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Virtudes Católicas
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Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXIX

Transparência e Transcendência:
nuances e distinções

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
Deve-se fazer uma distinção entre transcendência (aqui e aqui) e transparência.

Aix en Provence

Aix-en-Provence convida o homem ao encanto dos lugares paradisíacos; abaixo, os hussardos alados poloneses nos chamam para transcender a uma maravilhosa militância

winged husssars
Não são exatamente a mesma coisa, mas os dois temas podem ser abordados em conjunto devido ao seu parentesco semântico. O prefixo trans, comum às duas palavras, traz a ideia de um plus ultra, ou seja, um mais e além para o qual devemos tender.

Em outras palavras, é o desejo de dar mais um passo rumo a uma compreensão ainda maior do universo em uma ascensão contínua e insaciável. É preciso continuar subindo, cada vez mais alto, até onde a vista alcança!

Como? Pela transparência, pela transcendência.

A etimologia da transcendência é expressiva: vem do latim ascendere trans, elevar-se além, ascender cada vez mais.

Como ponto de partida, vejamos as palavras inspiradas do Apóstolo São João, que dizia: “Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê?” (1 Jo 4,20) Esta frase enfatiza a importância do que se vê para se chegar ao que não se vê.

Assim, há um modo de ver as criaturas que revela algo de Deus que nem sequer seríamos capazes de imaginar se não O víssemos nas criaturas. É vendo as impressões digitais de Deus em tudo e amando tudo o que dEle aparece nas criaturas – sobretudo, nas almas humanas – que se chega ao amor perfeito de Deus.

Essas palavras de São João pressupõem que "o irmão que se vê" tem uma espécie de transparência pela qual se vê "Deus a quem não se vê." Mas como alguém consegue ver Deus? Para transcender as deficiências da natureza humana, é necessário ir além delas.

saint Chapelle

Acima, Sainte-Chapelle em Paris, abaixo as cores quase milagrosas refletidas nas paredes de Chartres

chartres
Também devemos fazer isso sempre que quisermos contemplar algo elevado. Há sempre algo em uma coisa que vai além do que ela é em si. Para chegar ao seu significado mais profundo, é necessário transcender a mera aparência.

Infelizmente, hoje existe uma forte ilusão de que não existe essa transparência e que existe apenas a matéria.

Considere, por exemplo, uma bela catedral ou um belo faisão: Devemos ver algo mais elevado através de sua figura – isso é transparência – ou acima de sua aparência - isso é transcendência.

Ver o sol através de um vitral na Catedral de Chartres é realmente ver o seu aspecto mais elevado. No que os sentidos captam naquela luz do sol, está a transparência do maravilhoso que os sentidos não captam vendo de fora face a face. Pode-se dizer que há aqui algo de milagroso sem ser milagroso.

O universo é transparente no sentido de que, por meio dele, podemos sentir as características de Deus, bem como os vários graus que nos separam Dele. Pode-se também falar com propriedade da transcendência do universo, pois considerá-lo nos leva cada vez mais alto.

A finalidade das criaturas e do universo é Deus, e Ele é alcançável não por um imenso conjunto de engrenagens de máquinas que se encadeiam, mas pela transparência, no ser das coisas que se assemelham a Ele. (1)

Somente uma ordem transcendente satisfaz a alma humana

Foi o Renascimento que abriu caminho para a visão positivista que domina nosso tempo. O positivismo nega a validade da especulação metafísica e sustenta que os dados que vêm da experiência são o único objeto e o critério supremo do conhecimento humano. (2)

Ora, no homem há um apetite por algo que está além da ordem visível e da ordem natural.

Todas essas realidades transcendentes, que em outros sistemas ameaçam permanecer no reino do vago e do impalpável, na doutrina católica são personificadas na figura de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo o que o homem pode imaginar de ordem transcendente mais elevada, mais bela, mais extraordinária e mais perfeita traduz-se na doutrina católica na adorável pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, em quem residem por excelência, todas as perfeições imagináveis. Em Sua figura humana temos uma espécie de canal para alcançar perfeições e maravilhas que, de outra forma, o homem não poderia perceber.

madonna and child fra angelico

Fra Angelico nos convida a contemplar a profunda sacralidade do Menino Jesus

No próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, a transparência falou ainda mais alto que os indiscutíveis milagres divinos que Ele realizou. Portanto, não há milagre que resolva o caso de alguém que olhasse para o Santo Sudário e duvidasse que Nosso Senhor existisse ou que Ele fosse Deus. Essa pessoa pôde ver Nosso Senhor ressuscitar Lázaro e ir embora consternado com o fato. Ele não teria argumentos contra esses fatos: Em vez disso, ele diria: "É necessário matar este homem!" (Jo 11,47-53)

Tal é a grandeza da transparência do Santo Sudário!

Além de Jesus Cristo, temos a Igreja Católica, Sua Noiva Mística. Qualquer pessoa sente esta transparência quando ouve o belo som da música que sai de um órgão de uma igreja construída em estilo genuinamente católico. O culto católico, ordeiro e sóbrio, ali se desenrola em toda a sua pompa e esplendor. Sentimos ao nosso redor o calor da piedade de todos os fiéis reunidos, que sobe aos céus. Essa conjunção de coisas transporta nosso espírito muito além das realidades terrenas.

Então, como aqui estamos longe das mentiras abomináveis de um misticismo satânico ou de erros condenados como o panteísmo, mas sim na presença da verdade plena, o homem que tem a felicidade de ter fé entrega-se plenamente com esta verdade.

Como um sedento que chega finalmente à plenitude de todas as águas, assim o católico encontra alívio ao contemplar as belezas insondáveis da Mística Esposa de Cristo. Ele só precisa beber ali e se saciar, pois encontrou a água verdadeira de que Nosso Senhor falou no Evangelho: "Mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede." (Jo 4,13-14)

pheasants

O artista representou algo transcendente
que viu neste faisão


Continua

  1. São Paulo explica como as perfeições invisíveis de Deus se tornam visíveis por meio de suas obras: "Pois aquilo que de Deus é conhecido neles é manifesto. Pois Deus lhes manifestou. Pois, desde a criação do mundo, Suas coisas invisíveis são claramente vistos por suas obras, Seu poder eterno também, e Sua divindade: de modo que eles [que não reconhecem isso] são indesculpáveis. “Porquanto o que se pode conhecer de Deus eles o leem em si mesmos, pois Deus lhes revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. Porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos. Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem corruptível, de aves, quadrú¬pedes e répteis.” (Rom 1,19-23)
  2. Segundo a visão positivista, o "homem evoluído," forte e "iluminado" pelo positivismo, com os pés bem assentes na terra, via os homens de séculos passados com desprezo e até pena. Sabemos o que resultou dessa concepção! Auguste Comte (1798-1857) fundou até uma igreja e uma religião positivista. Em Londres, os membros da London Positivist Society criaram uma Igreja da Humanidade sem nada de sobrenatural ou metafísico, apenas o culto aos grandes homens produzidos pela humanidade.
Postado em 6 de fevereiro de 2023