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Questões Socio-políticas
Liberalismo, Socialismo, Feudalismo - VII
O Papel das Autoridades Locais e Costumes
Plinio Corrêa de Oliveira
Com base nas descrições que fizemos em artigos anteriores do feudalismo medieval fundado no princípio da subsidiariedade (aqui, aqui
e aqui), vemos que a organização social era composta por uma grande rede de pequenas células que dirigiam a vida do homem na medida em que ele precisava de orientação, e que essa rede era inter-relacionada e interdependente.
Para dar uma ideia exata do papel da autoridade naquela época, os senhores devem imaginar um homem que tem autoridade apenas sobre uma rua. Suponhamos que esta seja uma rua de carpinteiros, todos os carpinteiros da cidade vivem e trabalham lá; sua associação também está localizada ali, e eles elegem um prefeito para administrar seus interesses comuns.
Um carpinteiro / prefeito medieval vivia na rua onde trabalhava e exercia seu cargo |
O prefeito daquela única rua tem muito mais contato pessoal com as pessoas que vivem ali do que qualquer prefeito de uma grande cidade. Imagine o prefeito de São Paulo, que tem autoridade sobre mais de 15 milhões de pessoas, e compare isso com o prefeito dessa rua de uma cidade da Idade Média.
Hoje, em uma grande metrópole, a maioria dos cidadãos que elegem o prefeito não tem contato pessoal com ele durante os quatro anos de seu mandato. Sua autoridade está muito distante de suas vidas diárias.
Mas isso não aconteceu no caso do prefeito daquela rua. Ele morava naquela rua, conhecia todo mundo dali, cruzando o caminho com os moradores várias vezes ao dia. Quando alguém precisava de algo – o lixo que não foi coletado na frente de sua loja, por exemplo – ele não precisava pedir uma consulta ou esperar que sua ligação fosse respondida.
Ele simplesmente caminhava até a casa do prefeito e dizia: “Sr. Prefeito, o lixeiro Sr. Serapião se esqueceu de limpar a rua em frente à minha loja.” O prefeito lhe respondia: – “É mesmo?” Em seguida, os dois iriam juntos falar com o Sr. Serapião, que também morava perto, e lhe pedir para limpar aquela área.
Esse prefeito tinha uma relação estreita e pessoal com cada um de seus constituintes. Esta é a maneira mais forte de exercer influência no governo. É muito mais eficiente para um homem influenciar sua própria rua do que influenciar seu Estado. Ele não vive em um estado abstrato, mas influencia sua cidade e seu estado pela influência que tem em sua própria rua.
O resultado é que ele interviria na questão pública, na direção do poder público, simplesmente entrando em contato com quem exercia autoridade em sua rua ou bairro, no caso de um bairro pequeno.
Este mesmo procedimento se aplica a outros trabalhadores manuais. Se ele tem contato pessoal com os 20, 50 ou 100 colegas de sua associação, ele pode ir diante deles para expor seus pontos de vista, e essas opiniões têm um peso. Na hora de eleger um novo presidente daquela pequena associação, seu voto tem importância. Meu voto para eleger um prefeito de São Paulo, porém, diluído nos milhões e milhões de outros votos, vale quase nada.
Um poder público é fortemente influenciado pela ação individual em pequenos grupos. Esta é uma forma de democracia. Todos aqueles que vêm de cidades do interior sabem que nas pequenas cidades o peso de cada pessoa é muito maior do que nas grandes cidades. Não há comparação.
O papel dos costumes no feudalismo
Outro aspecto democrático da sociedade medieval era o papel dos costumes. Uma vez estabelecido um costume, ele passava a ter certo direito. Imaginem, por exemplo, que um homem desde tempos imemoriais tivesse o hábito de manter seu cavalo em local público amarrado a um poste do lado de fora do prédio onde morava.
Se essa prática continuasse por duas ou três gerações, ninguém mais poderia violar esse costume; tornou-se um direito adquirido porque foi implicitamente aprovado por todos; teve o valor efetivo de um plebiscito. Assim, a menos que se demonstrasse prejudicial à comunidade, esse costume subsistiria. O homem não precisava pagar nenhuma taxa para garantir seu direito de amarrar seu cavalo ali. Foi aceito por todos.
