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A Autoridade dos Documentos Pontifícios e Conciliares – III

Infalibilidade e Continuidade do Magistério

Arnaldo Xavier da Silveira
O Concílio Vaticano I não declarou sob quais condições um Concílio Ecumênico é infalível. Mas, por analogia com o Magistério Pontifício, pode-se afirmar que as condições do Magistério Universal Extraordinário são as mesmas quatro aplicadas ao Magistério Pontifício Extraordinário. Tal como o Papa, o Concílio tem o poder de ser infalível, um poder que pode ou não usar como quiser.

Muitos católicos mal informados podem objetar e afirmar que sempre ouviram que todo Sínodo Ecumênico é necessariamente infalível. Isto não é, contudo, o que dizem os teólogos.

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O Concílio de Nicéia, com Ário descrito como derrotado, estabeleceu definitivamente o Credo

São Roberto Belarmino explica que é somente pelas palavras do Concílio que se pode saber se seus decretos são considerados infalíveis. Ele conclui que, quando a redação não é clara a esse respeito, não é certo que o seu ensino seja de fide (De Conc., 2, 12). E, se não estiver claro, não é dogma, pois, segundo o Código de Direito Canônico [de 1917], “Nenhuma verdade deve ser tomada como declarada ou definida como dogma, a menos que seja manifestamente declarada” (cân. 1323, § 3º). (1)

Um estudo exaustivo do Magistério Universal Extraordinário deverá incluir a análise de numerosos problemas que estão fora dos limites desta série. Para dar ao leitor uma visão mais ampla, ainda que breve, do assunto, apresentamos aqui algumas teses aceitas sem discussão entre teólogos não progressistas:
  • As decisões do Concílio nunca podem ser infalíveis a menos que tenham sido aprovadas pelo Papa.

  • Um Concílio é infalível apenas naquelas questões em que claramente impõe algo como [uma doutrina] para ser acreditado. (2)

  • Os Concílios de Trento e do Vaticano quis definir não só nos seus cânones, mas também nos seus capítulos doutrinais. (3)
A continuidade de um ensinamento no Magistério Ordinário

O Magistério Ordinário, seja Papal ou Universal, não pode ser definido como um ensinamento que não goza da nota de infalibilidade.

É verdade que por si só, isto é, isolado do todo, um ensinamento do Magistério Ordinário não comporta infalibilidade. Assim, quando a Encíclica Ad diem illum de São Pio X defende a Corredenção de Nossa Senhora, ela não fala de uma forma que implique infalibilidade pontifícia. Neste caso estamos, portanto, muito distantes de uma definição solene, como a Bula Ineffabilis Deus, que definia a Imaculada Conceição e que por si encerraria a questão, mesmo que não houvesse outros pronunciamentos papais sobre o tema.

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Embora não seja um dogma oficialmente declarado, Maria como Corredentora é uma doutrina já ensinada infalivelmente pela Igreja

Contudo, há outra forma em que o Magistério Ordinário pode envolver a infalibilidade. Por exemplo, ao tratar da Corredenção, o Jesuíta Pe. J.A. Aldama afirma:

“Embora o Magistério Ordinário do Romano Pontífice não seja infalível per se, se, porém, ensina constantemente e por muito tempo uma certa doutrina a toda a Igreja, como ocorre no nosso caso [da Corredenção ], a sua infalibilidade deve ser absolutamente admitida, caso contrário levaria a Igreja ao erro.” (4)

Portanto, segundo Pe. Aldama, Maria como Corredentora é uma doutrina já ensinada infalivelmente pela Igreja, embora ainda não tenha sido objeto de nenhum pronunciamento do Magistério Extraordinário, seja Papal ou Universal.

Aqui temos a infalibilidade do Magistério Ordinário por meio da continuidade de um mesmo ensinamento. Este é um princípio muito importante, que muitos católicos muitas vezes esquecem quando estudam a nossa Fé. (5)

O fundamento doutrinário deste título de infalibilidade é o que Pe. Aldama assinala-nos: se, numa longa e ininterrupta série de documentos de ensino ordinários sobre um ponto, os Papas e a Igreja Universal pudessem estar enganados, então as portas do Inferno teriam prevalecido contra a Noiva de Cristo. A Igreja teria se tornado uma professora de erros, de cuja influência perigosa e até ameaçadora os fiéis não poderiam escapar.

Quanto tempo é necessário para que uma determinada verdade seja considerada infalível através da continuidade do Magistério ordinário? É pueril imaginar que se possa decidir tais questões com uma ampulheta. Os fatos vivos não são medidos por computadores, mas pelo bom senso, que é o único instrumento capaz de pesar os imponderáveis. E os fatos da fé – que não são apenas vivos, mas sobrenaturais – só são medidos pelo sentido católico, inspirado pela graça.

