Questões Tradicionalistas
Missa de Diálogo - XXVII
A Ideia de Jungmann do 'Sacrifício da Igreja'
Jungmann esboçou a doutrina da Missa do Concílio de Trento, mas a interpretou da seguinte forma:
Isso nada mais é do que a “democratização” da Igreja que o Beneditino Dom Lambert Beauduin havia reivindicado em seu Manifesto de 1909 e que perdura no Novus Ordo, como evidenciam os seguintes extratos da atual Instrução Geral do Missal Romano:
34. Dado que a celebração da Missa, por sua natureza, tem um caráter “comunitário,” tanto os diálogos entre o sacerdote e os fiéis reunidos como as aclamações são de grande importância; pois não são apenas sinais exteriores de celebração comunitária, mas promovem e realizam a comunhão entre sacerdote e povo.
35. As aclamações e as respostas dos fiéis às saudações e orações do sacerdote constituem aquele nível de participação ativa que deve ser feita pelos fiéis reunidos em todas as formas da Missa, para que a ação de toda a comunidade se expresse claramente.
Aqui também podemos ver a influência de de la Taille, que acreditava que é toda a comunidade que ocupa o lugar principal na oferta do sacrifício na Missa. (6) Ele também sustentou que Cristo não é imolado no altar, mas apenas oferecido novamente pelo padre e pelo povo.
Os leigos concelebrantes
Ao longo de sua carreira como liturgista, Jungmann destacou que a Missa (que muitas vezes ele preferia chamar de Eucaristia) é um serviço de louvor e ação de graças realizado por toda a comunidade. Ele atribuiu esse padrão de adoração aos primeiros Cristãos e acreditava que ele havia desaparecido quando assumido pelo sacerdócio ordenado:
“O caráter corporativo do culto público, tão significativo para o Cristianismo primitivo, começou a desmoronar nas fundações.” (7)
A esse respeito, ele mencionou a “concelebração dos leigos” (8) como uma característica desejável que ele desejava que a Igreja “restaurasse” – juntamente com outras noções ilusórias, como procissões do ofertório, etc.
A tese do “sacrifício da Igreja” (que ele havia escolhido do Pe. Maurice de la Taille) não estava de acordo com o ensinamento tradicional que formou a fé dos Católicos por séculos.
Em um Congresso Litúrgico em Munique em 1955, ele pediu por um novo entendimento da Missa, um “despertar do significado da Missa como uma genuína oferta comunitária” sob a alegação de que “perdemos, ao longo dos séculos, o sentido da liturgia.” (9)
No Congresso de Assis de 1956, Pe. Ferdinand Antonelli também lamentou que “as pessoas tenham sido separadas, infelizmente, da verdadeira vida litúrgica. É preciso um paciente trabalho de reeducação, espiritual e técnica, para reconduzi-los a uma participação ativa, esclarecida, pessoal e comunitária. Este é um trabalho que não se faz em um ano. Pode exigir gerações. Mas deve começar.” (10)
Jogando a Tradição pelo buraco da memória
Aqui temos a admissão de um dos liturgistas mais influentes da Igreja de que um programa de “reeducação” deve ser implementado para mudar a perspectiva daqueles que têm visões “erradas” (ou seja, tradicionais) ou que resistem às reformas.
A característica mais evidente do Padre Antonelli é a afirmação sua sutil de conotações totalitárias, que imitavam uma técnica que os Estados Socialistas têm praticado universalmente – a imposição do controle do pensamento por meio de um processo de lavagem cerebral. Faz lembrar os buracos da memória Orwelliana nos quais verdades inaceitáveis podem ser lançadas e, assim, apagadas dos anais da história. (11)
Metaforicamente falando, esse foi o destino do Quo Primum, do Papa Pio V, que foi colocado na frente de todas as edições típicas do Missal Romano impresso de 1570 a 1962, mas foi sem a cerimônia “despejada” quando o Novus Ordo Missae foi publicado em 1969.
