Virtudes Católicas
Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXXII
Um Deus sem mistérios não seria Deus
Pelo que observamos no
último artigo, podemos perceber que o mistério é um desafio amável, não uma agressão. Prepara para a Fé, e leva ao desejo de um infinito que, de fato, só pode ser satisfeito no Céu.
A busca do mistério, que tantas vezes resulta em auto-adoração ou leva à superstição e ao ocultismo, pode gerar posições de alma saudáveis? Sem dúvida pode, e pode favorecer posições de grande elevação num quadro radicalmente oposto à contemplação de si mesmo.
De fato, no mistério há um paradoxo, já que “o conhecimento do não saber” – nas palavras de São João da Cruz – ao mesmo tempo sacia e desperta a sede.
Um Deus sem mistérios diante de Suas criaturas não seria Deus. A religião requer um senso de mistério. As coisas de Deus tanto falam como se calam. E não é certo se dizem mais pelo que dizem ou pelo que calam.
Alguém pode perguntar: “Como pode ser isso? Como alguém fala silenciosamente?” Falar em silêncio é um paradoxo do tipo que levou São João da Cruz a contemplar a “música silenciosa” em outro poema.
Desta forma – através da religião e da escada das coisas criadas – podemos assim ascender a Deus. Mas, sendo Ele infinito, há um momento em que percebemos a distância infinita que O separa de nós. É então que temos a impressão mais viva, dinâmica e estimulante do inimaginável, do inconcebível, do absoluto.
Inimaginável e inconcebível. Podemos acrescentar o termo inefável, cuja origem etimológica – do latim ineffabilis ou indizível – indica aquilo que não pode ser falado.
Assim, podemos entender por que em certas liturgias orientais, no momento da Consagração, o véu é baixado, as cortinas são fechadas separando o presbitério do resto da igreja. Nós apenas ouvimos o padre dizer as palavras sagradas. Este véu esplendoroso simboliza que algo inefável está acontecendo ali.
O véu em si não é apenas um véu. Ele esconde um mistério. Assim, podemos perguntar se a percepção do mistério não complementa aquela zona da nossa alma que também tem uma prodigiosa capacidade de compreensão.
A nossa propensão ao sublime nos conduz a Deus
Estar aberta ao maravilhoso ou ao sublime, é a primeira aspiração que a alma deve ter.
O que representa o sublime na escala da beleza?
É um grau de beleza superior ao homem e que o deixa dominado por algo maior que ele mesmo. Quando a alma de um homem tem uma forte propensão para o sublime, seu gosto pela realidade espiritual torna-se mais definido. Porque a própria ideia da existência de um Ser que não está sujeito à contingência da matéria é sublime e mais bela do que todas as belezas da matéria.
Opera-se aqui uma interação, pois quando entramos na consideração das coisas espirituais, nossa tendência ao sublime nos faz compreender algo que a matéria não nos permite compreender.
Voemos então para o que é espiritual! Ao que é metafísico, que no sentido etimológico é o que está além do físico. Do espiritual, tendemos necessariamente a Deus, o Espírito perfeitíssimo e puríssimo. Considerá-lo completamente nos encanta; nos inspira completamente com adoração, veneração e confiança. São como colinas que se sobrepõem até tocarem a Fé em Deus.
O sentido do mistério nasce do nosso sentido de contingência
A simples frase “Deus criou o mundo do nada” envolve a noção de mistério, assim como muitas outras linhas que, à primeira vista, podem parecer extremamente simples.
De acordo com a filosofia tomista mais básica, “as criaturas não são nem necessárias, nem incausadas, nem eternas nem infinitas.” Portanto, elas são contingentes: elas devem sua existência a algo mais. (Pe. E. Collin, Manual de Filosofía Tomista, Barcelona, 1950, p. 110)
Nossa natureza nos faz constantemente tropeçar em nossas limitações. Por esta razão, o mistério frequentemente faz sentir sua presença.
Segue-se que o homem fica com uma espécie de pano de fundo de mistério em sua cabeça, uma sensação de mistério que todo homem carrega em si. É um mistério que não deve ser visto como algo contraditório à natureza do ser contingente, mas como algo que possui um mundo de harmonias que o ser contingente tem um forte apetite por receber.
A existência de uma hierarquia na criação também nos faz deparar com o mistério, pois aquele que é superior necessariamente tem aspectos que o inferior não compreende totalmente.
