Um governo orgânico é, por um lado, extremamente honrado, prestigioso, respeitado e temido, com capacidade de impor medidas quando necessário a fim de cumprir o que precisa ser feito. Por outro lado, se acha muito consciente de suas próprias limitações e compreende que caso cresça a suspeita de que quer absorver a vida orgânica das regiões e explorar os povos – em vez de os coordenar e presidir – enfrentaria a resistência de todo o corpo social.
Napoleão, que era o oposto de um governador orgânico, cometeu um de seus grandes erros políticos ao tentar impor as ideias da Revolução Francesa à Espanha católica. Os espanhóis se levantaram contra ele com uma resistência tão forte e geral que nenhum poder militar poderia contê-la; nenhuma autoridade poderia governar um país nessas condições. Ele teve de deixar a Espanha.
Como estímulo para governar apenas de forma orgânica, o bom líder tem em mente que o povo pode reagir contra ele. O governo orgânico é alcançado mais por influência do que por comandos diretos.
Influenciar é atender às expectativas
Como se influencia a opinião pública em uma sociedade composta de clãs? É preciso entender que o estímulo da sociedade parte dos níveis inferiores e se dirige aos superiores. Um líder deve observar cuidadosamente se um estímulo nasce nos níveis inferiores, como deveria, e se assim for, auxiliar seu crescimento orgânico. Ele deve evitar tirar vantagem de seu cargo e prestígio para mudar artificialmente a direção de uma sociedade. Assim, vemos que o papel de quem governa é mais uma ação pedagógica para atender as boas tendências que brotam na base da sociedade do que uma imposição artificial de novas regras.
Governar é orientar as boas tendências do povo |
Esta forma de governar é incomparavelmente mais eficiente e vital do que governar despoticamente o Estado em qualquer forma de governo, seja monárquico, aristocrático ou democrático.
Eu sei que não é um trabalho fácil. Primeiro, exige um grande discernimento por parte do líder e, depois, uma capacidade de adaptação às inúmeras complexidades presentes no tecido social.
Vejamos as expectativas de uma família em uma sociedade orgânica católica. Se a família ama o sublime, isto é, sempre visa o que é mais perfeito e tende a modelar a vida na terra como imagem da vida no céu, então se confundem as expectativas dos pais e, vice-versa, as dos filhos, influenciando tanto aqueles que comandam quanto aqueles que obedecem. Os pais se adaptam e procuram corresponder às expectativas dos filhos, e os filhos fazem o mesmo para corresponder às expectativas dos pais.
Por exemplo, em vez de dar uma ordem direta ao filho desta forma: “Você deve se preparar para seguir o mesmo caminho que eu fiz e dar continuidade à nossa família,” o pai simplesmente espera que o filho siga o seu caminho, sem a necessidade de dizer.
Todas as vantagens estão nesta última forma: a criança não é obrigada a seguir esse caminho; ela é livre para seguir outras inclinações que Deus colocou em sua alma; ela não experimenta trauma caso não siga a sugestão de seu pai, e seu pai não sofre uma perda desnecessária de autoridade. Em ambos os casos, a harmonia da família é preservada. A criança correta está sempre aberta para atender às expectativas de seus pais.
Além disso, os filhos têm expectativas que os pais devem discernir. Sem ter que reclamar que sua casa deve estar limpa e arrumada o melhor possível para que possam convidar seus amigos para uma visita sem constrangimento, as crianças têm expectativas naturais de que isso aconteça. Cabe aos pais atender a essas expectativas.
O mesmo tipo de expectativas mútuas que são atendidas dentro de uma família entre pais e filhos também ocorre entre o rei e seu povo. O povo tem certas expectativas de seu rei que influenciam sua ação, e o rei tem expectativas das pessoas que influenciam suas vidas também. Essa influência mútua de expectativas desempenha um papel especial na vida de um país e é uma parte importante de um governo orgânico.
Por exemplo, se quisermos compreender objetivamente o Kaiser Wilhelm II – estou lendo um livro escrito pela governanta de sua filha – temos de perceber que muitos dos ares que assumiu e atitudes que tomou foram para atender às expectativas do povo alemão de seu tempo.
