Questões Tradicionalistas
Missa de Diálogo - XX
Uma Reforma Imposta apesar da
Oposição da Maioria dos Bispos
Tendo dado rédea solta a Bugnini para influenciar a reforma dos ritos da Semana Santa contra o julgamento de muitos bispos do mundo, Pio XII aumentou ainda mais seu escopo para o caos litúrgico, nomeando-o como Consultor da Congregação dos Ritos em 1956. Fiel à forma, Bugnini executou sua tarefa de maneira previsível, como um míssil autopropelido e guiado que foi dirigido pelos mestres do Progressismo para cumprir sua agenda há muito planejada.
Ele imediatamente pôs em movimento planos para trazer mais mudanças ao Breviário Romano que Pio XII lhe permitiu dizimar em 1955 com o pretexto de uma maior “simplificação.” (1)
Em 1957, a Congregação dos Ritos novamente consultou os Bispos do mundo sobre novas mudanças litúrgicas. Mas desta vez a “explosão de alegria” de Bugnini acabou sendo o mais desanimados dos rojões. Os registros arquivísticos da Congregação mostram que a maioria dos Bispos queria que o status quo do Ofício Divino fosse preservado intacto. Relata-se que um Bispo declarou que era representante do "grande número" (92% como foi registrado), (2) dos Bispos que estavam satisfeitos com o Breviário como ele era e que também consideravam qualquer mudança não apenas indesejável, mas perigosa para a Igreja. Ele até citou São Tomás de Aquino (Summa, I-II, q. 97, art. 2) sobre as consequências prejudiciais que podem ocorrer quando as leis são alteradas, acrescentando: “Não é fácil dizer 'não' aos pedidos para a mudança, mas essa é a ação adequada aqui.” (3)
Esta é uma declaração de grande significado. Um Bispo - que representava a grande maioria na época - tinha, para seu grande crédito, ousado afirmar a importância primordial de defender as tradições litúrgicas numa época em que os progressistas ensinavam o desprezo e até a hostilidade para com elas.
Maxima Redemptionis: um afastamento da Tradição
É digno de nota que as reformas da Semana Santa foram consideradas em seus dias como fora do curso normal dos atos papais, uma aberração na história da tradição litúrgica. Um dos principais membros do Movimento Litúrgico, Pe. Frederick McManus, comentou com aprovação em 1956:
“Certamente as mudanças agora ordenadas pela Sé Apostólica são extraordinárias, especialmente porque vêm depois de quase quatro séculos de pouco desenvolvimento litúrgico.” (4)
Não devemos subestimar a magnitude dessas mudanças que incluíram novidades definitivas como a “participação ativa,” o uso do vernáculo, o sacerdote voltado para o povo e a invasão do santuário pelos leigos. Juntos, eles representaram uma grande mudança na liturgia da Igreja.
Continuidade quebrada
Era o ensino perene da Igreja a respeito de sua lex orandi Era o ensino perene da Igreja a respeito de sua lex orandi que a preservação da tradição litúrgica era um meio indispensável para salvaguardar a integridade da doutrina Católica. No entanto, a Congregação de Ritos sob Pio XII estava emitindo decretos e instruções promovendo mudanças substanciais nas cerimônias da Semana Santa cujos textos, rubricas e tradições cerimoniais proclamavam e transmitiam a Fé Católica ortodoxa.
Mas, não foram apenas as mudanças nos ritos da Semana Santa que romperam o fio da continuidade com o passado. Mais fundamentalmente, foi a tentativa consciente dos progressistas de reinventar a liturgia e seu plano deliberado de inculcar seus próprios valores desejados em desacordo com a Tradição. Embora a liturgia deva estar além da manipulação de qualquer indivíduo ou grupo, nas reformas da Semana Santa prevaleceu o ponto de vista progressista. Em uma abdicação sem precedentes da responsabilidade papal, Pio XII permitiu que os membros radicais do Movimento Litúrgico impusessem sua vontade ao resto da Igreja.