Aqui podemos desenvolver e expandir a tese do Pe. Henri Ramière sobre a relação planeta/satélite: Assim como Deus criou sistemas de planetas e satélites no universo material onde vários satélites orbitam em torno de um único planeta, Ele também desejou que todas as criaturas fossem hierarquicamente agrupadas de acordo com suas excelências espirituais.
Portanto, existem homens-satélites que giram em torno de um homem-planeta superior, elemento de beleza do universo. Acontece que o planeta sempre representa um certo mistério para o satélite, fato que este deve aceitar e amar. (Pe. Henri Ramière SJ (1821-1884), O Reino de Jesus Cristo na História, Porto: Livraria Civilização-Editora, 2001)
O sentido do mistério decorre, pois, da noção de contingência, do sentido das nossas limitações. Sendo a nossa contingência e a de toda a Criação realidades irrefutáveis, o mistério é um elemento integrante e indispensável da realidade. Rejeitar o mistério é fugir da realidade.
Assim sendo, o homem deve tornar-se muito consciente de sua contingência.
Ter consciência da própria contingência é aquela primeira felicidade extática que a pessoa sente por ser muito pequena diante do Imenso; ele não quer ser grande em comparação com Deus, e toda a sua autossuficiência é reduzida a zero diante de Deus.
Uma cultura sem mistério torna-se banal
O homem medieval tinha um senso de mistério muito elevado. A ruptura com esse sentido do mistério ocorreu no Renascimento, que se chocou com a ideia de transcendência. A Itália do século 16 rompeu com o mistério, o que pode ser observado em importantes igrejas construídas em Roma naquela época. E uma cultura sem mistério torna-se banal.
Portanto, diante do mistério, é preciso saber dizer: “Que maravilha! É mais do que eu posso entender!”
* * *
Transcendendo todo conhecimento
Do Cântico Espiritual de São João da Cruz
Eu não soube aonde entrava,
porém, quando me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi;
não direi o que senti,
que me quedei não sabendo,
toda a ciência transcendendo...
Estava tão embevecido,
tão absorto e alheado,
que se quedou meu sentido
de todo o sentir privado,
e o e´spírito dotado
de um entender não entendendo,
toda a ciência transcendendo...
E é de tão alta excelência
aquele sumo saber,
que não há arte ou ciência
que o possam apreender;
quem se soubera vencer
com um não saber sabendo,
irá sempre transcendendo.
E se o quiserdes ouvir,
consiste esta suma ciência
em um subido sentir
da divinal Essência;
é obra da sua clemência
fazer quedar não entendendo,
toda a ciência transcendendo.
(Fonte: Obras Completas do Doutor Místico São João da Cruz, Coimbra, 1977)
Continua
Um silêncio que fala...
De fato, no mistério há um paradoxo, já que “o conhecimento do não saber” – nas palavras de São João da Cruz – ao mesmo tempo sacia e desperta a sede.
Um Deus sem mistérios diante de Suas criaturas não seria Deus. A religião requer um senso de mistério. As coisas de Deus tanto falam como se calam. E não é certo se dizem mais pelo que dizem ou pelo que calam.
Alguém pode perguntar: “Como pode ser isso? Como alguém fala silenciosamente?” Falar em silêncio é um paradoxo do tipo que levou São João da Cruz a contemplar a “música silenciosa” em outro poema.
As cortinas são fechadas para velar o mistério da Consagração no Mosteiro Geghard na Armênia
Inimaginável e inconcebível. Podemos acrescentar o termo inefável, cuja origem etimológica – do latim ineffabilis ou indizível – indica aquilo que não pode ser falado.
Assim, podemos entender por que em certas liturgias orientais, no momento da Consagração, o véu é baixado, as cortinas são fechadas separando o presbitério do resto da igreja. Nós apenas ouvimos o padre dizer as palavras sagradas. Este véu esplendoroso simboliza que algo inefável está acontecendo ali.
O véu em si não é apenas um véu. Ele esconde um mistério. Assim, podemos perguntar se a percepção do mistério não complementa aquela zona da nossa alma que também tem uma prodigiosa capacidade de compreensão.
A nossa propensão ao sublime nos conduz a Deus
Estar aberta ao maravilhoso ou ao sublime, é a primeira aspiração que a alma deve ter.
