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O Burguês nas Cidades e Reinos Livres

Plinio Corrêa de Oliveira

A dignidade do burguês está na segurança, e seu objetivo não é brilhar como um nobre em toda a sociedade ou no governo do Estado, mas sim se destacar em círculos locais menores.

Nos círculos eruditos, quando se fala da burguesia no Ancien Régime, (antes da Revolução Francesa), os dados que costumam ser apresentados são insuficientes. Eles comparam a burguesia daquele período com a aristocracia, descrevendo os contrastes entre as duas classes. Tal apresentação deixa o gosto ruim da luta de classes marxista. Essa história tendenciosa não oferece uma exposição justa da forma como a sociedade era organizada naquela época.

Certamente se pode comparar as classes na segunda etapa de um estudo, mas primeiro deve-se perguntar que papel cada uma desempenha na sociedade e no estado. Tentaremos responder a esta pergunta no que diz respeito à burguesia. Começo por distinguir entre duas burguesias diferentes, ou duas situações diferentes de burguesia.

A burguesia nas cidades autônomas

Num caso, a burguesia era a primeira classe da sociedade, quando era a classe governante das cidades livres -- às vezes cidades livres soberanas -- ou quando governava grupos locais que gozavam de uma forte autonomia em relação ao estado. A burguesia aparecia como uma classe eminente em tais lugares, embora mantivesse suas características burguesas.

Antwerp harbor

Antuérpia era um centro de comércio intenso
Encontramos isso, por exemplo, em duas cidades medievais de Flandres: Bruges e Antuérpia. Essas cidades foram portos importantes com movimentos intensos de comércio que geraram uma grande riqueza.

Bruges ficava no território do Condado de Flandres, e Antuérpia era parte do Ducado de Brabante. Alguns nobres dessas casas eram provavelmente muito menos prósperos do que as principais famílias burguesas dessas cidades.

No entanto, o nobre era superior ao burguês. Porque o burguês era maior em alguns aspectos e menor em outros. Ele era considerado mais importante do que o nobre? Em que circunstâncias e por quê? Essas questões por si mesmas revelam diferentes aspectos da questão que devemos levar em consideração para analisar a burguesia.

É curioso notar que a burguesia como primeira classe da sociedade se desenvolveu principalmente no Reino de Lothar (795-855), o neto de Carlos Magno, cujos domínios se estendiam da Holanda à Itália, até o Reino das Duas Sicílias (Nápoles). Não sei por que, mas o Reino de Lothar produziu inúmeras pequenas cidades autônomas. Encontramos muito menos dessas cidades livres na Espanha e em Portugal -- onde, aliás, as cidades tinham muitos privilégios, mas não eram autônomas -- e algumas delas na França, mas que não duraram muito. Na Alemanha também havia muitas dessas cidades, especialmente na Francônia e na Suábia, mas elas se originaram de uma maneira diferente, numa época em que a Alemanha estava gerando pequenas unidades políticas independentes.

A burguesia nos Reinos

O segundo caso é uma burguesia situada dentro de um Estado ou Reino homogêneo, e não uma cidade autônoma. Aqui, a burguesia constituía parte de um conjunto no qual desempenhava um papel mediador específico, possuindo outras classes acima, abaixo e no mesmo nível.

Merchands of Paris

Em um Reino, o burguês tinha que respeitar a hierarquia social estabelecida
Quais eram as características de um burguês em uma cidade como Paris? Podemos dizer que, excluídas as profissões que competiam com o Clero (como o magistério) e as que competiam com a nobreza (governo do Estado e funções militares), as demais profissões eram compostas por trabalhadores manuais. Todas essas profissões extremamente diversificadas formaram a burguesia. Havia trabalhadores manuais e artesãos de vários tipos.

Aqueles que não eram trabalhadores manuais ocupavam cargos no governo municipal, por exemplo, juízes, magistrados públicos e contadores. Outros, ainda, exerciam funções públicas como notários, cobradores de impostos e policiais locais. Alguns exerciam influência pública como professores e artistas, e os comerciantes também alcançavam certo grau de prestígio e influência social.

