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Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXVII

 Católicos devem fazer exercícios
de transcendência

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
O que é transcendência? Como alguém transcende? Conforme explicado nos artigos anteriores, (aqui, aqui e aqui) a busca do absoluto consiste em buscar de diversas formas como as criaturas e as coisas participam das infinitas perfeições de Deus. Portanto, é buscar algo que os transcenda.

E assim surgem as perguntas: o que é transcender? Como alguém transcende?

O foco de nossa atenção estará agora nesta transcendência. Ou seja, como transcender os aspectos sensíveis e meramente físicos de um ser até chegarmos a intuir nele o Ser Transcendente por excelência, aquele Ser que nos transcende infinitamente, que é Deus.

A escala da transcendência

Imagine uma partícula de granito tão pequena que seu tamanho pode ser comparado a um grão de poeira, e suponha então que o Pão de Açúcar seja composto inteiramente do mesmo material. Qual seria a relação desse minúsculo fragmento de pedra com o Pão de Açúcar?

Sugar Loaf mountain

A enorme montanha de granito do Pão de Açúcar
no Rio de Janeiro

É a relação de algo insignificante com outra coisa da mesma natureza que tem uma desproporção quantitativa esmagadora. A massa de granito do Pão de Açúcar é imensa; aquela que existe na partícula minúscula, insignificante.

Quanto à quantidade, a desproporção é colossal; porém, quanto à qualidade, não há desproporção, pois ambos são feitos do mesmo material. Há uma diferença enorme – mas não transcendente –, pois não se pode dizer que o Pão de Açúcar tenha uma diferença qualitativa na matéria da pequena partícula.

Subindo na escala, um vegetal, seja qual for o seu tipo, transcende uma pedra, que tem uma natureza mineral. E, assim como uma planta transcende um mineral, um animal transcende a planta. E o homem, animal racional, transcende o animal simples.

A transcendência supõe a existência de uma espécie de superioridade de uma coisa sobre a outra quanto ao fator qualidade.

No entanto, certas analogias podem ser encontradas em todas as categorias. Considere, por exemplo, a pureza na escada da transcendência. Além da candura de um cristal, existe a pureza do lírio que, como ser, transcende o cristal. Da mesma forma, a pureza da pomba transcende a do lírio, pois pertence ao reino animal. Finalmente, há a pureza de um homem que, como ser, transcende a pomba. A noção de pureza é, portanto, analogamente aplicável a vários seres.

lily dove purity

O lírio e a pomba, ambos símbolos de pureza, mas em escalas diferentes

O mesmo vale para a noção de distinção. A distinção que existe numa pérola, numa rosa ou num faisão é diferente em cada um destes seres e vai-se tornando mais refinada à medida que passa de um reino da natureza para outro. Mas superior a todos eles são a distinção de uma princesa. A distinção é, portanto, um atributo que se aplica analogamente a seres de diferentes categorias.

E se um cristal fosse capaz de pensar? Podia imaginar a existência de um ser de natureza superior à sua. Poderia conhecer a pureza do lírio, e compreenderia o que ele tem de semelhante a si, mas se deslumbraria com a candura do lírio porque, comparado a si mesmo, é qualitativamente muito superior.

Da mesma forma, se o lírio pudesse pensar, ficaria entusiasmado ao conhecer a pureza da pomba. E se a pomba pudesse refletir e conhecer a pureza de uma alma humana – como, por exemplo, a de uma Santa Maria Goretti – ficaria muito mais entusiasmada.

Qual é a razão para isto? É porque a qualidade que um ser possui se realiza em uma criatura de categoria superior de forma mais eminente, mais plena e mais brilhante, em outra esfera da realidade.

Exercícios de transcendência

Partimos, portanto, da consideração de que os seres transcendem uns aos outros e é preciso amar esta relação: A planta transcende a pedra, o animal transcende a planta, o homem transcende o animal; e em outro sentido da palavra, um homem pode transcender outro. Existem superioridades inimagináveis, misteriosas, insondáveis, e devemos entusiasmarmos.

clouds at night

Contemplar as nuvens noturnas
pode ser um exercício de transcendência

Na vida é normal ver o oceano, uma montanha, certas nuvens ou uma noite de luar muito bonita. Mas essas coisas podem abarcar grandes belezas e grandes valores, aos quais o homem deve prestar atenção, pois têm um significado latente.

Assim é que, no homem, há uma espécie de sede insaciável de algo cada vez mais perfeito, mais elevado, mais transcendente. Ele é capaz de vislumbrar pela inteligência outros mundos, realidades, perfeições e firmamentos que normalmente não tem diante de seus olhos.

Ao ouvir o som de um sino, alguém pode considerá-lo algo rotineiro, ou mesmo banal. Mas é possível transcender o mero toque do sino. Quem já ouviu uma gravação com os sinos da Abadia de Solesmes na França pode ouvir nela todas as aspirações de glória ali representadas, assim como todos os desejos de intimidade, todos os impulsos de ação, como todos os anseios de contemplação.

Todo ideal de luta recebe naqueles sinos um incentivo, assim como todo anseio de paz. Todos os contrários harmônicos de que a alma humana é capaz encontram, nestes sinos, sua expressão.

Oak tree

Buscando o que é transcendente em um carvalho esplendoroso

Enquanto uma pessoa pode perceber apenas um belo som, outra ascenderia a algo que fala de glória, ação, contemplação, luta ou paz. Ou seja, transcende o mero som. Uma multidão de outros objetos se presta a uma ascensão semelhante. Uma simples árvore de jardim pode ser um objeto adequado para uma reflexão transcendente.

Olhando para uma determinada árvore, posso ver o que, segundo a razão, há de bom nela: leveza, elevação, elegância. Assim, meus sentidos me conduzem a um ato de amor; daí sou levado a desejar a vida eterna, onde verei, face a face, em sua perfeição última, insondável e eterna, a incriada elegância, elevação e leveza.

Fazendo isso, eu teria feito um exercício de transcendência.

Por que chamaríamos essa progressão de transcendência ascendente? Porque a coisa criada que era objeto de minha contemplação foi transcendida e me mudei para algo absoluto.

Consegui chegar à ideia de um Ser Absoluto que tem todas as perfeições – portanto, também a leveza, a elevação e a elegância que distinguimos numa simples árvore. Esse Ser absoluto é Deus.

Bells

O repicar dos sinos pode despertar no homem certas sensações que o levam a transcender


Continua

Postado em 23 de janeiro de 2023