Questões Tradicionalistas
Missa de Diálogo - XXXIII
O Arquiteto da Reforma Litúrgica
Explica o Vaticano II
Alguns anos depois da Constituição sobre a Liturgia (1963), o Pe. J. A. Jungmann revelou a lógica interna – ou melhor, a racionalização absurda – da reforma litúrgica em que o povo teria um papel mais proeminente na liturgia do que Cristo agindo por meio de seu representante, o sacerdote. Sua interpretação da Constituição pode ser considerada a expressão autêntica da reforma litúrgica que culminou na Missa Novus Ordo porque, como vimos, ele foi o arquiteto mais influente da Sacrosanctum Concilium e das reformas pós-conciliares. Foi assim que, em 1967, ele imaginou e previu a Missa Novus Ordo:
“A reforma deve trabalhar para uma forma de culto que fale por si e não exija muitas explicações. Isso significa que as ornamentações, que se originam do estilo das cortes reais e do desejo de pompa ou mesmo da forma de piedade de tempos antigos, devem desaparecer, e que os santos mistérios devem ter uma expressão simples intimamente ligada à vida e sentimento do povo. Cerimônias desnecessárias devem ser evitadas.” [ênfase adicionada] (1)
Desprezo pela Tradição
Isso revela um plano calculado para demolir todos os símbolos de transcendência que despertavam um sentimento de admiração diante da presença de Deus e reduzir os mistérios insondáveis a algumas fórmulas simples que expressam “a vida e o sentimento do povo.” A reforma baniria Deus do centro da liturgia (como aconteceu na Missa Novus Ordo que se seguiu), juntamente com o espírito de adoração, a presença de mistério e a atmosfera de santidade que caracterizava a Missa tradicional.
O absurdo da reforma do Vaticano II está no fato de que uma Igreja que se distinguia pela ortodoxia e beleza de sua liturgia estava agora sendo condenada por sua fidelidade à Tradição. É o mesmo que dizer que se não fosse a Tradição Católica, tudo na Igreja estaria bem.
A Presença Real
A principal objeção de Jungmann à prática da adoração Eucarística era que ela encorajava os fiéis a se concentrarem na Presença Real e desviava a atenção da atividade da comunidade reunida. Em apoio a esta teoria, cara ao Movimento Litúrgico, ele citou o Corpus Mysticum, do colega jesuíta Henri de Lubac, (2) que já havia sido condenado pelo Santo Ofício em 1950 por “erros perniciosos em pontos essenciais do dogma.” (3)
Jungmann recomendou especialmente o capítulo final deste livro em que de Lubac apresentou uma teoria, extraída de seus estudos de ressourcement (resssourcement = voltar às fontes), que a doutrina da Presença Real só entrou na Igreja no século 9. (4) Em sua opinião, esta “novidade” levou a Igreja medieval a desenvolver uma falsa concepção da Eucaristia como o verum Corpus, o verdadeiro Corpo de Cristo. (5) Esse título, argumentou de Lubac, pertencia por direito ao corpo de pessoas unidas em torno da Eucaristia e deveria ser transferido para eles (6) na suposição de que essa era a crença original dos primeiros Cristãos.
De Lubac também desacreditou os teólogos medievais ortodoxos (entre os quais devemos incluir principalmente São Tomás de Aquino), acusando-os de serem tão fixados na doutrina da transubstanciação e da Presença Real que negligenciaram a importância do povo reunido. Pior ainda, ele acusou,que a doutrina da Presença Real foi uma causa de divisão na Igreja porque fez com que as pessoas (o “verdadeiro Corpo de Cristo”) se tornassem “desapegadas da Eucaristia.” (7) Essa falsa acusação tornou-se o paradoxo central do Movimento Litúrgico, uma espécie de dialética hegeliana, que se resolveria apagando a distinção entre Cristo e o povo, entre o sobrenatural e o natural, a graça e a natureza, e fingindo que eles são idênticos.
Isso era, claro, típico de Lubac e parte da Nouvelle Théologie. (8) Onde isso deixa a Presença substancial de Cristo no Sacramento do Altar? Na teologia de Lubac, não havia necessidade de se preocupar com uma real e objetiva Presença de Cristo nas Sagradas Espécies, porque o povo é o “verdadeiro Corpo de Cristo” e Cristo já está imanente na comunidade antes mesmo do recebimento do Sacramento. Também não havia necessidade de um milagre extrínseco (transubstanciação) mediado pelo padre para realizar a Presença Real no altar, porque, para Lubac, era a atividade do povo que fazia a Eucaristia existir. (9) O Santíssimo Sacramento foi reduzido a um símbolo, um sinal de sua “solidariedade” e “unidade.”