De fato, o sucesso da reeducação litúrgica em produzir uma amnésia maciça e repentina entre os fiéis foi posteriormente verificado pelo Pe. Frederick McManus (um dos principais liturgistas e participante do Congresso de Assis de 1956). Sem demonstrar o menor escrúpulo ou arrependimento por ter provocado uma revolução, afirmou:
“A liturgia Eucarística reformada do rito Romano é uma realização extraordinária e revolucionária. Depois de quatro séculos de crescente rigidez de texto e forma, quase da noite para o dia a liturgia Romana mudou tão notavelmente que características outrora familiares do rito pré-conciliar são agora tão remotas para nós quanto algum ritual aborígene obscuro.” (12) [ênfase adicionada]
Não é preciso muita observação para perceber nesta observação o espírito do Modernismo, que exalta as reformas litúrgicas em detrimento da tradição e se deleita em obliterar o passado. Demonstra a rapidez com que o Quo Primum (13) de Pio V foi proscrito fora do roteiro eclesiástico por reformadores que buscavam apressar seu desaparecimento.
Podemos ainda fazer uma comparação com a Revolução Cultural na China de 1966 a 1976 (aliás, o momento em que a primeira grande onda de destruição universal foi desencadeada na Igreja pela Revolução Conciliar). Foi quando o povo chinês foi forçado a rejeitar os “Quatro Velhos”: Velhos Costumes, Velha Cultura, Velhos Hábitos e Velhas Ideias.
Assim como aqueles que aderiram aos “Quatro Velhos” foram enviados para campos de reeducação, os Católicos que se apegaram aos velhos costumes foram doutrinados a aceitar mudanças rápidas e radicais que não tinham nenhuma semelhança com o passado. Os padres, especialmente, foram intimidados à submissão a Mao por apelos semelhantes à “autoridade do Vaticano II” e por sanções oficiais (incluindo excomunhão) invocadas contra eles.
A história da liturgia como refletida em uma lente distorcida
Jungmann escreveu o que era basicamente uma visão revisionista do desenvolvimento litúrgico da Igreja desde os primeiros tempos Cristãos. Ele começou com o que queria provar e depois trabalhou para trás, encontrando “confirmação” de suas teorias preconcebidas nos eventos da história litúrgica.
Como vimos, Jungmann era dado a muitas especulações precipitadas e permitia que sua imaginação preenchesse as lacunas onde faltavam evidências. Ele também buscaria evidências, ainda que tênues, em algum sínodo obscuro ou observação casual de um observador contemporâneo sobre práticas litúrgicas nos primeiros séculos da Igreja, e assumiria que era a prática universal na Igreja.
Daí a existência, como vimos, de alguns erros factuais notáveis, manipulação dos registros históricos e até mesmo alguns casos de pura falsidade espalhados por toda a sua obra.
Infelizmente, muitos Bispos e padres do Vaticano II estavam dispostos a endossar cegamente as hipóteses de Jungmann sem se preocupar em ver como ele realmente chegou às suas conclusões falsas. Se tivessem feito isso, teriam visto que muitas de suas teorias eram simplesmente neo-modernismo vestido com falsos trajes acadêmicos.
É uma indicação de quão ineficaz a Igreja de Pio XII foi no combate ao Progressismo que praticamente não havia ninguém no Vaticano disposto a responsabilizar ele ou seus colegas progressistas. Na esfera prática, quando se tratava de limpar os estábulos de Augias, Pio XII tinha toda a eficácia de um espanador. Embora a tese de Jungmann minasse a crença na verdadeira natureza da Missa e do sacerdócio, ele recebeu um lugar de honra no Congresso de Assis.
No próximo artigo, veremos mais alguns exemplos do uso de táticas de propaganda de Jungmann para denegrir e desacreditar a venerável liturgia da Igreja aos olhos dos fiéis.
Continua
“Dada a atualidade do tema deste artigo (4 de janeiro de 2016), TIA do Brasil resolveu republicá-lo - mesmo se alguns dados são antigos - para benefício de nossos leitores.”
Postado em 6 de abril de 2022
- “A Missa é uma celebração para a qual a Igreja se reúne.” (1)
- “É uma festa que apresenta a Deus uma ação de graças, uma oferta, até mesmo um sacrifício. (2)
- É “uma expressão da auto-oferta da Igreja.” (3)
- “É o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Igreja. Em nosso estudo litúrgico, não podemos tratar o sacrifício da Igreja como uma questão secundária.” (4)
Jungmann introduziu a nova tese do 'sacrifício da Igreja'
Isso nada mais é do que a “democratização” da Igreja que o Beneditino Dom Lambert Beauduin havia reivindicado em seu Manifesto de 1909 e que perdura no Novus Ordo, como evidenciam os seguintes extratos da atual Instrução Geral do Missal Romano:
34. Dado que a celebração da Missa, por sua natureza, tem um caráter “comunitário,” tanto os diálogos entre o sacerdote e os fiéis reunidos como as aclamações são de grande importância; pois não são apenas sinais exteriores de celebração comunitária, mas promovem e realizam a comunhão entre sacerdote e povo.
