Sociedade Orgânica
Lei Consuetudinária - IV
Democracia Moderna vs. Direito Consuetudinário
A partir do século 12, o estudo do Direito Romano começou a ser introduzido nas faculdades de Direito das Universidades da Europa. Não entraremos em detalhes, pois este artigo não é lugar apropriado para analisar as razões mais profundas desse assunto.
Com o estudo do Direito Romano, um tipo de Estado completamente diferente se apresentou como ideal: um Estado que não era mais regido pelos costumes, mas sim por leis feitas pelo próprio Estado, às quais todos deveriam obedecer. O povo não gostou dessas leis artificiais. No entanto, os juízes as aplicaram por considerarem o Direito Romano muito mais sofisticado e acadêmico do que aquelas leis simples geradas pelo costume sob o calor da prática viva.
As novas leis fizeram muito para promover o orgulho dos juristas. O juiz mostrou-se bastante erudito perante seus pares ao proferir uma sentença com base em um texto de Papiniano, ressaltando que Ulpiano, porém, pensava de forma diferente. Era muito mais bonito fazer uma declaração erudita do que simplesmente dizer: “O costume da floresta de Innsbruck estabelece tal e tal e, portanto, em virtude dessa lei regional específica, eu faço este julgamento.”
Os leitores podem imaginar a afetação dos advogados nascida da nova apresentação do Direito Romano. Nosso engomado Código Civil herdou muito dessa pretensão do Direito Romano. Assim, ele passou a ser aplicado nos julgamentos.
Mas, como observei antes, as pessoas não gostaram. Por exemplo, na França, houve reações violentas do povo contra sua aplicação. No sul da França, depois de muitos distúrbios, o Direito Romano foi entrando gradualmente, mas não encontrou aceitação no norte do país. Apesar de ser ensinado nas universidades, os juízes não o aplicaram nessa região francesa.
Nessa época, a França estava dividida em duas: as regiões onde o direito consuetudinário – a lei não escrita baseada nos costumes – era aplicado, e as outras onde a lei escrita – que era o Direito Romano – estava em vigor.
O curioso é que o Direito Romano também entrou como costume. Nenhum rei medieval publicou um decreto colocando o Direito Romano em vigor. Os jurados começaram a aplicá-lo por considerá-lo bonito e sofisticado. O leitor pode ver até onde esse tipo de afetação judiciária os levou.
Características essenciais de um costume
Assim concebido, um costume pode ser definido como um uso que nasce espontaneamente e tem força de lei. Um costume não se origina de um sociólogo que registra estatísticas e tem a última palavra sobre um assunto. Nasce espontaneamente e é aceito por todo um grupo social, a parte interessada. Depois de um tempo, esse costume passa a governar o grupo. Esta é uma definição de costume.
Quais são os requisitos para a existência de um costume?
O primeiro deles é que um ato deva ser repetido muitas vezes; deva ser um hábito de longa data. Quanto tempo um hábito deve existir antes de se tornar um costume?
Alguns estudiosos estabeleceram um mínimo de pelo menos 40 anos, mas acredito que seja um limite arbitrário. Os bons costumes reinaram desde tempos imemoriais. Considerou-se prestigioso poder dizer: “nossa cidade tem esse costume desde tempos imemoriais.”
O segundo requisito é que um costume deva pertencer ao domínio público. É evidente que, se o costume não for público, não pode ter poder de lei para um governado.
Terceiro, um costume é pacífico e aceito pacificamente pelo grupo social. Não pode, portanto, ter origem em um ato de violência e deve ser praticado sem contestação séria.
Quarto, o costume é naturalmente revogado quando cai em desuso.
A falsa democracia é totalitária
Hoje, muito se fala em democracia. Ela é entendida mais ou menos assim: um partido apresenta uma cartilha de 50 páginas com sua plataforma, propondo soluções para todos os problemas nacionais. Nela, por exemplo, podemos encontrar propostas de regulamentação para a pesca no Rio Amazonas, um plano para aproveitar os direitos minerais na orla do Riacho Chuí, no sul do Brasil; leis que regulariam a importação de petróleo; uma proposta para educar as crianças do Nordeste, etc. – 50 páginas de soluções.
Um partido faz uma consulta para receber a plataforma de cada uma das partes – são 15 partes – e leio todo esse material. Depois da devida avaliação, tomo uma decisão: esta parte em particular é melhor. O pressuposto deste sistema é que cada cidadão compreenda e conheça as soluções para todas as questões. Então, eu escolho e voto no partido que considero o melhor. O resultado deste sistema é o que o leitor pode ver ao nosso redor...
