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Mito e transcendência

Plinio Corrêa de Oliveira
Um dos aspectos mais característicos da Revolução é o seu processo de desmitificação ou dessacralização, isto é, seus ataques contra o que ela chama de mitos, contra o que é sagrado.

Para entendermos esses ataques, é necessário entender a noção que os revolucionários têm do mito e das coisas sagradas. Para nós apreendermos o fundo desta questão, consideremos estas linhas de Edmond Rostand, um poeta e dramaturgo francês do século 19.

Em sua peça Chantecler, Rostand imagina o galo - o principal protagonista da peça - fazendo uma saudação ao sol. O galo diz: “Glória a vós, ó sol, sem cujo esplendor dourado, as coisas não seriam senão o que elas são.”

Dawn

A luz do sol dá às coisas simples um aspecto esplendoroso, que nos convida a pensar em Deus

Para ilustrar seu significado, vamos considerar um simples papel colorido; quando um raio de sol bate nele, esse papel exibe aspectos brilhantes e até mesmo magníficos. De fato, os raios dão àquele papel uma beleza especial que não apareceria se não fosse pelo sol.

Lembro-me de quando eu era menino, a caminho da escola, todos os dias passava por uma casa com uma mansarda que tinha uma janela suja com um vidro quebrado. A dona da casa nunca limpava a janela nem trocava o vidro quebrado.

Apesar de seu estado sujo, quando o sol batia naquela janela, produzia um reflexo verdadeiramente esplendoroso. Naquela janela suja, o sol brilhava, fazendo que ela se tornasse um espelho maravilhoso.

Eu gostava de especular sobre os muitos significados daquele reflexo: o sol ilumina o que está sujo, refletindo-se até mesmo nos escombros e brilhando de maneira especial.

Assim, quando um homem observa as coisas com um espírito filosófico e com o espírito da fé, vê nelas reflexos de uma ordem superior.

O sol sendo refletido em um pedaço de vidro quebrado tem uma certa analogia com um diamante, embora o diamante seja muito mais do que o vidro quebrado. Mas, o diamante, por sua vez, é análogo a algumas pedras maravilhosas que existiriam no paraíso terrestre, em comparação com as quais o diamante pareceria um pedaço de vidro quebrado.

Por sua vez, aquela joia cintilante do paraíso terrestre comparada a uma substância preciosa do paraíso celestial, pareceria como que um vidro quebrado.

Diamond Cullinan

O diamante mais brilhante é uma imagem da inteligência do homem e da sabedoria de Deus

Essa substância celestial, por sua vez, nada mais é do que um vidro quebrado ao lado da inteligência do menos inteligente dos homens, que, em sequência, é uma imagem de um homem inteligente.

Então, o homem inteligente é uma imagem do anjo, e este é uma imagem de Deus. Assim, subindo de passo a passo, podemos ter uma ideia da perfeição infinita de Deus Nosso Senhor.

A mente do homem bem formado procura sempre em uma coisa a imagem de uma superior. Ele sempre se dirige à consideração das coisas superiores e está ansioso para examinar essas analogias até chegar a Deus Nosso Senhor.

Seguindo esse caminho, podemos analisar todas as coisas criadas para subir na hierarquia até alcançarmos o próprio Deus. Acima de todas essas considerações naturais, está a graça, porque a graça em si é muito mais do que o sol.

Ela brilha e ilumina as coisas sobrenaturais ainda mais do que o sol ilumina as coisas naturais. E a graça, por sua vez, é um dom sobrenatural, um dom criado que é semelhante a Deus. Portanto, através da graça, podemos ter uma ideia melhor de como é Deus.

O resultado dessa tendência de ascender a planos superiores é que qualquer pessoa com um mínimo de sanidade mental tenta apresentar a realidade de modo a refletir uma ordem superior.

Cavalary charge

Um uniforme militar deve refletir a coragem e nos lembrar da luta angélica

Por exemplo, quando consideramos um militar, gostamos de vê-lo vestido com um uniforme que nos convida a pensar no esplendor da coragem, a característica distintiva do espírito militar.

Elevar-se num crescendo de um passo para o outro leva-nos, no final do processo, à contemplação da coragem de São Miguel Arcanjo, que expulsou Lúcifer do Céu. Essa consideração nos dá uma apreciação especial pelo uniforme militar.

Quando consideramos o sacerdote, sobretudo o sacerdote no exercício de suas funções, vislumbramos nele a sacralidade de sua missão; na sacralidade de sua missão, pensamos em Deus.

Então, quando o padre usa vestimentas altamente adornadas, principalmente nas cerimônias de seu ministério, é para nos dar uma ideia da importância de sua missão e, por meio de sua missão, nos convidar a pensar em Deus.

Poderíamos continuar esses exemplos com outras profissões, como, por exemplo, a da universidade. É normal que um professor entre em sua aula usando uma toga. Por quê? É para destacar o esplendor do métier do professor, a gravidade e distinção de sua missão.

O vestuário acentua a ideia da missão; a ideia da missão nos leva a Deus, fonte de toda verdade e Mestre de todos os professores.

Professor apparel

As togas dos professores destacam a gravidade do seu métier

Assim, há uma tendência natural no homem que não é ateu de buscar sempre alguma realidade superior presente na coisa inferior.

A tradição da civilização católica aplicou esse processo em inúmeros costumes que ainda vivem em nossos dias. É isso que o homem moderno considera um mito. Ver em algo, o reflexo de uma realidade superior é, para o homem moderno, fazer dele um mito. Seria ligar a realidade a algo imaginário que estaria acima dela.

Então, aquilo que para nós é uma série de degraus que nos levam a Deus, para um ateu é uma escada de mitos que nos leva a uma mentira. Isso porque para ele Deus não existe e, consequentemente, a ideia de que tudo deve levar a Deus é um mito, nada mais que poesia vazia.

Assim, os homens modernos têm uma tendência para o que eles chamam de desmitificação. Isto é, despir todas as coisas de seus ornamentos, privá-los de todas as formas de beleza, a fim de apresentá-los em sua realidade mais prosaica. Isso é para evitar os mitos, isso é desmitificação.

O que o homem moderno quer é destruir a projeção da realidade para uma esfera superior e sublime.


Postado em 29 de julho de 2019

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