35. As aclamações e as respostas dos fiéis às saudações e orações do sacerdote constituem aquele nível de participação ativa que deve ser feita pelos fiéis reunidos em todas as formas da Missa, para que a ação de toda a comunidade se expresse claramente.
Aqui também podemos ver a influência de de la Taille, que acreditava que é toda a comunidade que ocupa o lugar principal na oferta do sacrifício na Missa. (6) Ele também sustentou que Cristo não é imolado no altar, mas apenas oferecido novamente pelo padre e pelo povo.
Os leigos concelebrantes
Ao longo de sua carreira como liturgista, Jungmann destacou que a Missa (que muitas vezes ele preferia chamar de Eucaristia) é um serviço de louvor e ação de graças realizado por toda a comunidade. Ele atribuiu esse padrão de adoração aos primeiros Cristãos e acreditava que ele havia desaparecido quando assumido pelo sacerdócio ordenado:
Participação plena das pessoas que compartilham o papel do padre, considerado presidente da comunidade
A esse respeito, ele mencionou a “concelebração dos leigos” (8) como uma característica desejável que ele desejava que a Igreja “restaurasse” – juntamente com outras noções ilusórias, como procissões do ofertório, etc.
A tese do “sacrifício da Igreja” (que ele havia escolhido do Pe. Maurice de la Taille) não estava de acordo com o ensinamento tradicional que formou a fé dos Católicos por séculos.
Em um Congresso Litúrgico em Munique em 1955, ele pediu por um novo entendimento da Missa, um “despertar do significado da Missa como uma genuína oferta comunitária” sob a alegação de que “perdemos, ao longo dos séculos, o sentido da liturgia.” (9)
No Congresso de Assis de 1956, Pe. Ferdinand Antonelli também lamentou que “as pessoas tenham sido separadas, infelizmente, da verdadeira vida litúrgica. É preciso um paciente trabalho de reeducação, espiritual e técnica, para reconduzi-los a uma participação ativa, esclarecida, pessoal e comunitária. Este é um trabalho que não se faz em um ano. Pode exigir gerações. Mas deve começar.” (10)
Jogando a Tradição pelo buraco da memória
Aqui temos a admissão de um dos liturgistas mais influentes da Igreja de que um programa de “reeducação” deve ser implementado para mudar a perspectiva daqueles que têm visões “erradas” (ou seja, tradicionais) ou que resistem às reformas.
O Vaticano II jogou a Tradição no buraco da memória Orwelliana e a destruiu na fornalha ardente
Metaforicamente falando, esse foi o destino do Quo Primum, do Papa Pio V, que foi colocado na frente de todas as edições típicas do Missal Romano impresso de 1570 a 1962, mas foi sem a cerimônia “despejada” quando o Novus Ordo Missae foi publicado em 1969.
De fato, o sucesso da reeducação litúrgica em produzir uma amnésia maciça e repentina entre os fiéis foi posteriormente verificado pelo Pe. Frederick McManus (um dos principais liturgistas e participante do Congresso de Assis de 1956). Sem demonstrar o menor escrúpulo ou arrependimento por ter provocado uma revolução, afirmou:
“A liturgia Eucarística reformada do rito Romano é uma realização extraordinária e revolucionária. Depois de quatro séculos de crescente rigidez de texto e forma, quase da noite para o dia a liturgia Romana mudou tão notavelmente que características outrora familiares do rito pré-conciliar são agora tão remotas para nós quanto algum ritual aborígene obscuro.” (12) [ênfase adicionada]
Não é preciso muita observação para perceber nesta observação o espírito do Modernismo, que exalta as reformas litúrgicas em detrimento da tradição e se deleita em obliterar o passado. Demonstra a rapidez com que o Quo Primum (13) de Pio V foi proscrito fora do roteiro eclesiástico por reformadores que buscavam apressar seu desaparecimento.
