Na Idade Média, muitos proprietários que moravam numa determinada região eram parentes entre si. Eles descendiam do mesmo chefe, do mesmo fundador, cuja memória eles guardavam em reverência. Para manter a coesão, essas famílias admitiam como chefe o primogênito do primogênito do primogênito de um fundador distante.
Rei Filipe, o Belo e sua família em um manuscrito do século 14 |
Assim, aos poucos, foram se constituindo pequenas “monarquias” familiares, a partir de uma liderança transmitida hereditariamente, princípio que perduraria em quase todas as monarquias do ocidente.
Um chefe governava todos os membros da família. Sob ele estavam os subchefes que governavam ramos da família. Então, dentro de uma grande família havia uma espécie de sistema federativo, como por exemplo, no nosso sistema federativo brasileiro, no qual o governador de um Estado é independente, mas em última instância responde ao Presidente. Ou seja, havia diferentes tipos de poderes autônomos dentro desse grupo maior que era a família.
Como devemos chamar o chefe que foi o primogênito do primogênito do primogênito? Devíamos chamá-lo por um lindo nome: patriarca. Pater em latim significa pai. Arco em grego é quem governa. Um monarca é um único homem que governa todo um corpo político. Um patriarca é aquele que, como pai, governa uma grande unidade social, em vez de política. Ele é o fundador ou aquele que tem o poder do fundador. Ele é o Adão daquele mundo do qual ele é a cabeça; ele é o fundador, o pai, e nele também está a semente de um rei.
Estrasburgo (cidade no cruzamento de estradas), está situada perto do encontro do rio Ill com o Reno |
Muitos estados rurais foram constituídos em torno de patriarcados que dominavam certas áreas sob a autoridade central de um chefe.
Muitas cidades medievais, como mencionei, cresceram espontaneamente por motivos semelhantes em torno de castelos e conventos, ou em encruzilhadas ou onde rios se encontram, locais onde era mais fácil para pessoas de diferentes lugares se reunir, trocar notícias e se envolver em um simples comércio.
Gradualmente, esse sistema triunfou no lado Europeu da bacia do Mediterrâneo.
A sociedade patriarcal romana
Esta análise da fonte da autoridade na Idade Média levanta uma questão: esse tipo de sociedade patriarcal era característico apenas do homem medieval ou existia antes disso?
Os Patriarcas do Antigo Testamento cercando os ancestrais de Cristo que brotaram da raiz de Jessé |
Antes da Idade Média, muitos povos eram liderados por patriarcas.
Certamente poderíamos olhar para o povo Judeu, que desde seu início seguiu o sistema patriarcal. A Bíblia fala de patriarcas de Adão a Abraão, Issac e Jacó. Eles foram a semente de um sistema perfeito para o povo judeu: a teocracia, que infelizmente não se desenvolveu.
Como se sabe, o povo judeu achava muito difícil ser governado por Deus por meio de Patriarcas e Profetas. Movidos pelo respeito humano, optaram por seguir o exemplo dos outros povos.
Eles pediram um rei para governá-los, em vez de Deus. Então, eles abandonaram esse primeiro plano, rejeitando o governo dos patriarcas e profetas. Consequentemente, sua monarquia - mesmo com reis notáveis como Davi e Salomão - não era a árvore que deveria ter nascido daquela primeira semente. O exemplo judaico de patriarcado, portanto, é incompleto para o nosso propósito.
Um exemplo mais próximo do nosso tema é a formação da sociedade romana. O historiador e sociólogo francês Fustel de Coulanges escreveu uma obra famosa, La Cité Antique [A Cidade Antiga], em que a cidade é sinônimo de toda a realidade político-social. Neste livro muito interessante e informativo, que recomendo, ele descreve a formação da sociedade romana.
Ele nos mostra como Roma em seus primeiros dias era familiar e patriarcal. Os membros daquelas poucas famílias iniciais veneravam o chefe, ou chefe da família, e o seguiam religiosamente. Quando ele morresse, fariam uma pequena estátua dele para manter viva sua memória e lhe prestar seus respeitos. Com o tempo, cada família tinha algumas dessas estátuas familiares para venerar.
Um patriarca Romano carrega os bustos dos ancestrais da família em uma procissão pública |
Essa veneração dos ancestrais, no entanto, se extraviou e deu origem à adoração de divindades menores chamadas de deuses lares os deuses do lar. Esses deuses eram supostamente os protetores e guias da família. Cada família tinha alguns deles. Apesar da idolatria, que é uma coisa muito ruim, a sociedade romana, com sua veneração original por seus patriarcas, foi estabelecida em uma base familiar e patriarcal.
Essas primeiras famílias que viviam em Roma - a lenda e a poesia nos dizem que havia sete primeiras famílias nas sete colinas romanas - sentiram a necessidade de se unir para se proteger. Cada família tinha seu próprio patriarca, que a representava em um novo conjunto que um dia se tornaria o Senado Romano.
Na primeira fase de sua história, esse conjunto de patriarcas romanos escolheu a monarquia como forma de governo e elegeu um rei. Depois de um tempo, porém, o rei quis governar por conta própria, sem dividir o poder com os outros patriarcas ou levar em consideração seus pontos de vista.
Ao mesmo tempo, o pequeno exército romano começou a vencer muitos adversários. A cidade de Roma cresceu e muitos estrangeiros que não pertenciam às famílias iniciais passaram a morar nela.
Esses forasteiros que vieram de longe, compreensivelmente, não tiveram permissão para entrar naquela estrutura familiar que deu origem à cidade. Não estou falando de escravos, mas daqueles homens livres que vieram viver em Roma para ganhar a vida, estabelecer comércio, estudar, se alistar no exército etc. Eles receberam o nome de plebeus, para distingui-los do povo romano, os membros dessas famílias numerosas.
Os forasteiros que tentaram entrar na estrutura patriarcal para participar no governo da cidade não foram autorizados a fazê-lo, uma reação normal de autodefesa dessas primeiras famílias. Isso produzia ressentimentos, e os plebeus eram habitualmente uma força que lutava contra a estrutura patriarcal.
Assim, duas forças surgiram contra o patriarcado romano, de um lado, o rei e suas coortes, de outro, os plebeus.
A luta entre o patriarcado e essas duas forças aumentou durante o período dos sete reis romanos. O último rei foi morto pelos membros do Senado, e um novo regime - a República Romana - foi estabelecido sob a hegemonia do Senado Romano.
Patriarcas ou patrícios no Senado Romano |
Os membros do patriarcado romano também eram chamados de patrícios, nome que tem a mesma origem, pater. À medida que a população da cidade crescia, os patrícios constituíam organicamente uma classe aristocrática. A história da Roma antiga mostra-nos que os reis se uniram aos plebeus para lutar contra a estrutura patriarcal.
Algo semelhante aconteceu com Luís XIV. Naquela época, o Rei se uniu aos plebeus para destruir a nobreza orgânica francesa e sua estrutura feudal. As muitas queixas contra Luís XIV encontradas nas famosas Memórias de Saint-Simon, que foi Duque e nobre, foram feitas porque o Rei estava destruindo a estrutura orgânica da França. Luís XV e Luís XVI seguiram o mesmo caminho. Assim a História se repete.
Em A Cidade Antiga, Fustel de Coulanges apresenta a Monarquia Romana como uma experiência ruim, e a República Romana como o regime que realmente representou aquela estrutura orgânica dos patriarcas. Eu concordo com ele. Enquanto o Senado permaneceu vinculado à estrutura patriarcal, Roma seguiu a Lei Natural.
Postado em 26 de outubro de 2020
| Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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