Vemos que a distinção entre burguês e nobre não era principalmente a função que exercia na sociedade, mas seu espírito e a forma como o fazia. A função poderia desempenhar um papel na geração da mentalidade nobre, mas o que caracterizava o nobre era a posse de certo estado de espírito.

Dedicação e risco, características dos nobres

De modo geral, quem foi nobre na Europa? Nobres eram aqueles homens que compartilhavam a terra com o Rei. Eles viviam como donos daquela terra e a governavam como barão, visconde, conde etc. Também tinham a obrigação de defendê-la, assim como as demais terras do Rei com seu próprio sangue contra qualquer adversário.

Essas obrigações pressupunham que o nobre tivesse gosto pelo heroísmo, pela aventura e pela condição militar, o que moldaria seu espírito de maneira especial. Este espírito superior o levava a estar voltado para a dedicação, preparado para a aventura, em busca da excelência e da magnificência, aberto ao sublime.

Um homem nutrido neste ambiente considerava muito útil dar sua vida para cumprir seu dever e ganhar glória para Deus e seu nome. Para ele, tamanha glória era uma vantagem pela qual valeria a pena morrer. É claro que essa noção de glória não pode ser completamente entendida, a menos que se tenha a crença Católica no Céu.

Para esses nobres, o prazer da vida não era o luxo, mas estar à beira do perigo e da aventura, deleitando-se com a beleza da dedicação total em defesa da honra de seu nome e de seu Rei, ou alguma outra causa superior.

Battle of Bosworth

O prazer de enfrentar riscos a serviço de sua Fé e Rei era uma característica do nobre
Essas qualidades dariam um caráter esplendoroso, quase mítico, ao governo e ao comando de um nobre.

Esta constante dedicação a uma causa superior conferia ao nobre tanto um direito quanto uma necessidade: o direito e a necessidade de viver de forma esplêndida, correspondendo a essa gloriosa generosidade. Por isso, o nobre tinha uma maneira diferente de se vestir. Para um nobre se vestir como burguês seria o mesmo que um padre se vestir como leigo. A vestimenta do padre era um reflexo de sua dedicação religiosa -- os votos que ele fazia para servir a Fé, para ganhar o Céu, para dar testemunho da natureza transitória dos bens desta terra etc. Analogamente, o vestir do nobre deve ser esplêndido.

Ele deveria ter modos refinados, usar linguagem distinta, ter uma apresentação magnífica. A excelência que cerca o nobre deve ser uma expressão daquele sentido fundamental de sacrifício que sua vida representou. Ele era um homem rodeado de glória em constante prontidão para o martírio. Não o martírio dos primeiros católicos, na arena, mas o martírio do cruzado que morreu lutando contra os inimigos de nossa Fé.

Na Revolução Francesa, os nobres ainda tinham o heroísmo de morrer, mas não de morrer matando o inimigo. Eles foram para a morte sem lutar. Esta foi uma grande decadência. Muitos tiveram mortes lindas, mas não estavam mais dispostos a lutar contra aqueles revolucionários. Era legítimo para os nobres deixarem a França e buscarem refúgio na Bélgica e em outros países vizinhos, mas não era muito diferente de uma fuga. Portanto, a essência do espírito nobre é o espírito de risco e militância.

O burguês não tem esse espírito

Ninguém pode negar que o risco de perder dinheiro não tem a mesma excelência que o risco de perder a vida. Assumir um risco financeiro pode exigir ousadia, mas não virtude ou heroísmo. A coragem só é louvável quando uma pessoa faz algo indispensável por uma causa superior. Ninguém tem o direito de se arriscar sem um bom motivo.

Em relação ao dinheiro, normalmente não há motivos para correr grandes riscos. Quando um homem tem a obrigação de garantir a continuidade de uma família ou de um negócio, o risco não é um direito, mas algo a ser evitado. O burguês típico busca a estabilidade e a segurança necessárias. Então, uma vez que ele as consegue, ele busca o conforto material.

O espírito de um burguês, portanto, é essencialmente diferente do espírito de um nobre. É este espírito -- mais do que uma função na sociedade -- que deve ser estudado quando se dirige à burguesia.

Postado em 1 de fevereiro de 2021

Tradition in Action

Dr. Plinio Correa de Oliveira
Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às ideias e palavras originais é mantida o máximo possível.

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