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Sociedade Orgânica
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Lei Consuetudinária - III

Decreto Real, Lei Pessoal e Lei Consuetudinária

Plinio Corrêa de Oliveira
Como vimos, em meu último artigo, depois de 200 anos de invasões bárbaras o Império carolíngio achava-se praticamente destroçado, as leis gerais de cada país sem condições de ser aplicadas. Como se deu então a sua reorganização?

Os costumes locais que haviam se desenvolvido a partir das novas situações alteraram gradativamente as leis anteriores, criando novos direitos e obrigações. Isso acontecia de forma orgânica, por meio dos próprios costumes, sem a necessidade de representantes do povo redigirem e votarem novas leis e regulamentos como ocorre nas democracias modernas.

Com o fim das invasões, a Idade Média enfrentava uma nova realidade. A Europa estava repleta de castelos de barões, nos quais cada um havia feito um pequeno estado de seu feudo. Cada feudo tinha suas próprias leis, que brotavam de diferentes circunstâncias concretas e de homens que estavam totalmente envolvidos no campo de cada conjunto de leis.

medieval vintage

Um senhor envolvido em todas as etapas da vinificação

Por exemplo, alguém que vendesse gado saberia todos os costumes locais que regulamentavam este tipo de comércio. Posteriormente, esses costumes seriam codificados, ocupando várias centenas de páginas sobre o tema, apresentando soluções para todas as complicações que surgissem no comércio de gado naquela região.

Outro exemplo seria um o senhor feudal que mantivesse uma relação de trabalho com os camponeses que se ocupavam da colheita de sua vinha. Ambas as partes conheciam tudo o que era necessário para conduzir o trabalho tanto no cultivo quanto nos negócios. Dessa necessidade surgiram naturalmente as leis, um reflexo dessa compreensão. Razão de elas estarem profundamente enraizadas na realidade do dia-a-dia.

A característica dessas leis, portanto, era a de terem sido feitas por pessoas que estavam realmente envolvidas com o trabalho ou comércio. É o oposto dos tempos modernos, quando as leis são escritas por homens que ignoram quase completamente o trabalho ou o comércio para o qual estão aprovando as leis.

As leis medievais também mudariam organicamente para se conformar às novas situações e costumes. Foi assim que nasceu a lei consuetudinária ou costumeira. Durante esse tempo, o que aconteceu com as leis do Estado?

O que hoje chamamos de Estado era representado pelo rei. O rei era o Estado. Se Luís XIV tivesse feito aquela declaração a ele atribuída – “l’Etat c’est moi” [Eu sou o Estado] – e se ele vivesse na Idade Média, essa frase provavelmente nunca teria sido gravada, pois era de conhecimento comum, todos sabiam que o único poder que representava o Estado era o rei.

O papel dos decretos reais

Qual foi o papel do Rei na promulgação da lei?

Durante o período das invasões, os reis emitiram decretos reais concedendo privilégios que favoreciam a Igreja, grupos de barões ou a burguesia. Em geral, esses decretos eram pequenas concessões de privilégios de natureza local. Por exemplo, durante esse período, na França não se registrou nenhuma lei de caráter geral.

alfonso X

Alfonso X emitindo um decreto concedendo privilégios

Isso é ainda mais verdadeiro no que diz respeito ao direito espanhol. Para reconquistar a Península Ibérica dos árabes, os guerreiros espanhóis de origem visigótica passaram sete séculos lutando continuamente para expulsar o invasor. Durante esse tempo, eles não estavam fazendo leis; em vez disso, na retaguarda os costumes locais modelavam as leis enquanto os guerreiros lutavam na vanguarda.

Assim, todas as regiões da Europa desenvolveram os seus costumes singulares e atraentes, como os ricos costumes de Portugal, um dos países onde a lei consuetudinária alcançou uma das suas expressões mais interessantes.

Leis pessoais

Hoje, se algum Argentino cruza a fronteira e compra terras no Brasil, é a lei Brasileira que rege essa aquisição. O mesmo se aplica se o comprador for Japonês ou Sírio. Na Idade Média, como consequência das invasões, era diferente. As leis aplicadas eram leis pessoais.

Na França, antes de Carlos Magno, cada pessoa seguia a lei da região de onde veio, e essa lei continuou a prevalecer mesmo quando ele se mudou para outro local. Assim, se quatro homens – um da Borgonha, outro da Saboia, outro da Bretanha e o último da Gália – se envolvessem em negócios, estavam envolvidas quatro leis diferentes. Pode-se imaginar o caos jurídico que isso produziu.

Shoemaker

Cada trabalhador do couro de uma região – acima, um sapateiro - cooperou com os demais para garantir um acordo para o grupo

Gradualmente, no entanto, essas leis foram reconciliadas, e no século 9, que foi o século de Carlos Magno, a fusão estava completa. No século 10, as leis pessoais foram postas de lado. Um elemento importante para alcançar essa harmonização foi a influência da lei que regia o maior número de pessoas de uma área, bem como o papel de seus costumes.

Outro fator surgiu quando a relação entre os homens gerou leis específicas em cada região e lugar. Digamos, por exemplo, que os mercadores de couro compartilhavam entre si problemas de relações competitivas que exigiam acordo e apoio mútuo em suas necessidades comuns.

Por outro lado, mantinham relacionamentos e acordos com seus clientes. Como o Estado não fazia leis, os mercadores de couro emitiam suas próprias leis que se aplicavam especificamente a eles.

Quando um cliente não pagava a um dos comerciantes de couro, por exemplo, ele era colocado na lista negra de todo o grupo, que se recusaria a vender qualquer coisa para aquela pessoa até que ele pagasse sua dívida. Isso reflete o espírito de classe que existia entre os comerciantes de couro como um todo.

Essa lei não era aplicada a outros negócios e grupos, que por sua vez desenvolveriam suas próprias leis consuetudinárias para atender às necessidades específicas deles. Assim, dentro dessas pequenas unidades, as leis consuetudinárias começaram a aparecer para reger os diferentes grupos sociais.

Havia leis que diziam respeito apenas a certos clérigos de um determinado lugar, a um determinado número de nobres de uma determinada região, aos burgueses desta ou daquela cidade. Da mesma forma, havia leis específicas que se aplicavam apenas a certas profissões. Assim, existiam leis especiais para lenhadores, ferreiros, pescadores, etc. que eram feitas de forma diferenciada de acordo com a região ou local.

François Olivier-Martin, renomado historiador de direito e professor francês, conclui que, na época da Alta Idade Média, cada grupo social era regido por seus próprios costumes, por seu próprio direito, conhecido como lei consuetudinária.

Continua

Postado em 8 de novembro de 2021

Tradition in Action

 Dr. Plinio Correa de Oliveira
Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às ideias e palavras originais é mantida o máximo possível.


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