O Rei, o ápice da ordem natural
Luis XIV de Bernini |
Em seu Tratado de Direito Natural, Taparelli d’Azeglio ensina que, como as desigualdades existem naturalmente entre os homens, uma vez que uma sociedade se constitui, uma nobreza se forma naturalmente, como um banco de coral se forma nas rochas do mar. A nobreza, por sua vez, normalmente gera seu próprio pináculo, que é o rei. Na ordem temporal, o rei é, portanto, o reflexo do que há de mais excelente em uma sociedade.
Apesar de sua infidelidade, Salomão era o protótipo de um homem e de um rei; por esta razão ele representou o ápice da glória de Israel, como a Escritura nos diz.
Luís XIV, também um Rei infiel, no entanto, de alguma forma repetiu a glória de Salomão no Novo Testamento. Ele não seguiu o comando de Nosso Senhor de consagrar a França ao Seu Sagrado Coração; ele perseguiu São Luís Grignion de Montfort, que deveria ter sido seu conselheiro, e ordenou a destruição de um Calvário (1) que o Santo construiu no interior da França.
Como sabemos, ele também cometeu muitas outras infidelidades. Não obstante, ele expressou soberania na História como ninguém mais o fez. Podemos dizer que ele trouxe a noção de soberania ao seu ápice. Se ele tivesse sido fiel e governado de forma orgânica em vez de absolutista, dificilmente se poderia imaginar as excelentes páginas de História que teria escrito.
De onde vem a primeira influência: do povo ou das elites?
A influência na sociedade deve ir de baixo para cima? Ou de cima para baixo? Acredito que um meio de influência não exclui necessariamente o outro. Normalmente a Providência Divina age de ambas as maneiras simultaneamente.
Quando a Providência Divina quer atuar em um lugar, geralmente prepara o povo para receber o dom da fé e da sublimidade. Ao mesmo tempo, existe também uma pessoa na elite que recebe o brilho do sublime. Então, essa pessoa toca as pessoas e a interação de influência começa. Não é tão importante saber por onde começa a perceber que tais preparações geralmente são simultâneas.
Podemos encontrar um exemplo de como o fundo influencia o ápice, no que ocorreu durante as guerras religiosas na França. Ainda que possamos elogiar o papel da nobre Casa de Guise na luta contra o Protestantismo, se os pequenos não fossem muito, muito católicos, a França teria se tornado protestante. Não foi apenas uma ação das elites que deteve esse movimento.
Quando Henrique de Navarra, que era um huguenote, falsamente se converteu ao catolicismo, não o fez por exigência da nobreza. Esta última sabia muito bem que sua conversão era uma farsa e não se importava. Tornou-se católico para enganar os pequeninos que o imaginavam sincero e só aceitariam um católico como rei da França. Quando Henrique de Navarra tornou-se Henrique IV com sua famosa frase, “Paris vale bem uma missa,” ele disse essas palavras à nobreza...
Este episódio é um exemplo admirável de como a luz da fé e da sublimidade puderam permanecer nos pequenos, mesmo depois de terem deixado a montanha da fé e da sublimidade onde habitaram na Idade Média.
Vista parcial da fileira de palmeiras do Jardim Botânico, Rio de Janeiro |
Um exemplo de como o topo influenciou o fundo pode ser visto na estada do Rei de Portugal no Brasil no início do século 19. Quando Dom João VI (2) plantou aquela majestosa e imponente fileira de palmeiras no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ajudou a definir alguns traços da fisionomia carioca e, através do Rio, de todo o Brasil. Foi uma ação modesta, plantar aquele corredor de árvores do Jardim Botânico, mas teve um forte efeito formativo na época. Há algo de luxurioso e exuberante demais na flora tropical brasileira que o paisagismo dessas palmeiras compensa e retifica.
Esse tipo de ação do monarca é, em muitos aspectos, mais profundo e importante do que assinar leis e decretos. Mostra o papel do monarca discernindo as necessidades do povo. É uma espécie de liderança espiritual do rei.
1. Na Bretanha, França, uma devoção tradicional é construir Calvários, conjuntos de figuras esculpidas em pedra que representam a Crucificação de Nosso Senhor. Em todos os lugares que São Luís Grignion de Montfort pregou, ele promoveu a escultura de um Calvário. Para saber mais em Francês, leia aqui
2. O Rei de Portugal que foi ao Brasil (1808-1821) e o elevou à condição de Reino Unido com Portugal.
Postado em 24 de agosto de 2020
  | | Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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