Na língua portuguesa existe uma distinção entre professor universitário e mestre. Embora não seja um professor com a autoridade superior que acompanha esse título, o mestre atrai discípulos por sua influência e prestígio. Esses discípulos são homens que recorrem ele a fim de seguir seu pensamento.
Um mestre ferreiro dá instruções aos seus trabalhadores |
O professor tem poderes próprios da profissão. Mas o mestre tem outro tipo de prestígio inerente à profissão docente e pode exercer tanta influência que chega a suplantar à do professor. Às vezes, os níveis mais elevados de uma profissão não são mantidos por aqueles com todos os títulos apropriados, mas pelos que se destacam por atributos superiores.
Na Idade Média, quando o trabalho artesanal era o meio de produção industrial, o encarregado de uma determinada oficina que se destacava em seu ofício exercia sobre seus discípulos uma influência semelhante à de um mestre universitário.
É por isso que ele foi chamado de mestre da guilda (corporação de ofício). Outros ficariam sob suas asas, seguindo o costume feudal de um subordinado confiar em seu superior. Dentro de uma cidade, o mestre da guilda era, de certa forma, o reflexo do senhor feudal no campo. As guildas nas cidades eram, pode-se dizer, filhas do feudo rural. É questionável se as guildas teriam nascido se não houvesse feudos.
Na verdade, as guildas tinham características feudais. Um aprendiz buscava a proteção de um mestre e era tratado como membro de sua família, recebendo uma formação moral junto com a instrução técnica. Ele aprendia o ofício principalmente ouvindo e seguindo o exemplo do mestre. Por isso, existem poucos documentos que descrevam os métodos e sistemas de produção artesanal da época.
Acredito que essa forma de ensinar e produzir é muito mais orgânica e sacral que outras posteriores. Hoje a única preocupação da produção é ganhar dinheiro. Não há mestre. Ele foi substituído por um especialista que é contratado para ensinar os trabalhadores a realizar suas tarefas específicas, e é pago por hora.
Origem feudal das guildas
Antes do crescimento das cidades, a indústria e o comércio se desenvolviam dentro do feudo. Tanto o produtor quanto o mercado consumidor estavam ali. Era uma
economia muito fechada.
Podemos nos perguntar se poderia ter havido um tipo de progresso tecnológico que tivesse sido compatível com aqueles laços feudais e não tivesse aderido ao
fermento revolucionário, que parecia ter entrado muito recentemente nas corporações comerciais da cidade. Com efeito, não há dúvida de que o ambiente feudal era muito bom e propício à constituição das guildas, mas não era a única possibilidade de uma estrutura orgânica, nem a única lícita. Estaríamos rejeitando a realidade se negássemos isso.
O caráter religioso da maioria das guildas
A
corporação de escultores de pedra e madeira de Florença escolheu como patronos quatro mártires que se recusaram a esculpir ídolos sob Diocleciano |
Um defeito da indústria a ser combatido é a existência do indivíduo isolado, sem relações com os outros, que não pertence a nenhuma estrutura ordenada e hierárquica. Com as guildas isso não ocorria, pois envolviam toda a vida do indivíduo em torno de associações religiosas ou confrarias. Pelo menos foi o que sustentaram os historiadores até a década de 1980, quando parei de lê-los. Não sei o que escreveram depois disso.
A confraria dos carpinteiros, por exemplo, levando em consideração que a Igreja nomeara São José como seu padroeiro, adotaria como sua a festa o dia de São José. Levando seu estandarte com uma representação de São José, todos os carpinteiros de uma aldeia participavam da procissão pelas ruas naquele dia. Movida por um princípio próprio de todas as associações - ou seja, a associação estabelecida tende a absorver todos os que detinham funções semelhantes e a servi-los - a confraria desenvolvia-se em corporação temporal, mas conservava seu núcleo religioso.
Frequentemente, as guildas se originaram dessas confrarias. Do contrário, quando o propósito religioso fosse acrescentado, isso completaria perfeitamente os objetivos da guilda. O objetivo espiritual harmonizava-se natural e facilmente com o objetivo funcional da guilda.
As elites naturais das guildas
Como a maioria dos integrantes de uma oficina morava no mesmo bairro, suas famílias interagiam e se relacionavam, todas obedecendo à hierarquia interna do empreendimento - constituída pelo mestre artesão, oficiais (que dominavam o ofício) e aprendiz. Assim, formou um corpo orgânico e hierárquico. Este corpo não era feudal por natureza, mas hierárquico, e tendia a formar uma elite. Acredito que esse seja um ponto fundamental para entender a vida na cidade medieval.
Os especialistas mais experientes e confirmados em sua área de artesanato se tornariam mestres, receberiam melhores salários, adquiririam mais respeito e teriam mais autoridade. Esta
tendência natural para a perfeição no ofício estabelecia naturalmente o nível diferente entre o mestre e o aprendiz, semelhante ao que existia entre o nobre e o plebeu.
Sobre as relações humanas, considero esse processo interno nas guildas inteiramente aceitável quando bem desenvolvido. Acredito que uma vida urbana constituída por confrarias, associações e bairros estava próxima do ideal.
Uma sociedade contrarrevolucionária ideal
Uma sociedade contrarrevolucionária deve apresentar hierarquia entre as classes. Dentro de cada classe também deveriam existir elites, determinadas por quem tem mais conhecimento de um campo, capacidade para o trabalho, competência etc. Uma sociedade plenamente articulada por elites representaria o ideal da Contra-Revolução.
Os mestres de corporações em Zurique têm o privilégio de cavalgar em sua procissão, enquanto os outros trabalhadores caminham a pé |
A Revolução gosta de apresentar a Idade Média e o Antigo Regime (Ancien Régime) como fases da História nas quais existiam apenas a nobreza e o resto do povo, desprezado pela nobreza. É uma apresentação adulterada da realidade. Na verdade, esses períodos da História geraram uma sociedade hierárquica com elites orgânicas em todos os campos e níveis da sociedade.
Então, podemos ver que a organização social ideal já existia. Certamente devemos estudar como evitar que esse processo seja corrompido, mas esse já é um problema diferente. Nosso ponto aqui é que não precisamos inventar outro tipo de organização, pois ela já existe. Precisamos apenas adaptá-lo às novas situações.
Eu entendo que em uma grande sociedade esses tipos de relações humanas possam ser bem diferentes. É natural e bom que tais diferenças apareçam, dependendo das várias profissões e trabalhos concretos. Na verdade, eles podem muito bem produzir novas formas de relações humanas hierárquicas.
Considero esse fenômeno bom quando advém naturalmente dos costumes e não é planejado de antemão. Tenho todas as dificuldades com o tecnocrata que se senta com seu lápis e régua, e desenha artificialmente diagramas em um pedaço de papel sobre como deveriam ser as classes de uma sociedade. Tanto o nazismo quanto o comunismo têm esse mesmo defeito de planejamento artificial. De tais esquemas ou quaisquer outros planos artificiais e pré-concebidos, nada orgânico e vivo pode nascer.
Postado em 26 de abril de 2021
| Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às ideias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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