Um Rubicão longe demais
Com as reformas da Semana Santa, um Rubicão foi cruzado. A história fornece um paralelo interessante entre o exército de Júlio César que cruzou o Rubicão em 49 D.C. e os membros do Movimento Litúrgico (a pedido de quem Pio XII fez as reformas). Assim como cruzar o rio foi um ato que terminou em guerra civil dentro de Roma, as reformas da Semana Santa cruzaram as fronteiras da Tradição e acabariam por dividir os fiéis em campos de guerra. Ambos os atos foram eventos cruciais na história que comprometeram as pessoas envolvidas em um curso específico. (5)
Parece que Pio XII não deu ouvidos ao ensinamento de seu Predecessor sobre as responsabilidades dos Papas para com a liturgia. Com efeito, Pio XI, em sua Bula Divini Cultus de 10 de dezembro de 1928, declarou:
“Não é de admirar que os Romanos Pontífices tenham sido tão solícitos em salvaguardar e proteger a liturgia. Eles tiveram o mesmo cuidado ao fazer leis para a regulamentação da liturgia, em preservá-la da adulteração, como eles têm ao dar uma expressão precisa aos dogmas da fé.”
Não se pode argumentar, entretanto, que Pio XII teve o mesmo cuidado ao fazer as leis litúrgicas. Tendo uma vez alertado sobre o “suicídio de alterar a fé na liturgia,” ele ainda assim falhou em preservar a liturgia da Semana Santa da adulteração e contaminação por elementos estranhos que poderiam - e fizeram - levar muitos a uma falsa compreensão da doutrina.
Renegando o passado
Além disso, a aceitação da mudança litúrgica teve muitos outros efeitos deletérios. Lançou uma sombra de crítica aos ritos da Semana Santa dos séculos anteriores e até mesmo aos Bispos e padres que os celebraram fielmente durante o reinado de Pio XII. Com o Papa dando seu apoio a Bugnini, eles foram deixados abertos a críticas por serem “insensíveis” às aspirações dos leigos, culpados de injustiça e, em uma palavra, “antipastorais.” Como os eventos mostraram, eles foram descartados como conservadores irremediavelmente inflexíveis que impedem o progresso e a modernidade. Sua autoridade seria minada e, como Santo Tomás advertiu em tais casos, a disciplina seria abalada, levando a apelos por mudanças muito mais radicais no futuro.
Legitimando a Dissidência
A imposição das reformas da Semana Santa encorajou a dissidência e o desprezo pela lei porque o Papa foi visto como aquiescente com aqueles que haviam agido contra a lei litúrgica por décadas antes do Maxima Redemptionis. Apesar de seu aviso de que ninguém deve introduzir inovações não autorizadas na liturgia, sua aquiescência na dissidência generalizada foi um incentivo para os progressistas cometerem mais violações na expectativa de que a Igreja oficial acabaria por "alcançá-los" mais uma vez.
Outra consequência infeliz da decisão do Papa Pio XII de reformar as cerimônias da Semana Santa foi que a desobediência daqueles que implementaram as mudanças antes de serem aprovadas, e que promoveram ainda mais mudanças, foi tolerada em princípio. Feito isso com algo tão sagrado como a liturgia, e com base em um conjunto de opiniões prevalecentes no Movimento Litúrgico, foi dado o sinal de que outras mudanças consideradas urgentes ou “pastorais” também poderiam ser feitas sob algum pretexto forjado. (6)
O que isso significa na prática é que a autoridade tanto da liturgia quanto da tradição foi enfraquecida na medida em que foi colocada a serviço de um princípio do Progressismo - o da "participação ativa." E foi o Progressismo que encontraria seu triunfo final na Constituição do Vaticano II Sacrosanctum Concilium sobre a Liturgia.
Nas reformas da Semana Santa, podemos ver claramente tomando forma o plano básico para mutações de maior alcance, não apenas no culto Católico, mas também na teologia e no conceito de sacerdócio.
Continua
“Dada a atualidade do tema deste artigo (18 de maio de 2015), TIA do Brasil resolveu republicá-lo - mesmo se alguns dados são antigos - para benefício de nossos leitores.”
Postado em 8 de dezembro de 2021
Na década de 1930, uma Missa solene do Bispo Shaughnessy de Seattle, Washington, sentado na cátedra ao fundo; Arcebispo Howard de Portland, Oregon, em primeiro plano com os carregadores - um esplêndido cerimonial litúrgico destruído por Bugnini
Em 1957, a Congregação dos Ritos novamente consultou os Bispos do mundo sobre novas mudanças litúrgicas. Mas desta vez a “explosão de alegria” de Bugnini acabou sendo o mais desanimados dos rojões. Os registros arquivísticos da Congregação mostram que a maioria dos Bispos queria que o status quo do Ofício Divino fosse preservado intacto. Relata-se que um Bispo declarou que era representante do "grande número" (92% como foi registrado), (2) dos Bispos que estavam satisfeitos com o Breviário como ele era e que também consideravam qualquer mudança não apenas indesejável, mas perigosa para a Igreja. Ele até citou São Tomás de Aquino (Summa, I-II, q. 97, art. 2) sobre as consequências prejudiciais que podem ocorrer quando as leis são alteradas, acrescentando: “Não é fácil dizer 'não' aos pedidos para a mudança, mas essa é a ação adequada aqui.” (3)
Esta é uma declaração de grande significado. Um Bispo - que representava a grande maioria na época - tinha, para seu grande crédito, ousado afirmar a importância primordial de defender as tradições litúrgicas numa época em que os progressistas ensinavam o desprezo e até a hostilidade para com elas.