Como todos os progressistas, Jungmann não aprovava dar ao Santíssimo Sacramento seu tradicional lugar de honra, como deixam claro as seguintes queixas injustificadas:
“Na igreja, o tabernáculo ocupa o lugar central e supera o altar em importância. Difunde-se a ideia de que a Igreja é antes de tudo a casa de Deus... Desenvolve-se uma piedade sacramental que, mesmo dentro da Missa, valoriza e compreende apenas a Consagração... Nem todos estes desenvolvimentos podem ser aprovados. Pois o resultado de uma ênfase muito abrangente foi isolar o Santíssimo Sacramento do contexto original de sua fundação [uma refeição a ser compartilhada]. Uma visão estática do Sacramento tornou-se muitas vezes predominante; o principal interesse centrado na Presença permanente.” (10)
Mas, a presença permanente no Sacramento do Altar sempre foi o ponto focal da Igreja e da Missa desde os tempos Apostólicos. A crença Católica na realidade da Eucaristia (que São Tomás de Aquino chamou de res et sacramentum) é muito anterior ao costume de tabernáculos fixos e permanentes.
Foi somente com o Movimento Litúrgico que o foco principal de atenção seria desviado do Santíssimo Sacramento para a “participação ativa” do povo, do culto da Eucaristia para uma “autocelebração” do povo, ou seja, ao culto do homem.
Uma vez que a presença permanente era considerada um obstáculo à “participação ativa” exigida pela Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II, algumas mudanças radicais foram consideradas necessárias para corrigir o que era uma situação duradoura e (para os liturgistas reformadores) intolerável.
'Veja o que o inimigo fez no Santuário' (Salmo 73,3)
Assim, eles persuadiram as Conferências Nacionais de Bispos de todo o mundo a fazer as seguintes mudanças litúrgicas especialmente destinadas a alterar a crença, as atitudes e o comportamento dos Católicos em relação à Presença Real:
É importante ter em mente que enquanto a devoção ao Santíssimo Sacramento sobreviveu aos assaltos da “Reforma” protestante do século 16, dificilmente poderia sobreviver aos ataques internos lançados pela própria hierarquia e clero da Igreja do século 20.
Continua
Postado em 14 de setembro de 2022
O Altar de Ouro na Igreja de San José, Cidade do Panamá, glorificando a Deus presente no Tabernáculo expressa bem o que a reforma litúrgica quer destruir
Desprezo pela Tradição
Isso revela um plano calculado para demolir todos os símbolos de transcendência que despertavam um sentimento de admiração diante da presença de Deus e reduzir os mistérios insondáveis a algumas fórmulas simples que expressam “a vida e o sentimento do povo.” A reforma baniria Deus do centro da liturgia (como aconteceu na Missa Novus Ordo que se seguiu), juntamente com o espírito de adoração, a presença de mistério e a atmosfera de santidade que caracterizava a Missa tradicional.
O absurdo da reforma do Vaticano II está no fato de que uma Igreja que se distinguia pela ortodoxia e beleza de sua liturgia estava agora sendo condenada por sua fidelidade à Tradição. É o mesmo que dizer que se não fosse a Tradição Católica, tudo na Igreja estaria bem.
A Presença Real
A principal objeção de Jungmann à prática da adoração Eucarística era que ela encorajava os fiéis a se concentrarem na Presença Real e desviava a atenção da atividade da comunidade reunida. Em apoio a esta teoria, cara ao Movimento Litúrgico, ele citou o Corpus Mysticum, do colega jesuíta Henri de Lubac, (2) que já havia sido condenado pelo Santo Ofício em 1950 por “erros perniciosos em pontos essenciais do dogma.” (3)
Jungmann recomendou especialmente o capítulo final deste livro em que de Lubac apresentou uma teoria, extraída de seus estudos de ressourcement (resssourcement = voltar às fontes), que a doutrina da Presença Real só entrou na Igreja no século 9. (4) Em sua opinião, esta “novidade” levou a Igreja medieval a desenvolver uma falsa concepção da Eucaristia como o verum Corpus, o verdadeiro Corpo de Cristo. (5) Esse título, argumentou de Lubac, pertencia por direito ao corpo de pessoas unidas em torno da Eucaristia e deveria ser transferido para eles (6) na suposição de que essa era a crença original dos primeiros Cristãos.