O que representa o sublime na escala da beleza?
É um grau de beleza superior ao homem e que o deixa dominado por algo maior que ele mesmo. Quando a alma de um homem tem uma forte propensão para o sublime, seu gosto pela realidade espiritual torna-se mais definido. Porque a própria ideia da existência de um Ser que não está sujeito à contingência da matéria é sublime e mais bela do que todas as belezas da matéria.
Opera-se aqui uma interação, pois quando entramos na consideração das coisas espirituais, nossa tendência ao sublime nos faz compreender algo que a matéria não nos permite compreender.
Voemos então para o que é espiritual! Ao que é metafísico, que no sentido etimológico é o que está além do físico. Do espiritual, tendemos necessariamente a Deus, o Espírito perfeitíssimo e puríssimo. Considerá-lo completamente nos encanta; nos inspira completamente com adoração, veneração e confiança. São como colinas que se sobrepõem até tocarem a Fé em Deus.
O sentido do mistério nasce do nosso sentido de contingência
A simples frase “Deus criou o mundo do nada” envolve a noção de mistério, assim como muitas outras linhas que, à primeira vista, podem parecer extremamente simples.
Homens seguem líderes como satélites orbitam um planeta
Nossa natureza nos faz constantemente tropeçar em nossas limitações. Por esta razão, o mistério frequentemente faz sentir sua presença.
Segue-se que o homem fica com uma espécie de pano de fundo de mistério em sua cabeça, uma sensação de mistério que todo homem carrega em si. É um mistério que não deve ser visto como algo contraditório à natureza do ser contingente, mas como algo que possui um mundo de harmonias que o ser contingente tem um forte apetite por receber.
A existência de uma hierarquia na criação também nos faz deparar com o mistério, pois aquele que é superior necessariamente tem aspectos que o inferior não compreende totalmente.
Aqui podemos desenvolver e expandir a tese do Pe. Henri Ramière sobre a relação planeta/satélite: Assim como Deus criou sistemas de planetas e satélites no universo material onde vários satélites orbitam em torno de um único planeta, Ele também desejou que todas as criaturas fossem hierarquicamente agrupadas de acordo com suas excelências espirituais.
O homem sente a sua contingência na aura de mistério numa Igreja antiga
O sentido do mistério decorre, pois, da noção de contingência, do sentido das nossas limitações. Sendo a nossa contingência e a de toda a Criação realidades irrefutáveis, o mistério é um elemento integrante e indispensável da realidade. Rejeitar o mistério é fugir da realidade.
Assim sendo, o homem deve tornar-se muito consciente de sua contingência.
Ter consciência da própria contingência é aquela primeira felicidade extática que a pessoa sente por ser muito pequena diante do Imenso; ele não quer ser grande em comparação com Deus, e toda a sua autossuficiência é reduzida a zero diante de Deus.
Uma cultura sem mistério torna-se banal
O homem medieval tinha um senso de mistério muito elevado. A ruptura com esse sentido do mistério ocorreu no Renascimento, que se chocou com a ideia de transcendência. A Itália do século 16 rompeu com o mistério, o que pode ser observado em importantes igrejas construídas em Roma naquela época. E uma cultura sem mistério torna-se banal.
Portanto, diante do mistério, é preciso saber dizer: “Que maravilha! É mais do que eu posso entender!”
Transcendendo todo conhecimento
Do Cântico Espiritual de São João da Cruz
Eu não soube aonde entrava,
porém, quando me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi;
não direi o que senti,
que me quedei não sabendo,
toda a ciência transcendendo...
Estava tão embevecido,
tão absorto e alheado,
que se quedou meu sentido
de todo o sentir privado,
e o e´spírito dotado
de um entender não entendendo,
toda a ciência transcendendo...
E é de tão alta excelência
aquele sumo saber,
que não há arte ou ciência
que o possam apreender;
quem se soubera vencer
com um não saber sabendo,
irá sempre transcendendo.
E se o quiserdes ouvir,
consiste esta suma ciência
em um subido sentir
da divinal Essência;
é obra da sua clemência
fazer quedar não entendendo,
toda a ciência transcendendo.
(Fonte: Obras Completas do Doutor Místico São João da Cruz, Coimbra, 1977)
Velas em uma igreja escura
criam um ambiente de mistério
Continua
Postado em 27 de fevereiro de 2023