Maxima Redemptionis: um afastamento da Tradição
Pe. Frederick R. McManus
“Certamente as mudanças agora ordenadas pela Sé Apostólica são extraordinárias, especialmente porque vêm depois de quase quatro séculos de pouco desenvolvimento litúrgico.” (4)
Não devemos subestimar a magnitude dessas mudanças que incluíram novidades definitivas como a “participação ativa,” o uso do vernáculo, o sacerdote voltado para o povo e a invasão do santuário pelos leigos. Juntos, eles representaram uma grande mudança na liturgia da Igreja.
Continuidade quebrada
Era o ensino perene da Igreja a respeito de sua lex orandi Era o ensino perene da Igreja a respeito de sua lex orandi que a preservação da tradição litúrgica era um meio indispensável para salvaguardar a integridade da doutrina Católica. No entanto, a Congregação de Ritos sob Pio XII estava emitindo decretos e instruções promovendo mudanças substanciais nas cerimônias da Semana Santa cujos textos, rubricas e tradições cerimoniais proclamavam e transmitiam a Fé Católica ortodoxa.
Mas, não foram apenas as mudanças nos ritos da Semana Santa que romperam o fio da continuidade com o passado. Mais fundamentalmente, foi a tentativa consciente dos progressistas de reinventar a liturgia e seu plano deliberado de inculcar seus próprios valores desejados em desacordo com a Tradição. Embora a liturgia deva estar além da manipulação de qualquer indivíduo ou grupo, nas reformas da Semana Santa prevaleceu o ponto de vista progressista. Em uma abdicação sem precedentes da responsabilidade papal, Pio XII permitiu que os membros radicais do Movimento Litúrgico impusessem sua vontade ao resto da Igreja.
Um Rubicão longe demais
Com as reformas da Semana Santa, um Rubicão foi cruzado. A história fornece um paralelo interessante entre o exército de Júlio César que cruzou o Rubicão em 49 D.C. e os membros do Movimento Litúrgico (a pedido de quem Pio XII fez as reformas). Assim como cruzar o rio foi um ato que terminou em guerra civil dentro de Roma, as reformas da Semana Santa cruzaram as fronteiras da Tradição e acabariam por dividir os fiéis em campos de guerra. Ambos os atos foram eventos cruciais na história que comprometeram as pessoas envolvidas em um curso específico. (5)
Júlio César cruzando o Rubicão
“Não é de admirar que os Romanos Pontífices tenham sido tão solícitos em salvaguardar e proteger a liturgia. Eles tiveram o mesmo cuidado ao fazer leis para a regulamentação da liturgia, em preservá-la da adulteração, como eles têm ao dar uma expressão precisa aos dogmas da fé.”
Não se pode argumentar, entretanto, que Pio XII teve o mesmo cuidado ao fazer as leis litúrgicas. Tendo uma vez alertado sobre o “suicídio de alterar a fé na liturgia,” ele ainda assim falhou em preservar a liturgia da Semana Santa da adulteração e contaminação por elementos estranhos que poderiam - e fizeram - levar muitos a uma falsa compreensão da doutrina.
Renegando o passado
Além disso, a aceitação da mudança litúrgica teve muitos outros efeitos deletérios. Lançou uma sombra de crítica aos ritos da Semana Santa dos séculos anteriores e até mesmo aos Bispos e padres que os celebraram fielmente durante o reinado de Pio XII. Com o Papa dando seu apoio a Bugnini, eles foram deixados abertos a críticas por serem “insensíveis” às aspirações dos leigos, culpados de injustiça e, em uma palavra, “antipastorais.” Como os eventos mostraram, eles foram descartados como conservadores irremediavelmente inflexíveis que impedem o progresso e a modernidade. Sua autoridade seria minada e, como Santo Tomás advertiu em tais casos, a disciplina seria abalada, levando a apelos por mudanças muito mais radicais no futuro.
