Virtudes Católicas
Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXX
Certos aspectos da realidade são
melhor expressos pela arte
No último artigo, examinamos a transcendência aplicada ao absoluto do bem. A transcendência também pode se aplicar ao terreno do mal.
Lembro-me de um daqueles demônios com chifres na Catedral de Notre-Dame, um tanto asmático, olhando com um sopro de ódio para a cidade de Paris. É apenas uma entidade concreta, mas expressa algo universal. Toda a inveja, todo o ódio de todos os tempos encontra aí uma expressão.
A rejeição categórica desse ódio diabólico, que também se manifesta nas ações humanas ao longo da História, certamente nos move para Deus.
Relativismo, o oposto da transcendência
O oposto da transcendência é o relativismo. Para quem sofre dessa doença, a verdade eterna, absoluta, evidente e imutável não existe. Ele também não quer que exista.
O relativista só tem impressões. Ele chama essas impressões de convicções quando são muito antigas ou quando se mantiveram por algumas gerações e ninguém duvidou delas antes dele. Mas não são convicções verdadeiras.
Nesse livro chamado Universo, ele não lê nada. A ele parece referir-se o profeta Isaías, quando diz: “Pasmai, espantai-vos, cegai-vos, ficai cegos, embriagai-vos, mas não de vinho, cambaleai mas não de embriaguez.” (Is 29,9) Em tudo, o relativista só vê banalidade, que é uma forma de sono.
Há objetividade na transcendência?
Um relativista perguntará: “Que trabalho é esse em prol da transcendência? Não é uma perda de tempo? Não é falta de objetividade? Não é melhor ver sempre a realidade nua e crua, na sua pura simplicidade?”
No entanto, se há de fato um sentido subjacente às coisas, deixar de vê-lo seria empobrecer-se e fugir da realidade.
As perguntas do relativista levam a outra, que me faço desde criança: um bloco de granito é sempre só quartzo, feldspato e plagiociase, ou pode ter algum significado mais profundo? Uma esmeralda é apenas o mineral berilo colorido de verde por vestígios de cromo e vândio, como meu professor de química me disse, ou é outra coisa?
A busca de ver algo transcendente em tudo careceria de objetividade se esse algo não fizesse parte da realidade.
Ora, a transparência aponta para algo que, de uma forma ou de outra, está efetivamente na coisa, pelo mecanismo já descrito a respeito da participação.
Fotos também podem transcender
Pois bem, pode-se dizer que quem quer ver a realidade nua e crua, simplista e despida de quaisquer outras considerações, prefere a fotografia à pintura. Pois, nas fotos, a realidade é retratada por um mero mecanismo sem a interferência da fantasia do homem.
Mas é verdade que mesmo nas fotos não há mais nada? A arte fotográfica moderna muitas vezes procura implicar algo que transcende a realidade. As fotos mais excelentes geralmente implicam uma transparência.
A fotografia de uma simples ponte banal como, por exemplo, a que o grande fotógrafo Fulvio Roiter inclui em seu álbum sobre Veneza acima à esquerda, é eloquente nesse sentido.
Na foto abaixo, vemos que o fotógrafo conseguiu comunicar uma mensagem com o clique do botão de sua câmera. Ele soube notar uma certa transparência nas nuvens sobre o Palácio de Versalhes.
Acima do castelo está o céu cheio de nuvens: o fotógrafo capturou essas nuvens em um momento muito feliz. Evidentemente não foram ali colocados por Luís XIV... Estão exatamente no lugar certo, com a configuração precisa necessária, para adornar a fotografia.
Imagine o céu sem essas nuvens: um céu azul, azul... Uma pessoa superficial pensaria que quanto mais azul, mais bonito.
Mas, não, não aqui. As nuvens compensam um certo mistério que falta no Castelo de Versalhes. Pode-se ver que eles estão em movimento e estão desaparecendo e escurecendo ao mesmo tempo. Tem-se a impressão de que há algo subindo, crescendo, insinuando o início de um drama que se desenrola sobre o risonho castelo e o céu azul.
Quase se poderia dizer que são os primeiros sinais da Revolução Francesa misturados com as últimas glórias da Monarquia. As nuvens estão ali na quantidade e no lugar exato, com o tamanho certo, para enfeitar o quadro.
Tudo o que é grande, se não tem algo de heroico ou trágico, perde sua grandeza. O castelo de Versalhes às vezes carece dessa nota trágica, dessa nota heroica, dessa nota misteriosa; as nuvens na foto compensam perfeitamente.
Nessa foto não há artifício para representar a realidade como ela não é. Mas também não é uma imagem literalmente realista, pois capturou a realidade com alguns apontamentos irreais.
Certos aspectos da realidade são melhor expressos pela arte
O significado de uma coisa, quando é digno de nota, vem da luz da coisa. Essa luz é percebida de forma puramente analítica (isto é, por uma análise racional do que ela é) ou de forma simbólica.
Uma análise racional é feita através das palavras. Ora, é um fato geralmente admitido que a literatura e a arte se destinam a servir ao homem como um meio de expressar certas coisas que, por meras palavras, um homem é incapaz de explicar com fidelidade.
Esse fato às vezes leva a uma conclusão depreciativa e inaceitável em relação à filosofia: seria um campo explícito e secundário. A arte e a poesia expressariam algo superior que a filosofia não poderia fazer.
É verdade que as palavras humanas não são capazes de expressar adequadamente certos aspectos da realidade. Chegam ao conhecimento do homem de forma não abstrata e às vezes pertencem a uma ordem tão elevada que ultrapassam até a força de expressão da palavra.
Estabelecendo uma reversibilidade entre arte e filosofia, o homem sentiria o que há de mais profundo numa coisa expressa. Assim, ele poderia transformar o que percebia pelo caminho artístico em termos expressos. E, em sentido inverso, poderia encontrar no percurso artístico um símile daquilo que vê em termos expressos.