De Lubac também desacreditou os teólogos medievais ortodoxos (entre os quais devemos incluir principalmente São Tomás de Aquino), acusando-os de serem tão fixados na doutrina da transubstanciação e da Presença Real que negligenciaram a importância do povo reunido. Pior ainda, ele acusou,que a doutrina da Presença Real foi uma causa de divisão na Igreja porque fez com que as pessoas (o “verdadeiro Corpo de Cristo”) se tornassem “desapegadas da Eucaristia.” (7) Essa falsa acusação tornou-se o paradoxo central do Movimento Litúrgico, uma espécie de dialética hegeliana, que se resolveria apagando a distinção entre Cristo e o povo, entre o sobrenatural e o natural, a graça e a natureza, e fingindo que eles são idênticos.
Pe. Henri de Lubac, S.J.
Como todos os progressistas, Jungmann não aprovava dar ao Santíssimo Sacramento seu tradicional lugar de honra, como deixam claro as seguintes queixas injustificadas:
“Na igreja, o tabernáculo ocupa o lugar central e supera o altar em importância. Difunde-se a ideia de que a Igreja é antes de tudo a casa de Deus... Desenvolve-se uma piedade sacramental que, mesmo dentro da Missa, valoriza e compreende apenas a Consagração... Nem todos estes desenvolvimentos podem ser aprovados. Pois o resultado de uma ênfase muito abrangente foi isolar o Santíssimo Sacramento do contexto original de sua fundação [uma refeição a ser compartilhada]. Uma visão estática do Sacramento tornou-se muitas vezes predominante; o principal interesse centrado na Presença permanente.” (10)
Mas, a presença permanente no Sacramento do Altar sempre foi o ponto focal da Igreja e da Missa desde os tempos Apostólicos. A crença Católica na realidade da Eucaristia (que São Tomás de Aquino chamou de res et sacramentum) é muito anterior ao costume de tabernáculos fixos e permanentes.
Foi somente com o Movimento Litúrgico que o foco principal de atenção seria desviado do Santíssimo Sacramento para a “participação ativa” do povo, do culto da Eucaristia para uma “autocelebração” do povo, ou seja, ao culto do homem.
Uma vez que a presença permanente era considerada um obstáculo à “participação ativa” exigida pela Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II, algumas mudanças radicais foram consideradas necessárias para corrigir o que era uma situação duradoura e (para os liturgistas reformadores) intolerável.
'Veja o que o inimigo fez no Santuário' (Salmo 73,3)
Assim, eles persuadiram as Conferências Nacionais de Bispos de todo o mundo a fazer as seguintes mudanças litúrgicas especialmente destinadas a alterar a crença, as atitudes e o comportamento dos Católicos em relação à Presença Real:
- O Tabernáculo é rebaixado de sua posição central no altar e colocado em um canto ou nicho obscuro, de preferência fora de vista;
- O altar central versus Deum (voltado para Deus) foi totalmente removido ou mantido como mero fundo artístico e uma mesa versus populum (voltada para o povo), colocada no presbitério entre o altar e a assembleia, é agora onde a Nova Missa é dita;
- As devoções em honra do Santíssimo Sacramento, como Exposição, Bênção, Quarenta Horas e Procissões de Corpus Christi foram suprimidas, com a consequente perda de fé e reverência;
- Ninguém é obrigado a ajoelhar-se ao passar em frente ao Tabernáculo ou manter um silêncio reverente na igreja, mesmo quando a Missa não está sendo celebrada;
- O minimalismo tornou-se a tônica na arquitetura e decoração da igreja moderna, de modo a não haver distração visual da ação litúrgica da assembleia reunida;
- Qualquer leigo pode ser feito ministro da Eucaristia – depois de um curso rápido – e manejar e distribuir a Sagrada Comunhão a qualquer um, porque ela não é mais considerada objeto de adoração.
Christ the King Church, Bridgeport, Connecticut, é uma igreja típica do Vaticano II: sem ornamentos, sem altar tradicional, mas com uma mesa voltada para o povo, o tabernáculo fica do lado direito - ampliado abaixo
É importante ter em mente que enquanto a devoção ao Santíssimo Sacramento sobreviveu aos assaltos da “Reforma” protestante do século 16, dificilmente poderia sobreviver aos ataques internos lançados pela própria hierarquia e clero da Igreja do século 20.
Continua
- J.A. Jungmann, “Constituição sobre a Sagrada Liturgia” in H. Vorgrimler, Comentário sobre os Documentos do Vaticano II, Londres e Nova York: Burns & Oates/Herder, 1967, vol. 1, p. 24.
