Entre a Igreja e o Estado, que são consideradas sociedades perfeitas, a Igreja é a mais elevada. O que significa “perfeita” neste caso?
Costuma-se rir da Igreja, dizendo: “Os católicos tradicionalistas dizem que a Igreja é uma sociedade perfeita, mas olhe para este ou aquele Papa que era imperfeito. Como pode a Igreja pretender chamar-se uma sociedade perfeita?” Este tipo de objeção apenas prova que a pessoa que a apresenta não tem ideia do que está tratando.
A chave papal de ouro representa seu poder direto sobre a esfera espiritual, a chave de prata seu poder indireto sobre a esfera temporal |
Perfeita aqui não significa que é moralmente perfeita, mas socialmente perfeita. O termo perfeito vem do latim per factum, que significa que é uma sociedade que de fato possui todos os meios necessários para atingir o fim que lhe próprio. O objetivo do Estado é proporcionar ordem, harmonia, assistência, instrução e proteção aos seus membros. Como um Estado normalmente tem os meios para fazer essas coisas, ele é chamado de sociedade perfeita.
A Igreja é uma sociedade perfeita porque Nosso Senhor Jesus Cristo a fundou para levar as pessoas a conhecerem, amarem e servirem a Deus acima de todas as coisas e, assim, salvarem suas almas. A Igreja também se esforça para cumprir a vontade de Deus na Terra, para que a vida aqui se torne o mais semelhante possível à vida do Céu.
Para alcançar esses objetivos, Nosso Senhor estabeleceu o Papado e a Hierarquia para governarem e ensinarem a Igreja, instituiu os Sacramentos para distribuir a graça e deu a ela todos os meios necessários para ser eficiente, ordenada, harmônica e independente, além de se proteger contra os inimigos espirituais que a atacam de fora ou de dentro. Portanto, a Igreja também é uma sociedade perfeita.
Como as esferas temporal e espiritual são sociedades perfeitas e exercem influência e poder sobre as mesmas pessoas, seus campos de influência devem ser definidos para evitar conflitos.
Doutrina e História nos ensinam que o Estado não deve intervir nos assuntos da Igreja (eleições dos papas, nomeações de bispos e padres) nem no ensino moral e dogmático da Igreja, nem na emissão de suas leis. Analogamente, a Igreja não deve intervir nos assuntos do Estado, a menos que seja para evitar o pecado (ratio peccati - por motivo de pecado). Ela pode ter uma influência indireta sobre o Estado mediante as virtudes sobrenaturais que emanam dela, como a única Igreja verdadeira do único Deus verdadeiro. Mas isso não significa que ela deva intervir diretamente na esfera temporal.
Portanto, as esferas espiritual e temporal são independentes e devem ter um relacionamento harmônico. Elas precisam uma da outra para atingir seus objetivos secundários. O Estado deve fornecer proteção à Igreja contra seus inimigos temporais e dar à Igreja ajuda material caso ela precise. A Igreja deve oferecer proteção ao Estado contra seus inimigos espirituais, melhorar o relacionamento do Estado com seus súditos e inspirar seus costumes e leis a se adequarem à doutrina católica.
Ambas as esferas são perfeitas e soberanas, mas devem viver em harmonia.
Das duas sociedades perfeitas, a Igreja é a mais elevada porque seu objetivo é eterno, enquanto o objetivo do Estado é transitório. Isso não significa, no entanto, que o Estado seja dispensável. Tanto a Igreja quanto o Estado são indispensáveis. Cada um tem seu papel apropriado que não pode ser substituído – exceto temporariamente – pelo outro.
Como consequência, o padre não deve se imiscuir nos assuntos do leigo, assim como o leigo não deve entrar nos assuntos do sacerdote.
Os católicos contrarrevolucionários têm uma vocação especial para conhecer, amar e defender uma relação harmônica entre a Igreja e o Estado.
Obediência e participação no poder
Essas duas sociedades são formadas por um grande número de órgãos intermediários.
Edifícios das corporações de ofício em Bruges, acima, e na La Grand Place de Bruxelas, abaixo, ilustram sua influência
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Na medida em que o Estado mantém esses organismos intermediários e promove seu crescimento, ele é orgânico e feudal; na medida em que os sufoca ou os extingue, torna-se artificial e revolucionário.
Por exemplo, em um Estado feudal existe uma inter-relação entre ele e os membros desses órgãos intermediários, para que nenhum deles simplesmente obedeça sem poder ter voz ou influência no poder do Estado. Eu acredito que este é um ponto importante a ser destacado.
Na Idade Média, os trabalhadores de uma corporação tinham participação no governo de sua corporação, de uma forma ou de outra. As corporações tinham sua própria hierarquia – mestre artesão, companheiro e aprendiz – que era respeitada. Elas também tinham um forte componente religioso: normalmente escolhiam para santo padroeiro alguém que tivesse tido uma estreita relação com sua profissão.
Frequentemente, o presidente da fraternidade religiosa da corporação era um companheiro ou mesmo um aprendiz, e isso não perturbava a hierarquia normal existente na corporação. O mestre não se ofendia e não via isso como uma afronta à sua autoridade. Era considerado absolutamente normal.
Isso deve dar uma noção de como funcionavam os órgãos intermediários de uma sociedade orgânica. Embora houvesse uma hierarquia oficial na corporação, na prática, a autoridade contemplava muitas exceções às regras que faziam com que a instituição se arraigasse na vida das pessoas. Só a teoria não pode refletir toda a realidade.
Embora a teoria seja necessária para entender a estrutura das corporações, os leitores precisam colocar as regras entre parênteses e ver o grande número de exceções que teciam o rico tecido da realidade. Quem entende isso compreende toda a realidade, com suas regras e exceções. É difícil ter essa visão, mas também é muito mais interessante.
Nesta totalidade do quadro, vemos que as corporações frequentemente desempenhavam um papel nos assuntos administrativos de sua vila ou cidade. Não era raro que em uma cidade com fortes corporações e muitos trabalhadores, as corporações se tornassem o poder dominante da cidade.
Devemos entender que, via de regra, as classes sociais são distintas. Ao mesmo tempo, devemos entender que há muitas exceções que devem ser aceitas de maneira amigável e com boa vontade, e não com suspeita ou medo. O fato de uma organização de natureza inferior às vezes exercer um poder de natureza superior deve ser reconhecido sem dificuldade. Isso não diminuiria as organizações superiores de forma alguma.
Abadessas como governadores temporais
Ninguém se esforça mais do que a Igreja para instruir as mulheres em seu devido lugar na sociedade, ou seja, para serem sujeitas aos homens: esta é a regra.
Contudo, sob a inspiração da Igreja existiram Estados nos quais os governadores eram mulheres. Isso ocorreu nos conventos que tinham propriedades temporais tão grandes que se tornaram feudos temporais. Por esse motivo, as abadessas efetivamente receberiam títulos temporais como condessa, duquesa ou princesa daquela terra e província. De fato, elas exerciam o poder temporal sobre essas populações e eram respeitadas como governadoras.
Essa exceção à regra era feita sem um comitê de planejamento – ocorria organicamente.
Em parte de sua história, o Sacro Império Romano Alemão foi composto por cerca de 1.000 pequenos Estados. Vários desses Estados eram governados por mulheres. É perfeitamente compreensível. É orgânico.
Postado em 23 de setembro de 2019
| Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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