No mundo do pensamento, a partir do momento em que o homem tentasse habitualmente exprimir o inexprimível, abrir-se-ia uma intercomunicação entre os dois domínios, da qual poderia nascer uma nova era.
Continua
Uma gárgula paira ameaçadoramente no topo de Notre Dame
A rejeição categórica desse ódio diabólico, que também se manifesta nas ações humanas ao longo da História, certamente nos move para Deus.
Relativismo, o oposto da transcendência
O oposto da transcendência é o relativismo. Para quem sofre dessa doença, a verdade eterna, absoluta, evidente e imutável não existe. Ele também não quer que exista.
O relativista só tem impressões. Ele chama essas impressões de convicções quando são muito antigas ou quando se mantiveram por algumas gerações e ninguém duvidou delas antes dele. Mas não são convicções verdadeiras.
Nesse livro chamado Universo, ele não lê nada. A ele parece referir-se o profeta Isaías, quando diz: “Pasmai, espantai-vos, cegai-vos, ficai cegos, embriagai-vos, mas não de vinho, cambaleai mas não de embriaguez.” (Is 29,9) Em tudo, o relativista só vê banalidade, que é uma forma de sono.
Há objetividade na transcendência?
Um relativista perguntará: “Que trabalho é esse em prol da transcendência? Não é uma perda de tempo? Não é falta de objetividade? Não é melhor ver sempre a realidade nua e crua, na sua pura simplicidade?”
Esmeralda e quartzo brutos; à direita, um bloco de granito.
Abaixo, a tiara de esmeralda da Duquesa d'Angouleme
As perguntas do relativista levam a outra, que me faço desde criança: um bloco de granito é sempre só quartzo, feldspato e plagiociase, ou pode ter algum significado mais profundo? Uma esmeralda é apenas o mineral berilo colorido de verde por vestígios de cromo e vândio, como meu professor de química me disse, ou é outra coisa?
A busca de ver algo transcendente em tudo careceria de objetividade se esse algo não fizesse parte da realidade.
Ora, a transparência aponta para algo que, de uma forma ou de outra, está efetivamente na coisa, pelo mecanismo já descrito a respeito da participação.
Fotos também podem transcender
A ponte simples de Fulvio envia uma mensagem simbólica
Mas é verdade que mesmo nas fotos não há mais nada? A arte fotográfica moderna muitas vezes procura implicar algo que transcende a realidade. As fotos mais excelentes geralmente implicam uma transparência.
A fotografia de uma simples ponte banal como, por exemplo, a que o grande fotógrafo Fulvio Roiter inclui em seu álbum sobre Veneza acima à esquerda, é eloquente nesse sentido.
Na foto abaixo, vemos que o fotógrafo conseguiu comunicar uma mensagem com o clique do botão de sua câmera. Ele soube notar uma certa transparência nas nuvens sobre o Palácio de Versalhes.
Acima do castelo está o céu cheio de nuvens: o fotógrafo capturou essas nuvens em um momento muito feliz. Evidentemente não foram ali colocados por Luís XIV... Estão exatamente no lugar certo, com a configuração precisa necessária, para adornar a fotografia.
Imagine o céu sem essas nuvens: um céu azul, azul... Uma pessoa superficial pensaria que quanto mais azul, mais bonito.
Mas, não, não aqui. As nuvens compensam um certo mistério que falta no Castelo de Versalhes. Pode-se ver que eles estão em movimento e estão desaparecendo e escurecendo ao mesmo tempo. Tem-se a impressão de que há algo subindo, crescendo, insinuando o início de um drama que se desenrola sobre o risonho castelo e o céu azul.
Quase se poderia dizer que são os primeiros sinais da Revolução Francesa misturados com as últimas glórias da Monarquia. As nuvens estão ali na quantidade e no lugar exato, com o tamanho certo, para enfeitar o quadro.
Tudo o que é grande, se não tem algo de heroico ou trágico, perde sua grandeza. O castelo de Versalhes às vezes carece dessa nota trágica, dessa nota heroica, dessa nota misteriosa; as nuvens na foto compensam perfeitamente.
Nessa foto não há artifício para representar a realidade como ela não é. Mas também não é uma imagem literalmente realista, pois capturou a realidade com alguns apontamentos irreais.
Certos aspectos da realidade são melhor expressos pela arte
O significado de uma coisa, quando é digno de nota, vem da luz da coisa. Essa luz é percebida de forma puramente analítica (isto é, por uma análise racional do que ela é) ou de forma simbólica.
Uma análise racional é feita através das palavras. Ora, é um fato geralmente admitido que a literatura e a arte se destinam a servir ao homem como um meio de expressar certas coisas que, por meras palavras, um homem é incapaz de explicar com fidelidade.
Mais uma foto expressiva de Fulvio Roiter
É verdade que as palavras humanas não são capazes de expressar adequadamente certos aspectos da realidade. Chegam ao conhecimento do homem de forma não abstrata e às vezes pertencem a uma ordem tão elevada que ultrapassam até a força de expressão da palavra.
Estabelecendo uma reversibilidade entre arte e filosofia, o homem sentiria o que há de mais profundo numa coisa expressa. Assim, ele poderia transformar o que percebia pelo caminho artístico em termos expressos. E, em sentido inverso, poderia encontrar no percurso artístico um símile daquilo que vê em termos expressos.
No mundo do pensamento, a partir do momento em que o homem tentasse habitualmente exprimir o inexprimível, abrir-se-ia uma intercomunicação entre os dois domínios, da qual poderia nascer uma nova era.
Continua
Postado em 13 de fevereiro de 2023