Fatores que influenciam o estabelecimento da continuidade

É óbvio que o tempo não é o único fator a ter em conta nesta matéria. Existem vários outros, alguns dos quais indicaremos para dar uma orientação geral ao leitor, sem pretender uma enumeração exaustiva. Também não faremos uma análise detalhada dos fatores indicados e muito menos exporemos as questões colaterais que cada um poderia sugerir, pois isso ultrapassaria os estreitos limites desta série.

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Paulo VI quebra a tradição e recebe o cismático Militon com um presente no Vaticano II

* A importância que o Papa dá ao documento. Se esta ênfase for grande, o pronunciamento terá um peso muito maior no estabelecimento de uma continuidade da doutrina, versus um ensinamento que tem sido objeto de pouca insistência e ênfase por parte do Pontífice.

* A importância que os Papas posteriores dão ao documento. Muitas vezes os Sumos Pontífices citam os seus Predecessores, repetem o que eles ensinaram e elogiam os seus documentos. Tal prática, que pode parecer um protocolo ou uma mera manifestação de respeito, é, no entanto, de grande importância para estabelecer a continuidade de um ensino. Pois estabelece claramente que o Papa posterior quis seguir o mesmo caminho do seu Predecessor.

* A solenidade do pronunciamento. Uma Encíclica ou uma Constituição Conciliar, por exemplo, tem mais peso do que um único Discurso pronunciado pelo Papa em audiência pública.

* A universalidade do ensino. As aulas de catecismo ministradas por São Pio X ao povo de Roma e aos peregrinos têm menos autoridade do que as Mensagens Radiofônicas de Natal que Pio XII dirigia todos os anos ao mundo católico.

* O público ao qual o Papa fala. As palestras dirigidas a congressos científicos, por exemplo, assumem particular importância, dado o elevado nível técnico do público. Tais congressos são por vezes caixas de som da voz do Pontífice, destinadas a estender, articular e difundir a sua palavra pelo mundo. Assim, foi enorme a repercussão dos discursos de Pio XII sobre métodos anticoncepcionais dirigidos aos congressos de parteiras, hematologistas, etc.

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* A atenção dada pelos teólogos ao pronunciamento. Os teólogos, que são doutores nas ciências sagradas, são encarregados pela Igreja de sistematizar e ensinar a sua doutrina. Se um grande número deles entendesse mal o alcance de uma declaração conciliar ou papal, este último provavelmente os corrigiria fazendo um novo pronunciamento. Assim, se uma determinada doutrina proveniente de documentos pontifícios é repetida extensivamente pelos teólogos sob o silêncio complacente do Papa, torna-se claro que este último não só professa esse ensinamento, mas também quer que ele seja amplamente difundido em toda a Igreja.

* A repercussão do documento no mundo católico em geral. O argumento que acabamos de apresentar é válido não apenas para os teólogos, mas, mutatis mutandis, para os círculos católicos em geral. Se uma declaração pontifícia ou conciliar é calorosamente acolhida no meio político, nos meios de comunicação, nas associações religiosas, etc., e se o Papa se cala, é porque deseja vê-la amplamente divulgada.

* Um ensinamento que há muito é aceito sem discussão em todo o mundo católico adquire facilmente a característica de um ensinamento infalível. Segundo a fórmula clássica de São Vicente de Lerins, devemos acreditar no que foi ensinado sempre, em todos os lugares e por todos: “quod semper, quod ubique, quod ab omnibus.” Pois a assistência do Divino Espírito Santo seria falha se uma doutrina ensinada sob estas três condições pudesse ser falsa. É preciso, porém, não aceitar exclusivamente o ditado, ou seja, como se a infalibilidade pela continuidade do mesmo ensinamento só existisse quando essas três condições fossem atendidas. (6)

* O caráter ininterrupto da série. Se uma doutrina de vários Papas for contradita por um dos seus Sucessores, ou por um Concílio, antes de ser constituída como ensinamento infalível, é claro que a série está quebrada. Este fator negativo pode ter uma influência significativa no estabelecimento da continuidade.

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É possível que qualquer documento papal ou conciliar esteja em oposição direta aos ensinamentos infalíveis do passado? É óbvio que, se a nova afirmação for também infalível, tal oposição não poderá existir.

No entanto, estudiosos proeminentes – como São Roberto Belarmino, Suarez, Cano e Soto – consideram tal hipótese como teologicamente possível. E é evidente que, em tal caso, o católico deverá permanecer fiel à doutrina infalível. Esta hipótese levaria os estudiosos à questão multissecular, na qual os maiores teólogos dos tempos modernos têm estado especialmente envolvidos, que é a possibilidade de um Papa herege. (7)

* A importância da tese no documento. O tema central – de uma Encíclica, por exemplo – implica mais autoridade pontifícia do que uma declaração precipitada sobre uma tese secundária.

* A forma como o documento apresenta o assunto. Na Quadragesimo anno, o Papa Pio XI afirma que responderá às perguntas recebidas pela Santa Sé sobre o caráter não-católico do Socialismo. Isto dá especial importância a esta parte do documento, pois destaca o propósito de resolver questões doutrinárias com a autoridade papal.