Podemos ainda fazer uma comparação com a Revolução Cultural na China de 1966 a 1976 (aliás, o momento em que a primeira grande onda de destruição universal foi desencadeada na Igreja pela Revolução Conciliar). Foi quando o povo chinês foi forçado a rejeitar os “Quatro Velhos”: Velhos Costumes, Velha Cultura, Velhos Hábitos e Velhas Ideias.
Assim como aqueles que aderiram aos “Quatro Velhos” foram enviados para campos de reeducação, os Católicos que se apegaram aos velhos costumes foram doutrinados a aceitar mudanças rápidas e radicais que não tinham nenhuma semelhança com o passado. Os padres, especialmente, foram intimidados à submissão a Mao por apelos semelhantes à “autoridade do Vaticano II” e por sanções oficiais (incluindo excomunhão) invocadas contra eles.
A história da liturgia como refletida em uma lente distorcida
Jungmann escreveu o que era basicamente uma visão revisionista do desenvolvimento litúrgico da Igreja desde os primeiros tempos Cristãos. Ele começou com o que queria provar e depois trabalhou para trás, encontrando “confirmação” de suas teorias preconcebidas nos eventos da história litúrgica.
Uma visão comum hoje: sacerdotes celebrando a Missa com a plena participação do povo
Daí a existência, como vimos, de alguns erros factuais notáveis, manipulação dos registros históricos e até mesmo alguns casos de pura falsidade espalhados por toda a sua obra.
Infelizmente, muitos Bispos e padres do Vaticano II estavam dispostos a endossar cegamente as hipóteses de Jungmann sem se preocupar em ver como ele realmente chegou às suas conclusões falsas. Se tivessem feito isso, teriam visto que muitas de suas teorias eram simplesmente neo-modernismo vestido com falsos trajes acadêmicos.
É uma indicação de quão ineficaz a Igreja de Pio XII foi no combate ao Progressismo que praticamente não havia ninguém no Vaticano disposto a responsabilizar ele ou seus colegas progressistas. Na esfera prática, quando se tratava de limpar os estábulos de Augias, Pio XII tinha toda a eficácia de um espanador. Embora a tese de Jungmann minasse a crença na verdadeira natureza da Missa e do sacerdócio, ele recebeu um lugar de honra no Congresso de Assis.
No próximo artigo, veremos mais alguns exemplos do uso de táticas de propaganda de Jungmann para denegrir e desacreditar a venerável liturgia da Igreja aos olhos dos fiéis.
Continua
- Jungmann, Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 175
- Ibid.
- Ibid., p. 194
- Ibid., p. 179
- Jungmann, ibid., vol. 2, p. 226
- 6. “A Igreja ocupa o lugar principal na oferta, assim como a devoção da Igreja na determinação do valor do sacrifício.” (Mysterium Fidei, Paris, 1921, p. 32)
- Jungmann, Pastoral Liturgy (New York, Herder and Herder, 1962), p. 60
- Jungmann, A Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 117
- Sylvester Theisen, 'Liturgistas em Munique', The Tablet, 17 September 1955
- 'A Reforma Litúrgica da Semana Santa, sua importância, realizações e perspectivas', La Maison-Dieu, n. 47-48, Editions du Cerf, 1956, p. 244.
- No romance de George Orwell, Nineteen Eighty-Four, o buraco da memória era um tubo de vácuo no qual documentos antigos considerados politicamente incorretos eram despachados e “seriam levados por uma corrente de ar quente para as enormes fornalhas que estavam escondidas em algum lugar do edifício.”
- Frederick McManus, ‘The Genius of the Roman Rite Revisited,’ in Worship, vol. 54, n.4, July, 1980, p. 360
- Em 1570, o Papa São Pio V emitiu o decreto solene Quo Primum pelo qual codificou a Missa tradicional do Rito Romano e ordenou que fosse usada em todo o mundo Católico “em perpetuidade.”
“Dada a atualidade do tema deste artigo (4 de janeiro de 2016), TIA do Brasil resolveu republicá-lo - mesmo se alguns dados são antigos - para benefício de nossos leitores.”
Postado em 6 de abril de 2022
______________________
______________________
Volume I |
Volume II |
Volume III |
Volume IV |
Volume V |
Volume VI |
Volume VII |
Volume VIII |
Volume IX |
Volume X |
Volume XI |
Edição Especial |