Legitimando a Dissidência
A imposição das reformas da Semana Santa encorajou a dissidência e o desprezo pela lei porque o Papa foi visto como aquiescente com aqueles que haviam agido contra a lei litúrgica por décadas antes do Maxima Redemptionis. Apesar de seu aviso de que ninguém deve introduzir inovações não autorizadas na liturgia, sua aquiescência na dissidência generalizada foi um incentivo para os progressistas cometerem mais violações na expectativa de que a Igreja oficial acabaria por "alcançá-los" mais uma vez.
Outra consequência infeliz da decisão do Papa Pio XII de reformar as cerimônias da Semana Santa foi que a desobediência daqueles que implementaram as mudanças antes de serem aprovadas, e que promoveram ainda mais mudanças, foi tolerada em princípio. Feito isso com algo tão sagrado como a liturgia, e com base em um conjunto de opiniões prevalecentes no Movimento Litúrgico, foi dado o sinal de que outras mudanças consideradas urgentes ou “pastorais” também poderiam ser feitas sob algum pretexto forjado. (6)
O que isso significa na prática é que a autoridade tanto da liturgia quanto da tradição foi enfraquecida na medida em que foi colocada a serviço de um princípio do Progressismo - o da "participação ativa." E foi o Progressismo que encontraria seu triunfo final na Constituição do Vaticano II Sacrosanctum Concilium sobre a Liturgia.
Nas reformas da Semana Santa, podemos ver claramente tomando forma o plano básico para mutações de maior alcance, não apenas no culto Católico, mas também na teologia e no conceito de sacerdócio.
Continua
- Ver o Decreto Geral Cum Nostra Hac Aetate, AAS, 23 de março de 1955, p. 218, que trouxe mudanças nas rubricas do Missal Romano e do Breviário no sentido de uma maior “simplificação.” Isso consistia principalmente em eliminar a maioria das oitavas e vigílias do calendário romano. Das 18 oitavas em uso antes de 1955, todas menos três (Páscoa, Pentecostes, Natal) foram eliminadas na reforma, incluindo as oitavas da Epifania, Corpus Christi, da Ascensão e da Imaculada Conceição. Aproximadamente metade das vigílias desapareceu na reforma. O Pai Nosso, Ave Maria e o Credo recitados no início de cada hora litúrgica foram abolidos; da mesma forma, a Antífona final de Nossa Senhora, exceto nas Completas. Bugnini, que havia planejado o projeto, não teve escrúpulos quanto ao seu papel. Veja Annibale Bugnini, A Simplificação das Rubricas, Trans. LJ Doyle, Collegeville: Doyle e Finegan, 1955.
- 29 de julho de 1957, Sagrada Congregação dos Ritos, Seção Histórica, Memória, suplemento IV, Consulta do Episcopado a respeito de uma reforma do Breviário Romano: Resultados e Conclusões, p. 36, apud Thomas Richstatter OFM, Liturgical Law. New Style, New Spirit, Chicago: Franciscan Herald Press, 1977, p. 40. É interessante notar que apenas 8% dos Bispos queriam a mudança do Breviário, o que com toda probabilidade corresponde à porcentagem de Bispos que apoiam os objetivos do Movimento Litúrgico. A mesma fonte revela que apenas 17% dos Bispos pediram permissão para o uso do vernáculo pelo menos em algumas partes do Breviário; eles eram superados em número por aqueles que pediam explicitamente que o Latim fosse retido para o bem do sacerdócio. (ibid., p. 39)
- 29 de julho de 1957, Sagrada Congregação dos Ritos, Historical Section, Memoria, pp. 101-2, apud Thomas Richstatter, Liturgical Law. New Style, New Spirit, pp. 40-41
- Frederick McManus, Os Ritos da Semana Santa: Cerimônias, Preparação, Música, Comentários, Paterson, Nova Jersey: St Anthony Guild Press, 1956, p. v.
- O Rubicão também foi o lugar onde César disse ter pronunciado a famosa frase “alea iacta est” (a sorte está lançada), significando que a situação que ele criou era irreversível.
- Estes não se limitariam à liturgia, mas poderiam abarcar “novos entendimentos” da Fé, da Igreja, de outras religiões, do casamento e da vida familiar, das necessidades humanas, etc.
Postado em 8 de dezembro de 2021
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