A associação dos arqueiros, acima, tinha seus costumes e leis
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Este é um exemplo de como os costumes davam origem a certos direitos para uma pessoa ou família. Este sistema foi tão longe que algumas famílias tinham costumes diferentes de herança. Para mostrar sua validade no tribunal, caso fossem contestados, eles precisavam apenas provar que esse era o costume de sua família, e o juiz consideraria esse costume como a lei e daria sua sentença de acordo.
Em uma região da França, havia um curioso costume de herança. Em vez de deixar a herança para o filho mais velho, quando o pai morresse, a fortuna da família iria para o mais novo. As pessoas daquela região adotaram esse costume porque acreditavam que o filho mais novo seria mais capaz do que o mais velho de lutar e liderar batalhas por um longo período de tempo. Portanto, a herança era transmitida a ele. Assim, quando alguém daquela região levasse um caso de herança ao Rei para ser julgado, o Rei levaria esse costume em devida consideração para emitir uma sentença justa.
Portanto, a grande maior parte das leis foi construída sobre costumes, que o Rei só anularia se se tornassem injustas por algum motivo. Caso contrário, os costumes seriam considerados lei.
Sem políticos profissionais
Um subproduto interessante desse sistema é que não havia espaço para políticos profissionais. Voltemos ao exemplo do homem que foi eleito prefeito de uma rua. Ele não fez daquele cargo uma profissão. Ele ocupou o cargo e exerceu suas funções junto com o cargo que já exercia. Ele era um carpinteiro, não um político.
Comerciantes e camponeses locais em uma reunião para discutir seus pontos de vista |
Outro exemplo. Um senhor feudal que governava a região de suas terras, foi antes de tudo um fazendeiro, não um governador. Ele vivia de suas terras e, portanto, estava interessado em fazer com que sua área produzisse para cumprir seu contrato com seu próprio senhor de quem recebera suas terras. Ele também tinha interesse em adquirir prestígio entre seus pares e tinha que sustentar sua família. Só secundariamente ele era o governador daquelas terras. Ele não era, portanto, um político profissional.
Analogamente, cada um era um profissional da sua área e, como cada função tem algum aspecto político contíguo, cada um interviria indiretamente na política por um processo semelhante. Todos tinham uma participação na política no que os ocupava, mas o político profissional como os que temos hoje não existia.
Mesmo aqueles eleitos para cargos públicos – um representante da Câmara Municipal – não ocupavam o cargo em regime de tempo integral. A câmara teria uma ou duas reuniões por semana. Este pequeno número de reuniões é consequência do princípio da subsidiariedade. Como cada bairro governava a si mesmo, a câmara municipal não tinha muito o que fazer. Assim, um indivíduo não poderia se tornar um político municipal em tempo integral. Ele precisava ter outra profissão e apenas exercer a municipalidade paralelamente. A classe política não existia.
Feudalismo, melhor do que Liberalismo ou Socialismo
Os prefeitos de hoje - políticos profissionais - estão muito distantes da vida cotidiana das pessoas |
Portanto, o sistema inspirado no princípio da subsidiariedade não tinha os defeitos do liberalismo nem os do socialismo. No sistema medieval, todos tinham influência sobre o Estado, mas uma influência que estava ligada ao seu campo imediato de ação e interesse.
A política existia apenas em relação aos interesses das diferentes profissões e à vida quotidiana de cada um, num ambiente no qual cada um se ocupava das preocupações da sua vida.
Isso é profundamente diferente de como funciona o Estado liberal democrático, no qual há uma classe de políticos que existe para fazer leis incessantemente e ocupar cargos públicos. De vez em quando, esses detentores de cargos são eleitos por uma enorme massa de pessoas. Essas pessoas não conhecem os políticos em si e, exceto nessas eleições, não têm influência pessoal sobre o que acontece no domínio público.
O sistema medieval era muito mais democrático, no bom sentido da palavra. Não era igualitário nem liberal, mas mais democrático. Em outra ocasião, pretendo demonstrar que o sistema medieval teve, no entanto, uma igualdade legítima e uma liberdade legítima.
Postado em 17 de janeiro de 2022
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