“Se bem que continue preeminente e absoluto o interesse e a tendência à máxima produtividade, a propriedade deixou de ser a projeção do indivíduo, uma espécie de suporte necessário de sua individualidade no mundo das coisas, para se tornar – eis o que particularmente os cristãos deveriam ter presente – uma condicionadora, em sentido negativo, da individualidade. Pode-se de fato afirmar, como o fizeram autorizados juristas de inspiração certamente não anticristã, que hoje não é mais o proprietário que possui a propriedade, mas, pelo contrário, a propriedade é que possui o proprietário.”
Quem professa essa estranha opinião reduz o homem, não mais a assalariado, nem mesmo a escravo de outro homem, mas a escravo de um sistema de produção burocrático e mecânico, dotado de um poder análogo ao poder do dono sobre a coisa.
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“Consideremos o campo do direito penal: assiste-se hoje, de uma parte, a uma profunda transformação no modo de avaliar a gravidade de certas infrações, e de outra, a uma crescente dilatação, que pode parecer censurável, das hipóteses delituosas por comportamentos considerados outrora penalmente irrelevantes.
“As responsabilidades mais graves já não são as que se referem a atentados contra o indivíduo, contra o patrimônio, mas as que de qualquer maneira põem em causa valores sociais. Em consequência, se discerne a necessidade de sancionar penalmente todo comportamento que se manifesta, não tanto como atentado contra o indivíduo ou a ordem social entendida na velha acepção de ausência de choques entre indivíduos, mas como atentado à prossecução daquele finalismo que agora passou do indivíduo e da sociedade para o Estado. Todo crime, com efeito, é crime enquanto é crime político.”
Quem pensa desta maneira considera que os indivíduos não têm direitos próprios, e que o Estado é o único titular de todos os direitos...
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“A saúde física do homem... não é mais um mero bem personalíssimo do indivíduo, mas é um bem da coletividade, tanto que sua tutela é garantida pela Constituição.”
Na perspectiva dos textos anteriores, bem se vê aonde isto pode conduzir, pois, se o indivíduo não tem direitos, esse direito do Estado sobre a saúde de cada qual prima absolutamente sobre qualquer sombra de direito do indivíduo à sua própria saúde.
Em conseqüência, este princípio pode levar rápida e diretamente à escravidão.
Quem sustenta todas essas opiniões tão terrivelmente impregnadas de espírito escravocrático? Algum fanático da monarquia despótica em uso outrora no Oriente? Algum senhor feudal cruel e sem entranhas, como no-lo pintam os contos da carochinha enxertados em certa historiografia muito em voga?
Não, é um “católico-progressista,” desses que em geral vivem a invectivar — tratando-as de tirânicas — as melhores e mais perenes tradições cristãs da Idade Média. É o Sr. Gian Paolo Meucci, magistrado e assistente de Direito Constitucional na Universidade de Florença, que colabora em jornais e revistas como Il Popolo, L'Italia e Testimonianze. O Prof. Meucci escreveu o capítulo "Verso lo Stato di domani" no contestadíssimo livro “Il Dialogo alla Prova” (a cura di Mario Gozzini – Mezzo Secolo, Vallecchi Editore, Florença, 1964), no qual colaboram católicos e comunistas italianos.
Assim tantos e tantos progressistas, clamando contra o que denominam de paternalismo medieval, considerado por eles um regime incompatível com a dignidade humana, acabam por levar sua idolatria do Estado a ponto de pleitear o restabelecimento da escravidão típica dos povos anteriores a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quanto a esse paternalismo na Idade Média, eis o que diz Leão XIII no que toca aos trabalhadores da indústria e do comércio:
“A história atesta os excelentes resultados alcançados pelas corporações dos trabalhadores do passado. Eles eram o meio de oferecer, não apenas muitas vantagens aos operários, mas também promover o avanço da arte, já que numerosos monumentos permanecem para dar testemunho.
“Tais associações devem ser adaptadas às exigências da época em que vivemos – uma era de maior educação, de diferentes costumes e de exigências muito mais numerosas na vida cotidiana. É gratificante ver que, em toda parte, associações dessa natureza estão sendo formadas hoje, sejam aquelas compostas apenas por trabalhadores ou por empregados e empregadores juntos: Nós desejamos muito que eles se tornem mais numerosos e mais eficientes. Embora tenhamos falado deles mais de uma vez, queremos explicar aqui o quanto eles são necessários, o seu direito de existir, bem como indicar o que deve ser sua organização e seu programa de ação” (Encíclica Rerum Novarum).
Como se vê, o grande Pontífice considerava deverem as corporações medievais permanecer até nossos dias, feitas embora as necessárias modificações.
Sentimo-nos muito melhor na companhia do grande Papa no elogio a esses organismos medievais, garantia dos direitos dos patrões e dos empregados, do que na sequela dos advogados neoescravagistas do estatismo contemporâneo.
Vitrais em Notre Dame de Paris representando diferentes guildas |
Catolicismo n. 177, Setembro de 1965 Postado em 11 de abril de 2019
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