Prelados não representam o céu e, portanto, devem ser corrigidos. E os que os corrigem caridosamente não levantam a voz contra eles, mas a seu favor, visto que a advertência é por eles mesmos. ... Por isso ... o preceito da correção fraterna se estende também aos Prelados, para que sejam corrigidos por seus súditos.” (1)
Se um inferior - seja ele um sacerdote ou um leigo - pode corrigir um Prelado, um leigo pode igualmente corrigir um sacerdote.
Em outra passagem, São Tomás defende diretamente o princípio de que os fiéis podem questionar e admoestar os Prelados:
“Havendo um perigo iminente para a Fé, os Prelados devem ser questionados, mesmo publicamente, por seus súditos. Assim, São Paulo, que era um súdito de São Pedro, questionou-o publicamente por conta de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E, como afirma a Glosa de Santo Agostinho (Ad Galatas 2:14), ‘O próprio São Pedro deu o exemplo aos governantes para que, se se desviarem do caminho certo, não rejeitem uma correção como indigna, mesmo que venha de seus súditos.’” (2)
Referindo-se ao mesmo episódio, em que São Paulo repreendeu São Pedro, São Tomás ensina:
Quando um Prelado ensina o erro,
os leigos devem repreendê-lo
O Doutor Universal da Igreja também mostra como este caso contém ensinamentos não apenas para os Hierarcas, mas também para os fiéis:
“Aos Prelados foi dado um exemplo de humildade para que não se recusassem a aceitar correções de seus inferiores e súditos; e aos súditos um exemplo de zelo e liberdade para que não temam corrigir seus Prelados, sobretudo quando o crime é público e representa perigo para muitos.” (4)
Com esta doutrina de São Tomás, torna-se cristalino que um leigo pode e deve admoestar um padre, um bispo ou mesmo um papa caso ele corra o risco de se desviar do caminho certo.
2. Outros grandes teólogos
Eu poderia citar textos de Santo Agostinho, São Roberto Belarmino, Pe. Francisco de Vitoria, OP, e o Pe. Francisco Suarez, SJ, ensinando a mesma doutrina. O leitor pode encontrar mais demonstrações neste artigo, 'O Dever de Resistir' de Atila S. Guimarães, de onde extraí os textos de S. Tomás.
IV - Direito Canônico
Mas tem mais.
Para aqueles que fingem que um leigo nunca deve falar contra um clérigo, eles devem saber que mesmo o Código de Direito Canônico de 1983 não concorda com eles. Aprova claramente tal ação como "uma obrigação e um direito de todos os fiéis cristãos," sempre feita, é claro, de forma respeitosa. Canon 212 § 3 afirma:
"Pelo conhecimento, competência e prestígio que possuam, eles (os leigos) têm o direito e mesmo às vezes o dever de manifestar aos sagrados pastores a sua opinião sobre assuntos que dizem respeito ao bem da Igreja e de fazer a sua opinião conhecido dos demais fiéis Cristãos, sem prejuízo da integridade da fé e da moral, com reverência para com seus pastores e atento ao bem comum e à dignidade das pessoas."
A Igreja não proíbe legalmente um jornalista Católico, ou qualquer leigo qualificado, de fazer críticas a uma autoridade eclesiástica.
Terceira conclusão
Concluo o estudo da Doutrina Católica e do Direito Canônico afirmando que, sem sombra de dúvida, os leigos podem criticar seus superiores quando estes abandonam ou parecem abandonar o caminho da ortodoxia.
Deveres como membro da Igreja Militante
A Igreja Militante - composta tanto pela Hierarquia quanto pelos fiéis - existe nesta terra para lutar. A Igreja está dividida em três partes, a Igreja Triunfante (os santos do Céu), a Igreja Padecente (as almas do Purgatório) e a Igreja Militante (os que ainda vivem na terra).
A Igreja Militante - clero e leigos - deve lutar nesta terra para entrar na Igreja Triunfante
Fora de seus muros, a Santa Igreja tem seus inimigos - os hereges, cismáticos, pagãos e Judeus - que devem ser combatidos. Este combate não terminou com o Vaticano II. Isso continua e nunca vai acabar até o fim do mundo.
Dentro da Igreja, todo Católico tem o duplo dever de lutar. Primeiro, ele deve lutar contra seus próprios defeitos, o mundo e o Diabo. Segundo, ele também deve lutar contra os inimigos que se infiltraram em seus muros com erros, concessões e heresias.
Assumimos essas batalhas internas porque é nosso dever como membros da Igreja Militante.
Nossa vida como Católicos é uma luta, e não devemos permitir que esta importante verdade seja obliterada por ninguém - leigo ou eclesiástico - quando a integridade da Fé e de sua Tradição é ameaçada.
A marca do Católico é lutar e amar a luta
- IV Sententiarum, d. 19, q.2, a.2., in We Resist You to the Face, (Los Angeles: TIA, 2000), pp. 154-155.
- Summa theologiae (Turin/Roma: Marietti), 1948, II.II, q.33, a.4., in ibid., p. 154.
- Super Epistulas S. Pauli, Ad Galatas, 2, 11-14, (Taurini/Roma: Marietti, 1953), lec. III, nn. 83-84, in ibid.
- Ibid., n. 77., in ibid.
Postado em 22 de outubro de 2021