- J.A. Jungmann, ibid., p. 118, note 87. Corpus Mysticum: l’Eucharistie et l’Église au Moyen Age (O Corpo Místico: A Eucaristia e a Igreja na Idade Média) (1944) estava entre vários livros do Pe. Henri de Lubac condenado pelo Santo Ofício em 1950. Todos os provinciais jesuítas do mundo foram ordenados a retirá-lo de suas bibliotecas e, onde possível, de circulação pública. Também sob pressão de Roma, de Lubac foi afastado de seu cargo de Professor de Teologia na Universidade Católica de Lyon e de sua redação de Recherches de Science Religieuse. Mas, continuou escrevendo e dando conferências aos padres. Um de seus livros, Méditation sur l’Église, foi publicado em Paris em 1953 durante o período de seu silenciamento por Roma. O Arcebispo Giovanni Battista Montini (o futuro Paulo VI) teve uma versão italiana impressa em Milão em 1955 e circulou entre seus padres.
De Lubac foi reabilitado pelo Papa João XXIII, que o nomeou consultor da Comissão Teológica Preparatória do Vaticano II. Ele, então, tornou-se um perito no Conselho e membro da Comissão Teológica antes de ser nomeado Cardeal em 1983. De Lubac exerceu uma influência considerável na redação dos documentos Conciliares Dei Verbum, Lumen gentium e Gaudium et spes. Gozou da estima especial dos outros Papas conciliares, de Paulo VI a Francisco. - Henri de Lubac, A Serviço da Igreja, San Francisco: Ignatius Press, 1993, p. 68.
- Jungmann apóia este ponto de vista: “Do passado distante, o pensamento Eucarístico tomou gradualmente um novo rumo, de modo que a partir do tempo de Isidoro e das controvérsias do século 9 começou pouco a pouco a olhar para o Sacramento (omitindo seu simbolismo) quase inteiramente do ponto de vista da Presença Real.” Neste ponto Jungmann insere uma nota de rodapé referenciando o Corpus Mysticum de Lubac. Ver Jungmann, Constituição sobre a Sagrada Liturgia, p. 118.
- Este capítulo foi chamado “Du symbole à la dialectique,” (do símbolo à dialética) (pp. 255-284). Aqui, de Lubac acusou a Igreja no século 12 de separar o Corpo sacramental de Cristo do Corpo eclesial de Cristo. Ele chamou isso de “une césure meurtrière” (uma ruptura mortal), alegando que destruiu a unidade simbólica de Cristo e da Igreja.
- De Lubac pretendia provar que os Escolásticos medievais haviam invertido o entendimento original da Igreja sobre a Eucaristia. Enquanto eles definiram o Corpo de Cristo sacramentalmente presente no altar como o “verdadeiro Corpo” (verum Corpus) de Cristo e a Igreja como Seu “Corpo Místico,” de Lubac apontou que alguns teólogos pré-medievais haviam entendido esses títulos de maneira inversa. Ao meramente fazer malabarismos com esses títulos, ele procurou provar que a teologia sacramental medieval havia se desviado do conceito original da Eucaristia mantido pelos primeiros Cristãos. Mas, ele não conseguiu provar que o conteúdo da Fé havia mudado e poderia continuar mudando com o tempo. Na verdade, teria sido impossível para ele fazê-lo; pois São Tomás de Aquino havia demonstrado habilmente que “os artigos de Fé não são baseados em mera opinião, mas na verdade e, portanto, não podem mudar.” (Papa Pio XI, Studiorum Ducem, 29 de junho de 1923)
- De Lubac, Corpus Mysticum, p. 283. Foi pura especulação, produto da imaginação de De Lubac, que quando o termo “Corpo Místico” foi aplicado à Igreja, causou uma cisão entre Cristo e Sua Igreja. “Assim, a realidade última do Sacramento, que outrora era a coisa e a verdade por excelência, agora é expulsa do Sacramento. Qualquer simbolismo agora é apenas extrínseco... No momento em que se tornou corpus mysticum, o corpo eclesial já se desvinculou da Eucaristia.”
- Os praticantes da Nouvelle Théologie não aderiram à filosofia de São Tomás de Aquino e, consequentemente, não compreenderam que somente no Santíssimo Sacramento a Presença de Cristo pertence à ordem ontológica ou metafísica, à ordem do ser real. Como o Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O.P., apontou em Where Is the New Theology Leading Us? (1946): “A filosofia do ser ou ontologia é substituída pela filosofia da ação, que define a verdade não mais como função do ser, mas da ação.”
- De Lubac: “cada um de nós” na Igreja é “o principal ministro de todos os sacramentos.” Catholicisme, Paris: Éditions du Cerf,, 1952, p. 86.
- J.A. Jungmann, “Eucharistic Piety,” The Way: a Quarterly Review of Christian Spirituality, London, vol.3, n.2, 1963, p. 88.
Postado em 14 de setembro de 2022
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