Na verdade, as soluções devem surgir de uma maneira diferente. A verdadeira democracia é uma democracia direta na qual um homem só vota nas questões ele entende. O homem legisla diretamente, e não por meio de um representante. É isso, na verdade, o que acontece quando ele desempenha um papel na formação de um costume e esse costume é assumido pelo corpo social. Este sistema é imensamente mais autêntico e mais representativo da realidade do que nosso sistema moderno.
Tendo estudado a tremenda elasticidade dos costumes gerados desta forma, como estamos fazendo nesta série, o leitor pode ver como é estúpido afirmar que a Idade Média foi uma época de tirania e absolutismo, uma época em que o homem era escravo.
Vimos a grande liberdade que os trabalhadores e os camponeses tiveram na Idade Média (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), uma liberdade que eles exerciam regulando os costumes de seus grupos nas associações e confrarias. Nessa sociedade, todas as classes tinham a liberdade necessária para proteger a si mesmas, suas famílias e interesses.
Então, o demônio veio e prometeu uma nova “liberdade.” As muitas revoluções que ele promoveu oferecendo “liberdade,” na verdade, introduziram um sistema totalitário, que é nossa democracia moderna. É interessante comparar os dois extremos desse processo.
De um lado, tínhamos uma sociedade que vivia sob os ventos orgânicos do direito consuetudinário; de outro, temos a democracia moderna cada vez mais totalitária, onde não se pode espirrar sem regulamentação. Se alguém espirrar sem seguir as regras, pode terminar na prisão.
Por quê? Porque existe um bando de burocratas e sociólogos que planeja o menor detalhe nas questões do bem comum. Se não obedecermos a esses decretos, corremos o risco de ser punidos. Os dois extremos são um regime totalitário ou uma sociedade regida pelo direito consuetudinário.
Esta é outra confirmação da máxima, o demônio nunca dá o que promete. Na verdade, como ele é o pai da mentira, podemos ter certeza de que tudo o que ele promete, logo vai tirar de nós.
Por exemplo, temos Adão e Eva no Paraíso. Eles estavam em uma situação perfeita no início. O demônio entrou em cena e prometeu que seriam como deuses. E o que eles conseguiram? Uma terrível diminuição de suas inteligências, um enfraquecimento de suas vontades, uma rebelião de suas sensibilidades e todos os tipos de decadência – psicológica, moral e física – que vieram como frutos do pecado original.
Na Idade Média, o homem tinha muita harmonia e liberdade. O demônio entrou em cena prometendo-lhe uma liberdade revolucionária. E foi exatamente isso – liberdade – que foi tirada dele. As democracias de hoje são regimes totalitários controlados artificialmente por tecnocratas, gurus da mídia e banqueiros, todos servindo aos ideais da Revolução.
Continua
Com o estudo do Direito Romano, um tipo de Estado completamente diferente se apresentou como ideal: um Estado que não era mais regido pelos costumes, mas sim por leis feitas pelo próprio Estado, às quais todos deveriam obedecer. O povo não gostou dessas leis artificiais. No entanto, os juízes as aplicaram por considerarem o Direito Romano muito mais sofisticado e acadêmico do que aquelas leis simples geradas pelo costume sob o calor da prática viva.
Magistrados e notários Venezianos assumindo ares majestosos
Os leitores podem imaginar a afetação dos advogados nascida da nova apresentação do Direito Romano. Nosso engomado Código Civil herdou muito dessa pretensão do Direito Romano. Assim, ele passou a ser aplicado nos julgamentos.
Mas, como observei antes, as pessoas não gostaram. Por exemplo, na França, houve reações violentas do povo contra sua aplicação. No sul da França, depois de muitos distúrbios, o Direito Romano foi entrando gradualmente, mas não encontrou aceitação no norte do país. Apesar de ser ensinado nas universidades, os juízes não o aplicaram nessa região francesa.
Nessa época, a França estava dividida em duas: as regiões onde o direito consuetudinário – a lei não escrita baseada nos costumes – era aplicado, e as outras onde a lei escrita – que era o Direito Romano – estava em vigor.
O curioso é que o Direito Romano também entrou como costume. Nenhum rei medieval publicou um decreto colocando o Direito Romano em vigor. Os jurados começaram a aplicá-lo por considerá-lo bonito e sofisticado. O leitor pode ver até onde esse tipo de afetação judiciária os levou.