As obras do Arcebispo Paul Nau (8) fazem um estudo detalhado destes vários fatores que podem influenciar o estabelecimento da continuidade de um ensinamento do Magistério Ordinário.

Um exemplo: a propriedade privada

Parece-nos inquestionável que os princípios enunciados pelos teólogos a respeito da infalibilidade através da continuidade do mesmo ensino se aplicam aos pontos fundamentais da doutrina da propriedade privada.

Há um número impressionante de documentos papais que, ao longo de um século e meio, ensinaram ininterruptamente que a propriedade privada está de acordo com a Lei Natural e condenaram o Socialismo. (9) Estes documentos ressoaram em toda a Igreja: basta recordar a Rerum novarum e a Quadragesimo anno.

Como se pode afirmar que esta série de ensinamentos sobre a propriedade privada é menos rica do que os de Maria como Corredentora, que, segundo o Pe. Aldama, já não é assunto de livre discussão para os católicos?

Continua

  1. Ver também Sisto Cartechini, "Dall'Opinione al Domma," em La Civiltà Cattolica, Roma, 1953, p. 26.
  2. Cf. São Roberto Belarmino, De Conc., em Opera Omnia, Mediolani: Natale Battezzati, 1857, vol. 2, 2, 12.
  3. Cf. Ioachim Salaverri, "De Ecclesia Christi" em Sacrae Theologiae Summa, Madrid: BAC, 1958, vol p. 816.
  4. Josephus A. de Aldama, SJ, "Mariologia," em Sacrae Theologiae Summa, Madrid: B.A.C., 1961, vol. III. p. 418.
  5. Ver também Paul Nau, Une Source Doctrinale: les Encycliques, Paris: Les Éditions du Cèdre, 1952, pp. 68 ff., and "El Magisterio Pontificio Ordinario, Lugar Teológico" in Verbo, Madrid, n. 14, pp. 47 ff.
  6. Cf. Diekamp, p. 68.
  7. Ver, Adriano II, Allocutio 3 lecta em Concilio VIII Act. 7, apud Hefele-Leclercq, Histoire des Conciles, Letouzey, 1911, vol. IV, pp. 471-472; Inocêncio III, "Sermo IV in consecratione Pontificis," in Migne, Patrologia Latina, vol. 217, col. 670; São Roberto Belarmino, De Romano Pontifice em Opera Omnia, Mediolani: Natale Battezzati, 1857, vol. 2, 30; 4,6 ff; Franciscus Suarez, "De Fide", disp. X em Opera Omnia, Paris: Vivès, 1858, vol. X, s. 6; "De Legibus", in ibid., lib. 4, cap. 7; Melchior Cano, Opera, cap. postr. Venetiis, 1776, lib. IV, ad 12; Domingo Soto, "Commentarium Fratris Dominici Soto Segobiensis" em Quartum Sententiarum, Salmanticae, 1561, vol. I, d. 22, q. 2, a. 2; Santo Afonso de Ligório, Oeuvres Dogmatiques, édition Casterman, vol. IX, p. 232, apud J. Berthier, Abrégé de Théologie Dogmatique et Morale, Lyon-Paris, Vitte, 1927, p. 232; Jayme Balmes, Protestantismo Comparado com o Catolicismo em suas Relações com a Civilização Européia, Porto-Braga: Livraria Internacional, 1877, vol. IV, pp. 78-79; Ludovicus Billot, Tractatus de Ecclesia Christi, Prati, Giachetti, 1909, vol. I. pp. 609ss; Franciscus Xavier Wernz — Petrus Vidal, Ius Canonicum, Romae: Universitas Gregoriana, 1943, vol. II, pp. 517ff.; Antonius Straub, De Ecclesia Christi, Oeniponte, L. Puster, 1912, vol. II., p. 480; E. Dublanchy, verbete "Infaillibilité du Pape," em Dictionnaire de Théologie Catholique, vol. VI, col. 1714; Joachim Salaverri, "De Ecclesia Christi," in Sacrae Theologiae Summa, Madrid: B.A.C., 1958, vol. I, pp. 698, 718; Charles Journet, L'Eglise du Verbe Incarné, Fribourg: Desclée, 1962, vol. I, pp. 625ss; vol. II, pp. 1063ss; Hans Kung, Structures de l'Eglise, Paris: Desclée, 1963, pp. 292ff; V. Mondello, "La Dottrina del Gaetano sul Romano Pontefice," apud, Messina, resumo de 1965 em La Civiltà Cattolica, 4 giugno 1966, pp. 470-471.
  8. Cf. Paul Nau, Une Source Doctrinale and El Magisterio Pontificio Ordinario.
  9. Cf. Geraldo de Proença Sigaud — Antonio de Castro Mayer — Plinio Corrêa de Oliveira — Luiz Mendonça de Freitas, Reforma Agrária — Questão de Consciência, São Paulo: Editora Vera Cruz, 4a. ed., 1962, pp. 38ss.)

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Publicado pela primeira vez em Catolicísmo, n. 202, outubro de 1967
Postado em 4 de outubro de 2024