Na Europa, os países que conhecemos, estão divididos em regiões que não são apenas parcelas geográficas diferentes, mas quase constituem pequenos países dentro do maior. São unidades que, juntas, formam a unidade nacional. Podem ser comparadas a pétalas da mesma flor, na qual cada pétala é uma unidade em si mesma, com suas próprias características e estilo de vida. A unidade nacional de um país é assim formada pelas contribuições de suas diferentes regiões.
Catedral de São Tiago, Compostela |
Essas regiões se formaram de maneira orgânica. Não foram planejadas por burocratas sentados em torno de uma mesa decidindo seus limites no papel. Não houve, por exemplo, na Espanha, comissão alguma que tivesse determinado séculos atrás a divisão do país em regiões tendo por referência os rios, a fim de facilitar o comércio e as viagens: tal área próxima ao rio Guadalquivir será denominada de Andaluzia; as terras banhadas pelo Ebro serão chamadas de Aragão, e as do Duero de Castela e Leão...
Não. Não foi assim que as regiões se formaram, mas elas surgiram organicamente. Eventos e circunstâncias da vida se misturaram de modo espontâneo para formar essas regiões. A história da Galícia, por exemplo, mudou completamente após a descoberta do túmulo de Santiago Maior. Os peregrinos começaram a migrar para Compostela, que se tornou um dos locais de peregrinação mais famosos da história.
Desse enorme fluxo de peregrinos surgiram novas estradas, pousadas, igrejas, mosteiros e capelas a fim de ajudá-los material e espiritualmente. Também se tornou uma fonte de troca de informações. Dois peregrinos, um proveniente de Portugal e outro da Polônia se encontravam numa pousada e trocavam notícias sobre os seus países, bem como de seus usos e costumes.
Na Idade Média não havia jornais nem rádios, então as peregrinações eram um meio de saber o que outras pessoas pensavam e faziam. Um homem em Portugal, normalmente, não saberia muito sobre a Polônia e vice-versa. Mas depois de os dois peregrinos se terem conhecido e conversado, cada um teria alguma noção do outro país, e poderia dizer: “Sim, eu aprendi isso com Estanislau, um peregrino polonês que conheci em Compostela…”
Consequentemente, o local do túmulo do apóstolo se desenvolveu, tornando-se um centro de influência cultural e religiosa bem como de atividades comerciais e econômicas. Também se tornou um lugar de entretenimento saudável, com trovadores e artistas vindos de várias regiões e países para divertir os peregrinos. Este movimento intenso fez com que o local se tornasse uma cidade, que assumiu o nome do apóstolo -- Santiago de Compostela -- e se tornou a capital de toda a Galícia.
Pratos Galegos, a partir de cima no sentido horário: mariscada, conchas de Santiago, grilled calamares, empanada Gallega |
Obviamente, a geografia da região não mudou por causa dos peregrinos. Os seus múltiplos rios, montanhas escarpadas e a longa costa com as suas muitas arribas perigosas -- por exemplo, a Costa de la Muerte, Costa da Morte - faziam da Galícia uma região onde o marisco era uma boa parte da gastronomia, e a pesca fornecia substancialmente o sustento quotidiano das pessoas. De um modo natural gerou comércio à medida que os pescadores ofereciam seus produtos ao público. Também deu origem a uma gastronomia especializada em marisco, e alguns dos seus pratos especiais, como a mariscada e as empanadas
galegas, adquiriram fama que ultrapassou as fronteiras da Galícia e da Espanha, tendo atravessado o oceano e chegado até o Brasil. Não podemos esquecer de suas mais famosas conchas de Santiago ou coquilles Saint Jacques, que podem ser pedidas em qualquer restaurante francês do mundo.
A psicologia do povo, com seu sangue celta original e espírito independente provindo de sua história, também foi condicionada por aqueles elementos geográficos, religiosos, culturais e comerciais. Assim, o galego passou a ser conhecido como um homem aventureiro, desconfiado e obstinado, profundamente enraizado nos costumes e valores da sua região, e como um homem naturalmente
Católico.
Este é um exemplo de como uma região se forma organicamente. Os limites de uma área são traçados por causas e efeitos que se misturam, produzindo algo rico e novo. Assim, aquela região tão interessante chamada Galícia passou a ser algo que ninguém poderia ter imaginado de antemão.
Vestidos típicos da Galícia |
Esse tipo de desenvolvimento orgânico é o oposto do procedimento utilizado por Napoleão, que dividiu artificialmente a França e outras partes de seu Império. Ele o fez tudo arbitrariamente, com o objetivo geral de quebrar as características orgânicas da Cristandade e promover a Revolução.
A maneira correta de se governar é permitir que as regiões se desenvolvam naturalmente, de acordo com o princípio fundamental de uma sociedade orgânica, ou seja, tudo o que é lícito deve ter a maior liberdade possível de se tornar realidade. O que é bom deve ter liberdade para se desenvolver. Então, quando uma coisa boa se mistura com outra, geralmente é gerada uma terceira. Deixe os peregrinos irem e virem livremente; deixe uma estrada ser construída para atender as suas necessidades; propicie condições para que pousadas sejam estabelecidas ao longo do caminho; ajude a construir capelas. Isto é governar organicamente. Não é obrigar as pessoas a fazerem o que foi planejado artificialmente por um grupo de técnicos.
Outro princípio importante para não se esquecer é que devemos ser intolerantes com o mal, reprimindo-o em seus primeiros sintomas. Mas devemos permitir o bem que progrida livremente tanto quanto possível. Na sociedade de hoje, na maioria das vezes, devemos assumir uma posição de dizer "não." Isso ocorre porque é uma sociedade revolucionária que tende a destruir todos os remanescentes da Cristandade. Por causa dessa posição habitual que assumimos, nossos inimigos nos acusam de negativistas e contrários à liberdade. A acusação não é verdadeira. Somos inimigos de todos aqueles que se opõem à glória de Deus, ao Magistério da Igreja e às verdades reveladas. Para essas pessoas, dizemos: “Não, você não pode fazer essas coisas, portanto, vamos combatê-lo.”
Por outro lado, nossa posição em relação às boas ações, às coisas que seguem a lei natural, consiste em encorajá-las de todos os modos possíveis, pois normalmente dão bons resultados. Tentar coagi-los de acordo com um plano anterior constitui um erro.
Postado em 25 de janeiro de 2021
  | | Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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