Características essenciais de um costume
Assim concebido, um costume pode ser definido como um uso que nasce espontaneamente e tem força de lei. Um costume não se origina de um sociólogo que registra estatísticas e tem a última palavra sobre um assunto. Nasce espontaneamente e é aceito por todo um grupo social, a parte interessada. Depois de um tempo, esse costume passa a governar o grupo. Esta é uma definição de costume.
Um símbolo da associação para os sapateiros de Nuremberg, regidos por seus próprios costumes e leis
O primeiro deles é que um ato deva ser repetido muitas vezes; deva ser um hábito de longa data. Quanto tempo um hábito deve existir antes de se tornar um costume?
Alguns estudiosos estabeleceram um mínimo de pelo menos 40 anos, mas acredito que seja um limite arbitrário. Os bons costumes reinaram desde tempos imemoriais. Considerou-se prestigioso poder dizer: “nossa cidade tem esse costume desde tempos imemoriais.”
O segundo requisito é que um costume deva pertencer ao domínio público. É evidente que, se o costume não for público, não pode ter poder de lei para um governado.
Terceiro, um costume é pacífico e aceito pacificamente pelo grupo social. Não pode, portanto, ter origem em um ato de violência e deve ser praticado sem contestação séria.
Quarto, o costume é naturalmente revogado quando cai em desuso.
A falsa democracia é totalitária
Hoje, muito se fala em democracia. Ela é entendida mais ou menos assim: um partido apresenta uma cartilha de 50 páginas com sua plataforma, propondo soluções para todos os problemas nacionais. Nela, por exemplo, podemos encontrar propostas de regulamentação para a pesca no Rio Amazonas, um plano para aproveitar os direitos minerais na orla do Riacho Chuí, no sul do Brasil; leis que regulariam a importação de petróleo; uma proposta para educar as crianças do Nordeste, etc. – 50 páginas de soluções.
Um partido faz uma consulta para receber a plataforma de cada uma das partes – são 15 partes – e leio todo esse material. Depois da devida avaliação, tomo uma decisão: esta parte em particular é melhor. O pressuposto deste sistema é que cada cidadão compreenda e conheça as soluções para todas as questões. Então, eu escolho e voto no partido que considero o melhor. O resultado deste sistema é o que o leitor pode ver ao nosso redor...
Hoje vemos uma rejeição crescente das falsas democracias
Tendo estudado a tremenda elasticidade dos costumes gerados desta forma, como estamos fazendo nesta série, o leitor pode ver como é estúpido afirmar que a Idade Média foi uma época de tirania e absolutismo, uma época em que o homem era escravo.
Vimos a grande liberdade que os trabalhadores e os camponeses tiveram na Idade Média (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), uma liberdade que eles exerciam regulando os costumes de seus grupos nas associações e confrarias. Nessa sociedade, todas as classes tinham a liberdade necessária para proteger a si mesmas, suas famílias e interesses.
Então, o demônio veio e prometeu uma nova “liberdade.” As muitas revoluções que ele promoveu oferecendo “liberdade,” na verdade, introduziram um sistema totalitário, que é nossa democracia moderna. É interessante comparar os dois extremos desse processo.
De um lado, tínhamos uma sociedade que vivia sob os ventos orgânicos do direito consuetudinário; de outro, temos a democracia moderna cada vez mais totalitária, onde não se pode espirrar sem regulamentação. Se alguém espirrar sem seguir as regras, pode terminar na prisão.
Por quê? Porque existe um bando de burocratas e sociólogos que planeja o menor detalhe nas questões do bem comum. Se não obedecermos a esses decretos, corremos o risco de ser punidos. Os dois extremos são um regime totalitário ou uma sociedade regida pelo direito consuetudinário.
Esta é outra confirmação da máxima, o demônio nunca dá o que promete. Na verdade, como ele é o pai da mentira, podemos ter certeza de que tudo o que ele promete, logo vai tirar de nós.
Por exemplo, temos Adão e Eva no Paraíso. Eles estavam em uma situação perfeita no início. O demônio entrou em cena e prometeu que seriam como deuses. E o que eles conseguiram? Uma terrível diminuição de suas inteligências, um enfraquecimento de suas vontades, uma rebelião de suas sensibilidades e todos os tipos de decadência – psicológica, moral e física – que vieram como frutos do pecado original.
Na Idade Média, o homem tinha muita harmonia e liberdade. O demônio entrou em cena prometendo-lhe uma liberdade revolucionária. E foi exatamente isso – liberdade – que foi tirada dele. As democracias de hoje são regimes totalitários controlados artificialmente por tecnocratas, gurus da mídia e banqueiros, todos servindo aos ideais da Revolução.
Continua
Postado em 15 de novembro de 2021
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Prof. Plinio
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às ideias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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